“Um Exército de velhos que não consegue segurar uma baioneta ou atirar de fuzil, pode comprometer a soberania da pátria e da nação”, diz futura presidente do STM

 

Futura presidente do Superior Tribunal Militar, a ministra Maria Elizabeth Rocha é contra idade mínima para aposentadoria de militares

 

Em entrevista a Rayssa Motta, no blog do Fausto Macedo (Estadão), a ministra discorreu sobre diversos assuntos.
Ela é casada com o general de divisão Romeu Costa Ribeiro Bastos. O irmão dele, Paulo Costa Ribeiro Bastos, militante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), guerrilha contra a ditadura, foi torturado e morto pelos militares.

“Isso afetou profundamente a minha família e a família do meu marido. O meu sogro era um general, o meu marido é um general, e é o que eu costumo dizer, a ditadura não escolhe suas vítimas”, declarou.

Confira os principais trechos da entrevista:

A sra vê com bons olhos as propostas do governo, dentro da PEC do corte de gastos, para rever alguns privilégios das carreiras militares, como a morte ficta, idade mínima de aposentadoria e transferência de pensões?
Na verdade, aquilo que a sociedade chama de privilégio, eu particularmente não considero, porque as Forças Armadas têm uma carreira diferenciada. O militar não ganha horas extras, não ganha adicional noturno. O militar cumpre uma jornada de trabalho muito maior do que um civil.

A questão da pensão das filhas realmente é uma tradição que vem com a Guerra do Paraguai que pode ser superada pela legislação, mas é importante também que se diga que o militar contribui para isso. É como o chamado benefício, que eu acho que é uma palavra extremamente equivocada, que nós recebemos quando aposentamos pelo INSS. Não é benefício. Eu não tenho benefício nenhum, eu tenho um direito porque eu recolhi durante todo o meu tempo de serviço ativo uma contribuição para a Previdência Social. E o militar recolhe para as filhas. Então isso é importante.

A questão da idade mínima é outra coisa que me preocupa. As Forças Armadas não podem envelhecer no sentido de que não pode se ter um Exército, uma Marinha, uma Aeronáutica composta por militares que têm uma certa idade. Os exércitos têm que ser jovens.

Quando fui presidente do tribunal pela primeira vez, se discutia a PEC da Bengala, que acabou sendo aprovada. Os magistrados podem se aposentar hoje aos 75 anos e não aos 70 como era antigamente. Eu fui contra. Não porque eu gostaria de deixar meu cargo, e eu tenho certeza que todos aqueles militares que vestem a farda também não querem deixar, porque é uma segunda pele e porque trabalhar é saudável sob todos os pontos de vista.

Agora, a questão é, se as idades se prolongaram, hoje os 40 são os antigos 50, e a juventude se prolongou, as ideias envelhecem. Eu acho que o Judiciário, por exemplo, corre o risco de se tornar um pouco anacrônico na medida em que as pessoas mais velhas não abrem espaço para as novas gerações.

E é a mesma coisa com as Forças Armadas, aliás, com as instituições em geral. Mas as Forças Armadas ainda têm um diferencial. Um Exército de velhos que não consegue segurar uma baioneta, que não consegue atirar um fuzil, pode comprometer a soberania da pátria e da nação.

E por isso é que tem uma idade mínima para os militares se aposentarem, ou seja, passarem para a reserva, e outra idade para eles se reformarem, porque são situações diferentes. Na reserva ele ainda pode ser convocado, a reforma já não mais.

Então é preciso que a juventude seja mantida dentro das Forças Armadas, porque elas têm que estar, em princípio, preparadas para o combate. E mais do que isso: as novas gerações têm que ter espaços para ocupar. E se nós nos perpetuamos nos cargos, isso acaba atravancando todas as carreiras.

E eu não estou me referindo apenas às Forças Armadas não, me refiro à magistratura. Agora está se discutindo os 80 anos. Meu Deus do céu! Não é que uma pessoa de 80 anos não seja mentalmente e intelectualmente capaz, muito pelo contrário, eu acho que uma pessoa que chega aos 80 anos com a sua função cognitiva preservada está no auge da sua capacidade intelectual. Mas aí eu pergunto: e os que virão depois de nós? Como é que eles ficam? E os jovens juizes que fizeram concurso? E os desembargadores? Eles não vão ter chance porque nós não saímos dos cargos, estamos tão apegados a eles que não podemos dar espaço para os novos que virão? Isso é o que me inquieta.

Seu cunhado foi vítima da ditadura. Pode contar como isso marcou a família do seu marido? E como vê manifestações pela volta da ditadura?
Realmente, meu cunhado, Paulo Costa Ribeiro Bastos, é um desaparecido político. Pelo que se sabe, foi torturado e depois jogado morto no mar. E, claro, isso afetou profundamente a minha família e a família do meu marido. O meu sogro era um general, o meu marido é um general, e é o que eu costumo dizer, a ditadura não escolhe suas vítimas.

E, nesse sentido, há um sofrimento muito grande, porque nem enterrar o irmão, nem enterrar o filho foi possível. Isso até precipitou o falecimento do meu sogro e é causa de muitas angústias entre os irmãos. É preciso realmente que o Estado se retrate.

