Motim por morte de colegas: marinheiros negros são absolvidos após 80 anos

 

Durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo de marinheiros negros se recusou a continuar carregando armas e munições, depois que uma explosão causou a morte de 320 trabalhadores portuários – quase todos negros

 

Jorge de Souza
Dias atrás, o Secretário da Marinha dos EUA, Carlos Del Toro, e o próprio presidente John Biden, foram a público reparar um erro histórico: as condenações que 50 marinheiros negros americanos receberam, 80 anos atrás, durante o que ficou conhecido como “Motim de Port Chicago”.

Na ocasião, julho de 1944, durante a Segunda Guerra Mundial, um grupo de marinheiros negros que desempenhava funções braçais no porto de Port Chicago, na Califórnia, carregando com armas e munições os navios americanos que seguiam para os combates da Europa, se recusou a continuar trabalhando depois que uma explosão, causada pelas condições inseguras durante o carregamento do cargueiro SS EA Bryan, resultou na morte de 320 trabalhadores portuários – quase todos negros, como de hábito na época.

Imagem: Reprodução/portchicago50.com

Injustiça histórica
O levante foi classificado pela Marinha Americana como um motim – crime passível de severas punições -, e resultou em 200 condenações entre os trabalhadores que se recusaram a continuar carregando os navios com bombas e munições sem o devido cuidado.

Destes, 50 foram presos, mas obrigados a continuar executando os mesmos trabalhos, sem, porém, direito a salários, e, ainda por cima, demitidos, com desonra, após a conclusão das penas – uma injustiça histórica que só agora, oito décadas depois, quando nenhum dos condenados segue vivo, foi reparada.

“Fim de uma longa jornada”
“O anúncio de hoje marca o fim de uma longa e árdua jornada para aqueles trabalhadores negros e suas famílias, que lutaram por uma nação que lhes negou justiça igual perante a lei”, disse o presidente Biden em uma declaração oficial, no dia em que se celebrou 80 anos da explosão que marcou para sempre a cidade de Port Chicago e a honra da própria Marinha Americana.

Imagem: Reprodução/portchicago50.com

“Que todos nós nos lembremos da coragem, sacrifícios e serviço à nossa Nação daqueles 50 homens injustamente condenados”, concluiu o presidente, sem, contudo, explicar por que a Marinha Americana levou tanto tempo para reconhecer isso.

Explosão em cadeia
A explosão durante o carregamento do SS EA Bryan com armas e munições, em 17 de julho de 1944, aconteceu porque não foram respeitadas as condições mínimas de segurança, com os trabalhadores do porto (todos negros) transportando as bombas e armamentos com as próprias mãos.

Quando uma das caixas de munições caiu e explodiu, o efeito em cadeia repercutiu em todo o porto, gerando a morte de mais de 300 estivadores e ferindo outros 400, além de destruir dois navios, um trem e causar danos significativos à cidade de Port Chicago – que, até hoje, tem sequelas do episódio.

Imagem: Reprodução/portchicago50.com

Nos dias subsequentes à explosão, mais de 200 trabalhadores do porto se recusaram a continuar trabalhando daquela forma, o que levou a Marinha Americana a interpretar o movimento como sendo um motim.

Os acusados foram levados à Corte Marcial, que, por sua vez, ao mesmo tempo em que condenou 50 deles a penas de até 15 anos de prisão, por outro isentou os seus supervisores do porto (todos brancos) de responsabilidades no desastre – um dos mais escandalosos casos de discriminação na história da Marinha Americana, que só agora, 80 anos depois, foi reconhecido pelo governo dos Estados Unidos.

“Isso prova que a justiça americana existe, ainda que tardia”, disse, na cerimônia que exonerou os condenados – conhecidos como os “50 de Port Chicago” -, o constrangido secretário da Marinha Americana, Carlos Del Toro.

E o que mais ele poderia dizer, diante de tamanho absurdo?
Histórias do Mar (UOL) – Edição: Montedo.com

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