STJ analisará o impacto da transexualidade nas Forças Armadas e aposentadoria compulsória

 

Tribunal decidirá se transexualidade é motivo para invalidez nas Forças Armadas
O debate sobre a transexualidade no ambiente militar brasileiro ganhou relevância à medida que surgem questionamentos sobre o uso da identidade de gênero como justificativa para aposentadorias compulsórias. Durante décadas, as Forças Armadas do Brasil – incluindo o Exército, a Marinha e a Aeronáutica – trataram a transexualidade como doença, amparando-se na antiga classificação do “transexualismo” no Código Internacional de Doenças (CID-10). Essa prática culminou na reforma de militares considerados “inaptos” para o serviço. Com a atualização promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2019, a transexualidade passou a ser tratada como incongruência de gênero e desvinculada de transtornos mentais. Apesar disso, casos de reforma compulsória continuam sendo registrados, provocando ações judiciais que agora chegam ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A Defensoria Pública da União (DPU) moveu uma ação civil pública que busca garantir os direitos dos militares transgêneros e coibir práticas discriminatórias no âmbito das Forças Armadas. A decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, que condenou a União a reconhecer o nome social e proibir reformas compulsórias com base na transexualidade, foi um marco importante, mas enfrenta contestação no STJ. A Corte decidirá não apenas sobre o uso do nome social, mas também sobre a continuidade da prática de reformar militares transgêneros, o que pode gerar precedentes significativos para outros setores do serviço público.

As aposentadorias compulsórias não se limitam ao aspecto jurídico; elas trazem consequências financeiras e sociais amplas. Estima-se que os custos decorrentes da reforma de militares aptos para o trabalho, mas afastados devido à transexualidade, sejam altos e impactem diretamente os cofres públicos. Além disso, a exclusão desses profissionais reforça estigmas e perpetua barreiras à inclusão de pessoas trans em diversos setores da sociedade brasileira.

Transexualidade e mudanças na classificação da OMS

A antiga classificação do “transexualismo” no CID-10 considerava a condição como um transtorno mental. Esse enquadramento foi utilizado como base pelas Forças Armadas para justificar a aposentadoria compulsória de militares transgêneros. Com a adoção do CID-11 em 2019, a OMS avançou ao redefinir a transexualidade como “incongruência de gênero”, uma condição relacionada à saúde sexual, sem caráter patológico.

A alteração no CID reflete uma evolução no entendimento global sobre as questões de gênero, reconhecendo a transexualidade como uma expressão legítima da identidade humana. Essa mudança, porém, encontrou resistência em instituições conservadoras como as Forças Armadas brasileiras, que continuaram aplicando práticas incompatíveis com as normas internacionais.

Ação judicial e decisão do TRF-2

O processo nº 0002781-93.2018.4.02.5101, movido pela Defensoria Pública da União, resultou em uma decisão do Tribunal Regional Federal da 2ª Região favorável aos direitos dos militares transgêneros. O tribunal determinou que a União reconheça o nome social dos militares e se abstenha de reformá-los compulsoriamente sob o pretexto de “transexualismo”. A decisão também estendeu essa proteção aos editais de concursos militares, impedindo que regras de gênero sejam usadas para discriminar candidatos trans.

Essa sentença é considerada um avanço, mas sua implementação enfrenta resistência. A União recorreu ao STJ, que agora terá a palavra final sobre o tema. O julgamento poderá criar um precedente jurídico importante, tanto para o ambiente militar quanto para outros setores do serviço público.

Impacto financeiro das aposentadorias compulsórias

Além do impacto social, a prática de reformar compulsoriamente militares transgêneros gera custos consideráveis para os cofres públicos. Cada reforma implica no pagamento de pensões vitalícias para profissionais que, em muitos casos, possuem plena capacidade laboral. Esses custos poderiam ser evitados se os militares fossem realocados para funções administrativas ou de apoio, em vez de afastados de suas carreiras.

