Tudo isso?

Tudo isso e muito mais.

Ruben Barcellos* 
Há 60 anos, num dia 15 de janeiro, eu atendia ao chamado da Pátria Brasilis e me apresentava pro Serviço Militar Inicial. Eu e centenas de jovens, com mais espinhas na cara do que barba.
Aos poucos, a lista de convocados ia passando de folha em folha com nomes de família: Duartes, Mazzinis, Carvalhos, Brinhóis, Menas Goulart, Nunes e Barcellos também.
Dali, formando pela primeira vez, uns iam ao médico, outros aos esquadrões de destino, outros ao subtenente pra pegar o uniforme e outros ao banheiro – que o suor tava pegando pesado. Tudo era grande, novo, desafiador, como as vozes altas e claras dando ordens secas e impessoais. E depois, o chão da barbearia escureceu e as cabeças reluziam com a máquina 4 zeros do seu Nei, do Carlinhos e do Nelson.
Um saco de roupas contendo roupas iguais, coturnos e tênis iguais, cuecas e pijamas iguais, uniforme de passeios e sapatos iguais – sem distinção de católicos ou protestantes, de letrados ou analfabetos, de negros ou brancos…conduzidos aos alojamento, onde camas e armários iguais nos esperavam pra um uso de 40 dias contínuos.
Depois, com o passar dos dias e das horas intermináveis de instrução de armamento, ordem unida, uso correto do equipamento, postura pra caminhar e marchar e correr, tratamento entre os militares, postos e graduações, nomes das autoridade, pontualidade e zelo com o material…a rotina foi nos moldando, definindo músculos e criando hábitos. E como dizia o saudoso sargento Ruy de Leon Gogia: “…embora estejamos num ambiente exclusivamente masculino, temos que primar pela decência de vocabulário!”, inibindo assim os vícios de linguagem chula que se usava entre amigos.
Tudo isso. Tudo isso e muito mais.
Muitos amigos até hoje lembram daqueles tempos. Era dureza. A disciplina rígida tinha um contraponto: os soldados de espírito leve e divertido. Como o recruta Saraju:
– Sargento Ismael Barcelos Nunes, que horas é o café da tarde?
– Depois que tu der 10 voltas no alojamento, Saraju!
Ou o soldado Oliveira, no curso de motorista:
– Dei um gelo nele, sargento!
Se referindo ao braço indicado que ia dobrar à esquerda e tendo dobrado à direita em plena Rua Sete!
E agora, 60 anos depois, não sabemos como, o tempo voou e nos levou todo o vigor e branqueou nosso cabelo e “vagarou” nosso passo e nos proibiu de subir escadas, de correr descalço, de cair e levantar num piscar de olhos.
Tudo isso. Tudo isso e muito mais.
Ainda bem que nossas lembranças não envelhecem. Podemos fazer coisas do arco da velha em pensamento.
O tempo não pode voltar atrás. Mas o pensamento pode.
Ainda bem que tudo isso e muito mais está vivos dentro de nós.
Boas lembranças!

* Ruben Barcellos de Melo é veterano da velha Cavalaria do Exército

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