Rui Martins da Mota (Martins Mota) – Veterano das Forças Especiais do Exército Brasileiro
A possível venda da Avibras Indústria Aeroespacial para a empresa saudita Black Storm Military Industries levanta preocupações estratégicas sobre o futuro da Base Industrial de Defesa (BID) do Brasil. A BID é essencial para a soberania nacional, pois congrega empresas responsáveis pelo desenvolvimento e produção de equipamentos e tecnologias estratégicas para a defesa do país.
Se essa venda se concretizar, o Brasil poderá repetir os erros do passado, como a falência da Engesa, resultando na perda de uma empresa vital para a segurança nacional e para o avanço tecnológico do setor de defesa.
A Importância Estratégica da Indústria de Defesa
A indústria de defesa não é um setor comum da economia; ela representa a capacidade do país de se proteger contra ameaças externas e manter sua autonomia tecnológica. A Avibras é reconhecida mundialmente pelo desenvolvimento de sistemas de mísseis, foguetes de artilharia e veículos militares, desempenhando um papel fundamental na dissuasão estratégica e na independência tecnológica do Brasil.
A BID brasileira possibilita o desenvolvimento de tecnologias de uso dual – aplicações tanto militares quanto civis – que impulsionam a inovação tecnológica e a competitividade industrial em diversos setores, como aeroespacial, energia e comunicações.
O domínio dessas tecnologias reduz a dependência de fornecedores estrangeiros para equipamentos
estratégicos, diminuindo vulnerabilidades críticas em momentos de conflito ou crise geopolítica.
Caso a Avibras seja transferida para o controle saudita, o Brasil perderá domínio sobre tecnologias sensíveis, afetando diretamente programas estratégicos das Forças Armadas, como o desenvolvimento de mísseis de cruzeiro, foguetes guiados e sistemas de artilharia avançados. Isso compromete a capacidade do país de projetar poder e manter sua autonomia em defesa nacional.
O Paradoxo da BID: Geração de Empregos e a Falta de Apoio Governamental
Apesar de sua relevância estratégica, a BID brasileira não recebe o apoio necessário para competir globalmente. O setor emprega milhares de trabalhadores altamente qualificados, com salários acima da média nacional.
Em 2013, a indústria de defesa e segurança no Brasil empregava mais de 35 mil pessoas, com salários médios seis vezes superiores ao salário mínimo.
Atualmente, a BID movimenta cerca de R$ 200 bilhões e exporta mais de US$ 4 bilhões anuais. No entanto, grande parte dessas exportações se concentra em produtos de uso civil, como aeronaves comerciais da Embraer, evidenciando a necessidade de fortalecimento das exportações militares.
Se bem apoiada, a BID pode expandir sua presença no mercado global e aumentar a geração de divisas financeiras para o Brasil. No entanto, a falta de visão estratégica e de incentivos governamentais prejudica o setor, levando empresas como a Avibras a buscarem investidores estrangeiros para sobreviverem.
Engesa: O Precedente da Falta de Visão Estratégica
A história da indústria de defesa brasileira já conta com um exemplo trágico de negligência estratégica: a falência da Engesa. Durante as décadas de 1970 e 1980, a empresa foi uma das principais fabricantes de blindados no mundo, destacando-se na produção do EE-9 Cascavel e do EE-11 Urutu, amplamente utilizados por diversos países.
Entretanto, durante o governo Collor, a Engesa enfrentou dificuldades financeiras que culminaram em sua falência em 1993.
Os principais fatores foram:
– Falta de apoio governamental e redução das compras das Forças Armadas brasileiras.
– Crise no mercado internacional, especialmente após a Guerra do Golfo, que impactou negativamente as exportações de blindados.
– Falta de financiamento e barreiras à inovação, dificultando o desenvolvimento de novos produtos.
– A falência da Engesa deixou um vácuo na BID brasileira, obrigando o país a importar blindados e depender de fornecedores estrangeiros para equipar suas tropas. Esse erro não pode se repetir com a Avibras.
Riscos da Venda da Avibras
A transferência da Avibras para controle estrangeiro representa três riscos estratégicos:
- Perda de Controle Tecnológico
A venda da Avibras pode limitar o acesso do Brasil a tecnologias críticas, como mísseis de cruzeiro e foguetes guiados, impedindo o desenvolvimento de sistemas avançados de defesa. - Desindustrialização do Setor de Defesa
Sem apoio governamental, outras empresas da BID poderão seguir o mesmo caminho, reduzindo a capacidade nacional de produção de armamentos e aumentando a dependência de importações. - Dependência Estratégica
Caso a Avibras seja vendida, o Brasil se tornará mais dependente de fornecedores externos, comprometendo sua capacidade de resposta diante de eventuais crises militares ou geopolíticas.
Considerações Finais: Um Novo Caminho para a BID
A possível venda da Avibras reacende o debate sobre o futuro da indústria de defesa nacional. Para evitar repetir erros do passado, o Brasil precisa adotar políticas estratégicas para fortalecer a BID, garantindo que empresas essenciais para a segurança nacional permaneçam sob controle nacional.
- Medidas Estratégicas para Proteger a BID
Incentivos fiscais e financiamento estatal para garantir a competitividade das empresas de defesa.
Apoio à exportação de produtos militares, ampliando a presença do Brasil no mercado global.
Parcerias tecnológicas com países aliados, assegurando o desenvolvimento contínuo de novos sistemas de armamentos.
Aumento das encomendas das Forças Armadas, garantindo previsibilidade e sustentabilidade da indústria nacional.
A decisão sobre o destino da Avibras não é apenas uma questão comercial, mas um teste sobre a visão estratégica do Brasil. O país deve decidir se quer ser um protagonista global na indústria de defesa ou se continuará a repetir erros do passado, entregando empresas estratégicas ao controle estrangeiro.
-x-
Referências Bibliográficas
BUZAN, Barry; WEAVER, Ole. Regions and Powers: The Structure of International Security. Cambridge University Press, 2003.
MEIRA MATTOS, Carlos. Brasil Geopolítico. Bibliex, 1980.
MARTINS DA MOTA, Rui; ASSAD, Gustavo Rodrigues. Debatendo a BID no Brasil. DefesaNet, 2024.
SANTOS, João. Engesa e a Falência de um Gigante: Uma Análise Estratégica. Editora Bibliex, 2015.
SCHUMPETER, Joseph. Capitalismo, Socialismo e Democracia. Editora Unesp, 1942.
SILVA, Eduardo. A política de incentivo à indústria de defesa no Brasil e seus desafios. Revista Brasileira de Política Internacional, v.63, n.2, 2022.
-x-
Leia também:
O post Déjà Vu da Falta de Visão Estratégica: O Caso da Avibras e o Risco para a Indústria de Defesa Nacional apareceu primeiro em DefesaNet.