Soldado do Exército é preso por gravar adolescente que ateou fogo em morador de rua no Rio

Vítima estava dormindo quando foi atingida por explosivos caseiros e segue internada
Jéssica Marques

Rio – A Polícia Civil prendeu, nesta sexta-feira, Miguel Felipe dos Santos Guimarães da Silva, soldado do Exército, de 20 anos, suspeito de gravar e transmitir ao vivo um adolescente atear fogo em um homem em situação de rua. O crime ocorreu na noite da última quarta-feira, no Pechincha, em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Ludierley Satyro José, de 46 anos, teve queimaduras em 60% do corpo e está internado no Hospital municipal Lourenço Jorge em estado considerado estável pelos médicos.

As investigações mostram que o ataque foi motivado por um desafio lançado numa comunidade no Discord. O menor apreendido e o militar preso receberam cerca de R$ 2 mil para cometer os crimes. Desse valor, R$ 250 já haviam sido repassados. A polícia agora tenta identificar a pessoa que teria feito os pagamentos.

Durante a transmissão, o adolescente ateou fogo na vítima, e a gravação foi compartilhada ao vivo para uma audiência de mais 200 pessoas, segundo a polícia.

A prisão de Miguel, lotado no Primeiro Batalhão de Infantaria Mecanizado, em Deodoro, ocorreu quando o soldado estava retornando da casa dos pais, em Maricá. O militar foi detido por [tentativa] de homicídio triplamente qualificado, apologia ao nazismo, associação criminosa e corrupção de menores. Além disso, ele foi encontrado com conteúdo pornográfico infantil, o que agravou as acusações. A polícia havia emitido um mandado de prisão contra ele, que não sabia da ordem judicial até ser abordado.

Miguel Felipe também é acusado de filmar o ato criminoso do adolescente de 17 anos, que, de acordo com as investigações, procurava promover o crime nas redes sociais para obter aprovação e reconhecimento. Na delegacia, segundo o delegado titular da Decav, Cristiano Maia, o militar afirmou friamente “sentir prazer em ficar na frente do computador consumindo conteúdo de violência e pornografia infantil”.

Já o menor foi apreendido e encaminhado ao Ministério Público e permanecerá detido por tempo indeterminado.

Busca por autoafirmação
O inspetor da Polícia Civil e psicólogo Carlos Olyntho, destaca que esse tipo de comportamento está associado à busca por autoafirmação nas redes sociais, o que, no caso do adolescente, pode ter levado ao envolvimento em um ato tão cruel.

— Esse comportamento pode ser impulsionado pela necessidade de ser admirado e reconhecido, especialmente em um ambiente onde a aprovação dos outros, como número de seguidores e curtidas, se tornou uma forma de validação — afirmou Olyntho.

Já o psiquiatra Ricardo Patitucci, especialista em comportamento infanto-adolescente ressalta a normalização da violência nas redes sociais e os riscos de transtornos de personalidade, como a psicopatia, em indivíduos que cometem esses atos.

— As redes sociais criam um espaço onde a violência é muitas vezes trivializada, e essa exposição contínua pode levar à naturalização de comportamentos perigosos — explicou Patitucci.

Falta de controle das plataformas digitais
Este caso também levanta uma discussão sobre a responsabilidade das plataformas digitais na prevenção de crimes e na proteção dos usuários, especialmente os mais jovens. O Discord, que permite a comunicação por texto, voz e vídeo, não possui mecanismos suficientes para impedir a disseminação de conteúdos prejudiciais, como evidenciado por este caso.

— Embora as plataformas como o Discord ofereçam uma comunicação livre e sem restrições, é essencial que se crie uma rede de apoio e segurança para evitar que conteúdos violentos e ilegais se espalhem, prejudicando principalmente os menores de idade — defende o psiquiatra Patitucci.

Ameaça crescente
Para o presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Sydney Limeira Sanches, essa permeabilidade social, alimentada pelo interesse econômico de grandes conglomerados tecnológicos, é uma ameaça crescente.

— O interesse econômico desses grandes conglomerados da tecnologia faz com que alimentem a monetização dos conteúdos apelativos, que lamentavelmente privilegiam a intolerância, o desvirtuamento social, o discurso de ódio e o desprezo à dignidade da pessoa humana — lamenta Sanches.

O advogado aponta que, ao calibrar algoritmos, essas plataformas constroem “bolhas de intolerância e radicais que se realimentam com a potencialização de mais intolerância, mais monetização e geração de um mundo paralelo”. Esse processo tem efeitos diretos na saúde mental e aumenta a violência digital, impactando negativamente as ações de indivíduos na vida real.

Órfão de mãe
Segundo a polícia, o adolescente morava com a avó, era órfão da mãe e levava uma vida que pode ser classificada como normal.

— Ele não tinha uma instabilidade familiar que justificasse isso. Ele perdeu a mãe com cinco meses de idade. Frequentava a escola, mas não sei se estudava em um colégio público, escola particular. Ele tinha uma vida aparentemente normal — afirmou ao delegado.

Segundo o policial, o jovem chegou à casa da avó, acompanhado do soldado. Ele disse que os dois seriam conhecidos e respeitados nas redes sociais porque haviam feito algo grande na internet.

— Trata-se de um indivíduo bastante frio. Nos diálogos que já conseguimos localizar nos aparelhos aprendidos, ambos se vangloriam do que tinham feito. E testemunhas ligadas ao menor, que cuidam do menor, dizem que eles chegaram à casa dessa responsável dizendo que fizeram algo grande na internet, algo enorme no Discord. Eles disseram: “seremos muito respeitados por isso” — relatou o delegado.

O militar e o adolescente participaram de grupos virtuais com conteúdos de crimes de ódio e neonazistas.

Contra o jovem, foi cumprido um mandado de busca e apreensão por fatos análogos aos crimes de tentativa de homicídio triplamente qualificado e associação criminosa, além da prática de apologia ao nazismo. Com ele, os policiais apreenderam um telefone celular com conteúdo de pornografia infantil e apologia ao nazismo. Por esse fato, ele ainda foi autuado em flagrante por ato infracional análogo ao crime de armazenamento de conteúdo pornográfico infantil.

A avó do adolescente foi quem procurou a 41ª DP (Tanque) e se dispôs a ajudar a localizar o neto. Ele foi apreendido na casa dela, em Jacarepaguá.
O GLOBO – Edição: Montedo.com

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