Por Rui Martins da Mota
- Introdução
O recente ultimato do presidente Donald Trump à Europa, concedendo um prazo de três semanas para que os líderes europeus aceitem os termos propostos pelos EUA para encerrar a guerra na Ucrânia, sob a ameaça de retirada das forças americanas do continente, representa uma mudança significativa na geopolítica global.
Esse movimento impõe forte pressão sobre a Europa e a OTAN, gerando um cenário de incerteza estratégica e aumentando o risco de divisões dentro da aliança atlântica.
No entanto, essa abordagem também pode ser interpretada como uma tentativa de forçar os aliados europeus a aumentarem seus gastos com defesa, um ponto que Trump já havia enfatizado em discursos anteriores.
A decisão levanta questões fundamentais sobre o futuro das relações transatlânticas e a estrutura de segurança global. Além disso, a movimentação dos EUA pode ser parte de uma estratégia maior para enfraquecer a crescente aliança entre Rússia e China, buscando reaproximar Moscou de Washington e afastá-la da influência chinesa.
- Contextualização Histórica
A Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) foi criada em 1949, no contexto da Guerra Fria, como uma aliança defensiva para conter a expansão soviética. Após o colapso da União Soviética, a OTAN expandiu-se para o Leste Europeu, um movimento que a Rússia moderna vê como uma ameaça direta à sua esfera de influência.
A política externa dos EUA em relação à Europa e à Rússia tem oscilado entre cooperação e confrontação ao longo das décadas. A administração Trump adota uma postura mais unilateral, baseada na lógica do “America First”, priorizando interesses domésticos e buscando redistribuir o ônus da segurança global.
- Estados Unidos
Redefinição de Prioridades
A administração Trump tem como prioridade reduzir o envolvimento militar e financeiro dos EUA em conflitos europeus. Essa postura busca concentrar recursos em desafios considerados mais críticos, como a competição estratégica com a China.
Em 2024, os EUA gastaram US$ 886 bilhões em defesa, representando cerca de 3,5% do PIB, enquanto a maioria dos países da OTAN não atingiu a meta de 2% do PIB em gastos militares. De acordo com o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), apenas 11 dos 32 membros da OTAN cumprem essa meta.
No entanto, essa política pode ser interpretada de duas formas: como um movimento isolacionista, que enfraquece o poder americano, ou como uma estratégia de negociação para forçar os aliados europeus a aumentarem seus investimentos na defesa coletiva.
Reaproximação com a Rússia: Uma Estratégia para Afastar Moscou da China?
Trump demonstrou interesse em negociar diretamente com Vladimir Putin, evitando a mediação da Europa e até mesmo excluindo a Ucrânia das negociações.
Essa reaproximação pode ser vista como uma tentativa de afastar a Rússia da influência chinesa. Atualmente, a Rússia depende fortemente da China para comércio e investimentos, com o volume comercial bilateral atingindo US$ 240 bilhões em 2024.
Além disso, Pequim tem sido um dos principais compradores do petróleo e gás russo, ajudando Moscou a mitigar o impacto das sanções ocidentais.
Ao tentar reaproximar-se da Rússia, os EUA podem oferecer incentivos econômicos e diplomáticos para reduzir a necessidade de Moscou recorrer a Pequim, limitando o fortalecimento da parceria sino-russa que ameaça a hegemonia americana.
No entanto, essa abordagem pode enfraquecer a credibilidade dos EUA como líder global e aliado confiável, além de gerar desconfiança entre os países europeus.
- Europa e OTAN
Autonomia Estratégica
A possível retirada dos EUA da OTAN obriga a Europa a reconsiderar sua dependência da proteção americana. Nos últimos anos, França e Alemanha têm promovido iniciativas como o PESCO (Cooperação Estruturada Permanente) e o Fundo Europeu de Defesa, que destinou US$ 8 bilhões em investimentos até 2027 para fortalecer a indústria militar europeia.
Em 2024, os gastos militares combinados da União Europeia atingiram €270 bilhões, mas ainda estão longe de cobrir as lacunas deixadas por uma eventual saída dos EUA.
No entanto, a falta de unidade entre os membros da OTAN dificulta essa transição. Enquanto França e Alemanha defendem uma Europa mais independente, países do Leste Europeu, como Polônia e Estônia, insistem na necessidade de manter os laços com Washington.
