Eu, Soldado

 

O Soldado é uma ferramenta poderosa para o Estado fazer valer a sua vontade

 

José Arnon dos Santos Guerra *
Em 1950, Isaac Asimov publicou sua coletânea de contos “Eu, Robô”, revivida nos cinemas por Will Smith, em 2004. O livro e o filme popularizaram as Três Leis da Robótica, anteriormente estreladas, com menor ênfase, em O Exterminador do Futuro (1984), com Arnold Schwarzenegger.

Nessas três ficções, os protagonistas incorporaram determinação, disciplina, coragem e resistência incomuns em humanos, como as do Soldado Universal, de Van Damme, em 1992, meio homem, meio robô.

Van Damme mergulhou nas drogas, Arnold reclamou do castigo de ficar velho e Will Smith estapeou o amigo na cerimônia do Oscar.

Por que esses artistas surpreenderam seus fãs com atitudes estranhas aos seus personagens?

É simples: essas três pessoas pertencem ao conjunto de bípedes capazes de pensar, imaginar e experimentar alegrias e frustrações, estando, portanto, suscetíveis aos vícios da natureza humana.

Assim é o Soldado do Exército Brasileiro, cujas tradições remontam a mais de cinco séculos. Ele se fez presente em todos os momentos em que a Nação lhe cobrou grandes sacrifícios: expulsou do território nacional franceses, holandeses e paraguaios; retaliou os nazistas por afundarem nossos navios mercantes e ceifarem a vida de centenas de brasileiros; lutou e morreu pela liberdade na Europa; pacificou o Haiti; e muito mais. No seu DNA miscigenado há qualidades robóticas e defeitos humanos.

O Soldado é uma ferramenta poderosa para o Estado fazer valer a sua vontade, ainda mais quando se considera que cerca de 80 mil deles são recrutas. O voluntarismo dessa numerosa juventude é uma qualidade intrínseca ao Exército Brasileiro e muito respeitada fora daqui.

Porém, o Soldado, diferentemente dos filmes, não é um robô.

Em tempos de polarização multifacetada (há quem diga bipolarização, o que não é verdade), quando o Exército recebe críticas difusas, esses meninos, cuja maioria ainda vive junto com seus pais, têm suas convicções atingidas, as mesmas que os fizeram superar o medo e optar pela aventura de servir à Força Terrestre, afinal para todo jovem qualquer desafio é uma aventura.

Atualmente, as hostilidades fluem fáceis pela internet, atrás de monitores que escondem a origem de uma raiva eloquente de pessoas que nunca quiseram servir ou sequer colocaram seus pés em um quartel. Essa verborragia fundamenta-se (parcialmente) no Inciso IV do art. 5º da Constituição Federal, não nele todo, veja: “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. É fato que tais agressões não seriam melhores se fossem ostensivas, mesmo que corajosas.

O País precisa do seu Soldado! E aqueles jovens, recém-saídos da adolescência, precisam dos que os instruem, que também são esposos, mães, irmãos, tias, primos, nossos amigos e amigas etc. Então, por que os diminuir quando estão realizando tarefas que não são típicas da profissão? Não serão eles os primeiros a pegar em armas para nos defender como tantas vezes o fizeram na história? Foi assim que morreram mais de quatrocentos Pracinhas na Itália.

Para o militar não há missão menos importante, porque tudo é importante: faxina nos quartéis; controle de queimadas; eliminação de larvas de mosquitos; vacinação de pessoas e pets; resgate de vítimas de acidentes, desmoronamentos, deslizamentos e enchentes; atendimento à saúde da população; pacificação em áreas urbanas dentro e fora do País; acolhimento de refugiados; e um sem número de atividades que a população lhe pede.

Até assistência espiritual o Soldado administra!

Certa vez, em uma Ação Cívico-Social (ACISO) na Comunidade Indígena da Ticoça, no norte de Roraima, o Capelão da 1ª Brigada de Infantaria de Selva batizou e crismou cerca de 170 crianças e celebrou um casamento, atendendo ao pedido dos tuxauas das comunidades vizinhas. Na ocasião, também foi comemorado o dia da Arma de Comunicações (5 de maio), relembrando seu patrono, Marechal Rondon, que, em 1927, deixou seu sabre com uma das famílias macuxis da região, cuja descendente o guarda com orgulho até hoje. Tudo isso aconteceu em REFRON, missão típica das Organizações Militares na Faixa de Fronteira da Amazônia.

A força que impele os militares a cumprirem bem os seus deveres não requer glamour artístico, exige apenas a vontade e o orgulho de seus espíritos, porque eles conhecem o valor da farda que vestem e o peso que ela carrega, resultado da trajetória percorrida até alcançá-los.

É missão? Não importa qual seja, será cumprida!

Imagine-se, por um momento, em uma sala de cinema, assistindo a uma ficção onde o protagonista está envolvido em algo pouco empolgante, quando, de repente, é interpelado por alguém da plateia, um daqueles tipos que problematizam tudo:

Ei, você aí da telona! Isso qualquer um faz… até eu!

Certamente, o ator responderia elegantemente:

– Desculpe-me. Se não estou fazendo o que você quer, é porque tenho que fazer o que eu devo. Mas não se preocupe, se precisar de algo muito além disso, conte comigo, sempre!

A propósito, você sabia que essa fala tem fundamento científico? No estudo de Joseph Campbell, intitulado O Herói de Mil Faces, ela encaixa-se perfeitamente em um roteiro de filme de ação, no qual o herói triunfa no final, como o Soldado Brasileiro.

E por falar em sétima arte, lembre-se: os artistas encantarão os seus sentidos, mas quem resolverá seus piores problemas será o Soldado – um ser humano e não um robô.

As Três Leis da Robótica de Isaac Asimov:

  1. Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.
  2. Um robô deve obedecer às ordens dadas por seres humanos, exceto quando tais ordens entrarem em conflito com a Primeira Lei.
  3. Um robô deve proteger sua própria existência, desde que essa proteção não entre em conflito com a Primeira ou a Segunda Lei.

* Coronel de Infantaria Veterano 

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