Estima-se que centenas de militares trans já tenham sido reformados sob a justificativa de invalidez, o que representa um prejuízo não apenas financeiro, mas também humano. A exclusão dessas pessoas impede que elas contribuam plenamente para o desenvolvimento das Forças Armadas e perpetua um ciclo de discriminação que dificulta a inclusão de pessoas trans no mercado de trabalho.

Conceito de invalidez no meio militar

O conceito de invalidez nas Forças Armadas difere daquele aplicado no setor civil. Enquanto na esfera civil a invalidez é definida como a incapacidade total para qualquer atividade laboral, no meio militar ela se refere à incapacidade para funções específicas da carreira castrense, como combate ou atividades físicas intensas. Isso significa que um militar pode ser considerado inválido para o serviço ativo, mas apto para desempenhar tarefas administrativas ou técnicas.

No caso de militares trans, a justificativa de invalidez frequentemente ignora suas capacidades reais, baseando-se unicamente em preconceitos relacionados à sua identidade de gênero. Essa prática não apenas contraria os princípios de igualdade, mas também desperdiça talentos que poderiam ser aproveitados em diversas áreas das Forças Armadas.

Avanços históricos na inclusão de pessoas trans

Embora o Brasil enfrente desafios significativos em relação à inclusão de pessoas trans, há exemplos de avanços globais que demonstram a viabilidade de políticas mais inclusivas. Países como Canadá, Reino Unido e Estados Unidos já implementaram medidas que permitem a inclusão plena de militares transgêneros, reconhecendo sua capacidade de servir sem discriminação.

No Brasil, o reconhecimento do nome social e a possibilidade de retificação de gênero em documentos oficiais representam passos importantes. Desde 2018, uma decisão do Supremo Tribunal Federal garante que pessoas trans podem alterar seus documentos sem a necessidade de cirurgia ou laudos médicos, facilitando sua integração em diferentes setores.

Dados sobre a população trans no Brasil

De acordo com estudos recentes, o Brasil é o país com maior número de assassinatos de pessoas trans no mundo. A exclusão social e a discriminação no mercado de trabalho são problemas crônicos, com mais de 90% das mulheres trans e travestis dependendo do trabalho informal ou da prostituição para sobreviver. Esses dados revelam a urgência de políticas inclusivas que ampliem as oportunidades para essa população.

No serviço público, avanços como o reconhecimento do nome social e a ampliação de cotas de diversidade têm permitido que pessoas trans ocupem espaços antes inacessíveis. No entanto, as Forças Armadas permanecem como um dos setores mais resistentes a essas mudanças.

Possíveis desdobramentos da decisão do STJ

O julgamento do STJ pode marcar um divisor de águas para os direitos dos militares transgêneros no Brasil. Uma decisão favorável à inclusão poderá fortalecer os princípios de igualdade e dignidade, criando um precedente jurídico que impactará outros setores do serviço público. Por outro lado, uma decisão contrária poderá reforçar práticas discriminatórias, dificultando ainda mais o acesso de pessoas trans ao serviço militar.

Além disso, a decisão terá implicações financeiras e administrativas, uma vez que determinará se as Forças Armadas devem ajustar suas práticas para incluir pessoas trans em funções adequadas às suas habilidades.

Curiosidades sobre a transexualidade no ambiente militar

    • Nos Estados Unidos, a política de inclusão de militares transgêneros foi implementada em 2016, suspensa em 2017 e retomada em 2021.
    • No Reino Unido, as Forças Armadas têm políticas inclusivas desde os anos 2000, permitindo que militares trans sirvam abertamente.
    • O Canadá foi um dos primeiros países a adotar políticas inclusivas para militares trans, promovendo treinamentos para combater a discriminação.

Informações principais

  • A transexualidade foi retirada do rol de transtornos mentais pela OMS em 2019.
  • Militares transgêneros enfrentam aposentadorias compulsórias sob a justificativa de “invalidez”.
  • A decisão do STJ poderá criar um precedente importante para a inclusão de pessoas trans nas Forças Armadas e no serviço público em geral.
  • A prática de reformar militares trans onera os cofres públicos e reforça estigmas sociais.

mixvale – Edição: Montedo.com

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