Impacto Econômico e de Defesa
Atualmente, a OTAN gasta anualmente cerca de US$ 1,2 trilhão em defesa. No entanto, apenas sete países europeus cumprem a meta mínima de 2% do PIB.
A pressão dos EUA para que os aliados aumentem seus investimentos militares pode gerar impactos fiscais significativos, forçando cortes em outras áreas de seus orçamentos nacionais.
- Ucrânia
Isolamento Diplomático
A exclusão da Ucrânia das negociações diretas entre EUA e Rússia e a possibilidade de concessões territoriais sem seu consentimento colocam Kiev em uma posição extremamente vulnerável. O governo ucraniano tem insistido que qualquer acordo de paz deve incluir garantias de segurança concretas e a participação ativa da Ucrânia nas negociações.
Além disso, a sociedade ucraniana pode reagir negativamente a um acordo imposto por Washington e Moscou.
Dependência de Recursos
Sem o apoio militar e financeiro dos EUA, a Ucrânia enfrentaria dificuldades para manter sua resistência contra a Rússia. Em 2023, os EUA forneceram mais de US$ 75 bilhões em assistência militar e econômica, o que representa uma fatia significativa da capacidade de sustentação militar de Kiev.
A retirada americana poderia enfraquecer a confiança de outros aliados ocidentais, como Reino Unido e União Europeia, reduzindo ainda mais sua capacidade de defesa.
- Rússia
Fortalecimento Geopolítico
A disposição dos EUA em negociar diretamente com Moscou e considerar concessões pode ser interpretada como uma vitória diplomática para o Kremlin, potencialmente legitimando suas ações na Ucrânia.
No entanto, um acordo imposto pelos EUA pode gerar instabilidade dentro da Rússia, uma vez que a sociedade russa também tem suas divisões internas em relação à guerra.
Redução do Isolamento
Se as sanções forem reduzidas, a economia russa pode se fortalecer. Em 2024, o PIB russo foi estimado em US$ 1,8 trilhão, com um crescimento modesto de 1,5%, apesar das sanções ocidentais.
A reaproximação com os EUA poderia afastar a Rússia da dependência da China, reconfigurando alianças internacionais. No entanto, a Rússia enfrenta desafios econômicos e demográficos severos, como o acesso restrito a tecnologia avançada e financiamento externo.
- China
Reconfiguração de Alianças
Os EUA buscam enfraquecer a parceria estratégica entre Rússia e China, mas Pequim pode agir rapidamente para consolidar suas relações com Moscou, garantindo que a Rússia continue como um aliado contra a influência ocidental.
Impactos Estratégicos
A retirada dos EUA da Europa criaria uma oportunidade para Pequim expandir sua influência econômica e militar tanto na União Europeia quanto na Ásia Central, consolidando sua posição como potência global.
No entanto, se a Rússia se aproximar dos EUA, a China pode perder um aliado estratégico crucial na contenção da influência americana na Eurásia.
- Implicações para a Geopolítica Mundial
Reconfiguração das Alianças Ocidentais
A ameaça de retirada dos EUA da OTAN pode levar a uma redefinição das alianças globais. A Europa precisaria assumir maior autonomia estratégica, enquanto os EUA poderiam redirecionar seu foco para o Indo-Pacífico.
Ascensão de Potências Regionais
A saída dos EUA da segurança europeia criaria um vácuo de poder que Rússia e China estariam prontas para preencher, acelerando a transição para um mundo multipolar.
Instabilidade Global
Mudanças abruptas nas políticas de segurança e defesa podem gerar incertezas e instabilidades, afetando mercados globais e a segurança internacional.
A economia mundial poderia sofrer com flutuações nos preços do petróleo, desvalorização de moedas e redução de investimentos.
- Conclusão
A política externa de Trump reflete uma visão de mundo que prioriza os interesses domésticos dos EUA, mas tem impactos profundos para a Europa, a OTAN, a Ucrânia, a Rússia e a geopolítica global.
Se por um lado a retirada dos EUA da OTAN pode ser vista como um fator de desestabilização, por outro, pode acelerar a busca por autonomia europeia e reconfigurar alianças globais.
A grande questão permanece: essa mudança estratégica representará o fim da OTAN ou será o início de uma nova geopolítica global? A resposta dependerá da capacidade dos atores envolvidos de se adaptarem a um cenário internacional em transformação.
O post O Ultimato de Trump: Fim da OTAN ou Início de uma Nova Era Geopolítica? apareceu primeiro em DefesaNet.