Quando fui presidente, eu degravei todos os áudios das sessões secretas dos presos políticos que foram julgados sob a égide da Segurança Nacional, que estavam gravados em mídia, naquela fita de rolo de celulóide, e que não eram sequenciais. Hoje esses áudios estão disponíveis para qualquer pesquisador, para qualquer cidadão brasileiro.

Também iniciei o processo da digitalização dos processos históricos do STM, que não começam em 1964, eles começam em 1808, você pega toda a história do Brasil, do Império até a República Nova. É um material histórico preciosíssimo, que não poderia se perder, que estava em papel. Houve uma digitalização e os áudios estão hoje todos preservado para que os historiadores, estudiosos, brasilianistas, todos aqueles que quiserem, possam consultar.

O STM pode vir a julgar os militares envolvidos no plano de golpe investigado pela Polícia Federal?
É um julgamento de honra. Pode vir a julgar a perda do posto e da patente por indignidade ou incompatibilidade para com o oficialato, se a pena for maior do que dois anos.

Existem também os conselhos de justificação, que não são julgamentos de honra, sobre a permanência do militar dentro das Forças Armadas, mesmo se ele estiver na reserva ou reformado.

E existem os crimes conexos, que são os crimes militares, mas que podem ter sido cometidos em conjunto com os crimes comuns. A Polícia Federal e o Ministério Público, quando oferecer a denúncia, se vier a oferecer, vai identificá-los. Os crimes comuns serão apreciados pelo Supremo.

O ministro Alexandre de Moraes foi o primeiro a atuar na causa que envolve todo esse imbróglio que começou no 8 de janeiro. Então, provavelmente, será ele o relator desses processos. Mas nada impede que os crimes militares conexos aos crimes comuns venham realmente para a Corte Militar. E aí somos nós que apreciaremos.

A sra acredita que, se ficar comprovada a participação desses oficiais em articulações golpistas, eles devem perder as patentes?
No Estado Democrático de Direito, o que se faz é processar, julgar e apenar, se for o caso da apenação, se constatar que o ilícito foi cometido.

Então, realmente é preciso estar atento para verificar com imparcialidade, porque o julgador tem que ser imparcial. O momento hoje é um momento de tensão e de divisão, a minha eleição é uma prova disso, eu ganhei por um voto de diferença, o meu voto, porque eu represento uma corrente mais progressista. Além do fato de eu ser mulher, evidentemente, mas eu acho que é acima de tudo porque eu represento uma corrente mais progressista dentro da Corte.

Então, apuradas faltas, o militar é um cidadão como qualquer outro, ele se submete aos regramentos jurídicos como qualquer outro cidadão brasileiro e ele tem que sofrer as sanções, se for o caso, ou não, se ele restar absolvido. Agora, se realmente for constatada a conduta típica, como nós chamamos, não há o que fazer, a não sancionar.

Isso também se aplica ao ex-presidente Jair Bolsonaro?
Sim, ele também pode perder a patente de oficial.

A sra foi militante de esquerda e advogada do PT. Ainda mantém contato com quadros do partido?
Não. A Lei Orgânica da Magistratura impede que os juízes sejam filiados a partidos políticos. E está certo, porque imparcialidade é fundamental para o julgamento de um processo. Quando um cidadão bate às portas do Poder Judiciário, seja como autor ou como réu, é o Estado que está se pronunciando e é a última porta onde tem como apelar.

O Judiciário é o último refúgio da legalidade que existe dentro de um Estado que se diz democrático. Então, eu absolutamente não deixo influir qualquer visão política dentro dos meus julgamentos, até porque os nossos julgamentos não envolvem política.

Agora, eu não posso negar, por exemplo, que a minha visão de mulher, que a minha visão de civil, influencia, porque a ideia é o arejamento das instituições. E o escabinato, que é exatamente a composição de dez militares aqui, é importante para que eles nos mostrem como é a vida na caserna. Mas é importante também que o civil traga para dentro de uma instituição, que é uma instituição fechada como as Forças Armadas, a visão de mundo que se tem aqui fora.

E por isso a nossa Constituição contempla o chamado Quinto Constitucional. Todos os tribunais de segunda instância são formados por juízes de carreira, por membros do Ministério Público e por membros da advocacia. Exatamente para quê? Para promover o arejamento da justiça, por isso é que a justiça tem que ser diversa. Por isso é que tem que ter afrodescendentes, tem que ter orientações sexuais diversas. É importante, num mundo tão complexo, num mundo tão diferente, onde o outro tem que ter voz e vez, que todos tenham fala. Porque senão você retira o espaço de fala daqueles que são entendidos como diferentes. E aí é uma tragédia, porque você está tirando as possibilidades democráticas que um órgão tão importante como o Poder Judiciário tem de se pronunciar.

Então, se você me pergunta, em questões de violência doméstica, que nós, infelizmente, temos julgado muito, ou em questões de violência de gênero, eu tenho um olhar diferenciado? É claro que eu tenho, eu sou mulher.

É a mesma coisa que o racismo. Só um negro sabe a dor que é sentir o racismo. Por mais que nós sejamos empáticos, só aquele que vive a dor é que pode descrevê-la com propriedade.

Então, realmente, eu tenho uma visão, eu não tenho uma visão política, não no sentido de político-partidária, mas eu tenho uma visão de mundo na qual eu tenho empatia pela diferença, pela igualdade material e pelo Estado democrático.

Confira a entrevista completa no ESTADÃO

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