Será que precisaremos viver a tragédia chinesa do século XIX para nos tornarmos uma potência no século XXIII?
José Arnon dos Santos Guerra*
James Clavell, em sua magnífica obra, tangencia a decrepitude da China no século XIX, expondo o vício generalizado da sua população em uma droga. Esse processo, que culminou na Guerra do Ópio, foi resultado de um processo de dominação planejado e executado pela Inglaterra, no esplendor da Era Vitoriana.
Ao ler TAI PAN, que trata das aventuras da conquista da Ásia pelos ingleses, somos apresentados aos estratagemas da diplomacia internaci- onal, que geralmente escapam à percepção do cidadão comum. Enquanto este luta diariamente para gerar o sustento de sua família e riqueza para a Nação, raramente consegue se deter com um olhar atento para o futuro dos seus filhos e do País.
Em certa passagem do livro e da história, o leitor se depara com o princípio da extraterritorialidade, mencionado e romantizado por Clavell, que revelou como a China se subordinou a interesses estrangeiros, permitindo sucessivas agressões à sua soberania, por meio de violações dissimuladas e aceitas por autoridades corrompidas, em meio à troca comer- cial do chá chinês pelo ópio da Caxemira.
Em síntese, os chineses, flagelados pelo vício, não souberam, não puderam e não conseguiram se defender das ameaças externas, que persis- tiram por um longo tempo. A ilha de Hong Kong, o melhor exemplo dessa fragilidade, só foi devolvida à China em 1997.
Sabe-se que a segurança de uma nação tem seus alicerces fortemente baseados nas riquezas individuais geradas pela sua gente, que, por sua vez, promove outros benefícios coletivos, como o fortalecimento da indústria de defesa e a exploração da terra sob a tutela dos nacionais.
Um país continental como o nosso, rico por natureza, não deixa dúvida quanto à necessidade de proteger o que produz e o que ainda não foi explorado. Contudo, para isso, o Brasil deve se defender de si mesmo, do ócio e do ópio, afastando-se do tipo de epidemia que afligiu a potência asiática no passado.
A liberdade é um dos bens imateriais mais preciosos de uma sociedade e deve ser defendida a todo custo; em excesso, é uma arma apontada para o coração dessa mesma sociedade, principalmente se não for bem compreendida pelo povo. O Estado deve ser cauteloso com as futuras gerações e proteger sua juventude com todas as suas forças.
Nesse contexto, como o Brasil deve lidar com suas Cracolândias, onde a condescendência excessiva leva milhares de pessoas à mais completa indigência?
Nesses ambientes degradados, as pessoas se multiplicam e morrem sob o silêncio de quem deveria cuidar delas. Em essência, é um lugar onde a liberdade excessiva aprisiona, ao franquear o vício que escraviza.
A resposta à pergunta anterior é simples, temos que banir todo tipo de droga, o que, do ponto de vista antropológico, é praticamente impossível. Portanto, medidas de controle sistêmico devem ser adotadas, tendo a educação como o carro-chefe desse processo.
O flagelo das drogas atingiu um nível perigoso, reflexo da perda da capacidade da sociedade de estranhá-lo e repudiá-lo. Hoje, as cracolândias acolhem tanto o filho do trabalhador simples, quanto a esposa do doutor e, aos poucos, drenam as energias de todos os estratos sociais da Nação.
Quem assistiu ao filme “Feito na América”, com Tom Cruise, viu os métodos inteligentes de uma poderosa organização para alcançar um objetivo específico, o qual exigiu até esforço militar. Quais são os interesses que se escondem por trás do narcotráfico no Brasil?
Nossos avós e os avós deles souberam se defender de ideias que ameaçavam seus costumes. Sim, sempre houve álcool em excesso e outros ví- cios, mas as portas nunca estiveram tão escancaradas para perigos difusos como agora.
Será que precisaremos viver a tragédia chinesa do século XIX para nos tornarmos uma potência no século XXIII?
Às vezes, o avanço é retrocesso! O inglês Edmund Burke destacou bem essa premissa em suas Reflexões sobre a Revolução Francesa: Um povo que não cultiva a memória de seus ancestrais não cuidará de seus descendentes.
Por isso, o tema deste artigo e tão relevante, afinal, a trajetória da nação brasileira pode não ser igual à da China, até porque, naquela época, não havia a tecnologia que há hoje, tampouco armas nucleares que dissuadem adversários antes que estes apelem pelos seus interesses.
Também não temos os efetivos das forças armadas chinesas, que sempre foram muito maiores do que os de seus oponentes, poder que lhes garantiu a sobrevivência diante dos múltiplos desafios, inclusive no século XX.
Não à toa Napoleão disse: “Se a China despertar, o mundo tremerá.”
Ela acordou! O mundo está tremendo e isso é a vida real, não é arte.
Está claro que os brasileiros precisam se afastar do mundo das drogas e se proteger, inclusive de seus próprios vícios.
* Cel Inf Veterano José Arnon dos Santos Guerra, ex-Comandante do C Fron RR/7º BIS e ex-Coordenador-Geral de Políticas para a Sociedade, na SENASP, entre 2019 e 2020.
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