Anão Estratégico: O Caso do Tupã da Avibras e os Impactos da Falta de Visão Estratégica

Por Rui Martins da Mota

O colapso da Avibras e o abandono do projeto do obuseiro autopropulsado Tupã não são eventos isolados, mas sim parte de um padrão recorrente que expõe a fragilidade da política industrial e a incapacidade de consolidar a Base Industrial de Defesa (BID) como um vetor estratégico de soberania nacional. A falta de visão de longo prazo, a inconsistência de investimentos e a dependência excessiva de fornecedores estrangeiros perpetuam uma postura subalterna, na qual o Brasil abre mão da autonomia tecnológica em setores vitais.

Mais uma vez, o país age como um anão estratégico, renunciando ao desenvolvimento de soluções próprias e preferindo importar tecnologias, ao invés de fortalecer sua capacidade industrial e projetar poder de forma autônoma. A história do Tupã e da Avibras ilustra esse paradoxo nacional: um projeto promissor e uma empresa com legado e expertise são descartados em favor de soluções estrangeiras, comprometendo a independência tecnológica e colocando em risco a própria segurança do país.

O Tupã: Uma Oportunidade Perdida

O Tupã era muito mais do que um simples sistema de artilharia. Concebido como uma solução nacional de longo alcance, o obuseiro autopropulsado de 155 mm combinava alta mobilidade, precisão e integração tecnológica avançada. Baseado no chassi Tatra T815 e equipado com um canhão de 155 mm, o sistema era capaz de disparar projéteis a mais de 40 km de distância, com cadência de tiro aprimorada por um carregamento automatizado. Além disso, sua integração com sistemas nacionais de comando e controle, como o Astros 2020, permitiria uma sinergia operacional única, essencial para cenários de combate em regiões de difícil acesso, como a Amazônia.

No entanto, apesar de seu potencial, o projeto foi cancelado. As razões para isso incluem dificuldades financeiras da Avibras, a ausência de uma estratégia clara de investimento em defesa e a falta de priorização de soluções nacionais. Em vez de apostar nessa tecnologia nacional, optou-se por importar o sistema ATMOS, da israelense Elbit Systems, sob a justificativa de maior maturidade e prontidão operacional.

Essa escolha pode parecer pragmática no curto prazo, mas tem consequências estratégicas de longo alcance. A decisão inibe a evolução da indústria nacional, perpetua um ciclo de dependência e fragiliza a soberania militar. Além disso, expõe o país à vulnerabilidade de restrições de fornecimento em contextos de crise internacional, algo recorrente no cenário geopolítico global.

Astros 2020 6×6 obuseiro autopropulsado Avibras – 3D Model – sketchfab.com

Impactos Estratégicos da Falência da Avibras

A falência da Avibras, agravada pela falta de encomendas do Tupã, representa um golpe devastador para a indústria de defesa brasileira. A empresa, que já foi um símbolo de inovação e capacidade tecnológica, agora enfrenta a possibilidade de ser vendida para a empresa saudita Black Storm Military Industries. Essa transação, se concretizada, significaria a perda de controle sobre tecnologias sensíveis, como mísseis de cruzeiro e foguetes guiados, essenciais para a dissuasão estratégica e a autonomia tecnológica do país.

A dependência de sistemas estrangeiros não apenas enfraquece a indústria nacional, mas também coloca o Brasil em uma posição vulnerável em cenários de crise geopolítica. A falta de investimento em projetos como o Tupã reflete uma visão míope, que prioriza soluções imediatas em detrimento de um planejamento de longo prazo capaz de fortalecer a soberania nacional.

Efeitos Estratégicos se o Brasil Tivesse Optado pelo Tupã

Caso o país tivesse priorizado o Tupã, os impactos estratégicos seriam profundos:

  1. Fortalecimento da Indústria Nacional – A Avibras teria um fluxo de recursos garantido, permitindo o desenvolvimento de novas tecnologias e consolidando a BID como um pilar da soberania.
  2. Redução da Dependência Externa – A necessidade de importar sistemas de artilharia de longo alcance seria eliminada, garantindo maior autonomia tecnológica e operacional.
  3. Geração de Empregos e Inovação – O projeto Tupã impulsionaria a criação de empregos altamente qualificados, além de estimular a inovação em setores correlatos, como eletrônica, automação e balística avançada.
  4. Maior Poder de Barganha Geopolítica – Com uma indústria de defesa robusta, o Brasil teria mais capacidade de negociar acordos estratégicos, reduzindo sua vulnerabilidade a pressões externas e sanções internacionais.
  5. Capacidade Operacional Aprimorada– O Tupã, sendo um sistema nacional, poderia ser continuamente modernizado, adaptado às necessidades específicas do teatro operacional brasileiro, garantindo autossuficiência militar.

Ao abdicar do Tupã, o país não apenas perdeu uma oportunidade de fortalecer sua BID, mas também comprometeu seu futuro estratégico. A decisão prejudica a soberania tecnológica, inibe a capacidade de projetar poder regionalmente e perpetua uma postura subordinada no sistema internacional.

Lições do Passado e o Futuro da BID Brasileira

O caso do Tupã e da Avibras não são exceções, mas parte de um padrão que já causou danos irreversíveis à indústria de defesa brasileira. O mesmo erro foi cometido quando a Engesa foi abandonada, resultando na perda da capacidade de produção de blindados. Agora, a Avibras enfrenta o mesmo destino, e com ela, desaparece o domínio sobre tecnologias de ponta, que levaram décadas para serem desenvolvidas.

A venda da empresa para o capital saudita pode ser o golpe final para a BID brasileira como protagonista global. O país perderá não apenas uma indústria estratégica, mas também a capacidade de dissuasão autônoma, tornando-se ainda mais dependente de importações e sujeito a interesses estrangeiros.

Se houvesse um compromisso real com a BID, o Brasil adotaria políticas estratégicas de longo prazo, tais como:

  • Incentivos fiscais e financiamento estatal para assegurar a competitividade das empresas nacionais de defesa;
  • Apoio à exportação de produtos militares, ampliando a presença do Brasil no mercado global;
  • Parcerias tecnológicas com nações aliadas, garantindo o desenvolvimento contínuo de sistemas de armamentos;
  • Encomendas planejadas e regulares, garantindo previsibilidade e sustentabilidade da indústria nacional.

Sem essas medidas, o país continuará como mero importador, incapaz de garantir seu próprio destino estratégico.

Conclusão: Até Quando o Brasil Será um Anão Estratégico?

O cancelamento do Tupã e a crise da Avibras são manifestações de um modelo de defesa subalterno, que insiste em priorizar soluções importadas, ao invés de fortalecer a autossuficiência nacional. Essa mentalidade de curto prazo sacrifica o futuro, enfraquece a indústria nacional e torna o país cada vez mais vulnerável.

Caso o Brasil quisesse se consolidar como um ator estratégico global, deveria aprender com os erros do passado e construir uma política consistente para sua Base Industrial de Defesa. Mas, ao que tudo indica, continuará refém da tecnologia estrangeira, incapaz de garantir sua soberania e segurança nacional.

A escolha pelo ATMOS e a iminente falência da Avibras não são apenas decisões administrativas, mas símbolos do fracasso estratégico de uma nação que se recusa a agir como protagonista. Se não houver uma mudança radical de postura, o Brasil permanecerá um anão no tabuleiro geopolítico global – incapaz de se defender sozinho e sempre à mercê dos interesses de potências estrangeiras.

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