Déficit per capita da previdência dos militares é mais de 18 vezes o custo de aposentados e pensionistas do INSS

Gasto do Tesouro para cobrir rombo nas Forças Armadas chega a R$ 162 mil por beneficiário
Geralda Doca
Brasília – Os sistemas previdenciários no Brasil, dos setores público e privado, padecem de um crônico rombo nas contas, que a União tem de cobrir. As contribuições não são suficientes para pagar as aposentadorias e pensões. Assim, para que todos recebam seus benefícios, o Tesouro completa o que falta.

No entanto, o que sai do Orçamento para cada beneficiário do regime previdenciário das Forças Armadas é 18,6 vezes o custo individual de cada aposentado ou pensionista do INSS, que reúne os benefícios dos trabalhadores do setor privado. Em relação aos servidores civis federais, o valor dos militares é o dobro.

No ano passado, o déficit do regime de previdência das Forças Armadas por beneficiário chegou a R$ 162.481, conforme dados compilados a partir de informações do Tesouro Nacional e da Lei Orçamentária Anual (LOA). No regime geral, do INSS, o governo gastou bem menos com cada aposentado e pensionista: R$ 8.702.

Já no regime de aposentadoria dos servidores civis da União, o Tesouro teve de completar R$ 75.497 para cada beneficiário em 2024.

O chamado sistema de proteção das Forças Armadas registrou déficit de R$ 50,88 bilhões (diferença entre receitas e despesas) em 2024 para custear os proventos de 313 mil militares inativos e pensionistas. Com resultado negativo de R$ 55,68 bilhões, o regime próprio dos servidores da União atende mais beneficiários: 737 mil.

No caso do INSS, que apresentou déficit de R$ 297,39 bilhões , são 34,1 milhões de aposentados e pensionistas.

Despesas — Foto: Criação O Globo

Essa discrepância levou o Tribunal de Contas da União (TCU) a alertar o Executivo sobre a necessidade de fazer ajustes para reduzir a distância entre contribuições e despesas no regime previdenciário dos militares. É o que o governo tenta fazer com uma proposta enviada no fim do ano passado ao Congresso pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que prevê mudanças no regime dos militares para economizar R$ 2 bilhões por ano.

Dados do Tesouro mostram que, entre 2008 e 2024, a despesa com o regime de proteção dos militares quase triplicou, saindo de R$ 20,8 bilhões para R$ 63 bilhões, em valores correntes. É o cálculo do gasto em si, sem contar a receita. Mesmo descontada a inflação no período, essa despesa pública subiu 27,3% em termos reais, segundo cálculo do especialista Rogério Nagamine.

A Reforma da Previdência aprovada pelo Congresso em 2019, no governo de Jair Bolsonaro, afetou todos os trabalhadores da iniciativa privada e do serviço público federal com o estabelecimento de uma idade mínima para aposentadoria (65 anos para homens e 62 para mulheres). Na costura política da ocasião, porém, os integrantes das Forças Armadas tiveram outro.

Ainda que os pensionistas passassem a pagar uma contribuição previdenciária, a mudança foi acompanhada de uma reestruturação de carreira que resultou em aumentos salariais na ativa.

Para o TCU, as mudanças não foram suficientes para trazer sustentabilidade para as contas do regime de previdência das Forças, que os técnicos do órgão caracterizam como de baixa geração de receitas. Procurado, o Ministério da Defesa não quis se manifestar.

Impacto limitado
Na visão de especialistas, o projeto de lei encaminhado ao Congresso com mudanças na previdência dos militares, entre os pontos de um programa de corte de gastos públicos, prevê apenas ajustes no regime, sem enfrentar o problema de forma mais estrutural.

Uma das principais propostas é a fixação de idade mínima de 55 anos para a transferência à reserva. Em países da União Europeia, por exemplo, a idade mínima varia entre 57 e 60 anos. Além disso, haverá uma regra de transição até que o limite valha plenamente em 2032, se o texto passar sem alterações.

Atualmente, não há restrição de idade para o militar brasileiro deixar a ativa, somente a exigência de tempo mínimo de serviço, que passou de 30 anos para 35 anos em 2019. A idade média de reforma hoje está em torno de 52 anos.

O projeto também acaba com a transferência da cota de pensão. Atualmente, em caso de morte de um pensionista, a parte dele é dividida entre os outros. Isso já foi extinto para trabalhadores do INSS e servidores civis. O projeto ainda padroniza em 3,5% a contribuição para assistência médica de inativos e pensionistas para integrantes de Exército, Marinha e Aeronáutica.

Não mexe na pensão vitalícia de filhas de militares. O benefício acabou em 2001, mas quem já estava na carreira pôde optar por pagar um adicional para assegurar a pensão das filhas no futuro.

A tramitação do projeto no Congresso ainda não avançou, e o texto já é alvo de mobilização da chamada bancada da bala, de parlamentares ligados a pautas corporativistas das forças de segurança. Um dos argumentos é que as mudanças propostas por Haddad para as Forças Armadas serão replicadas nos estados para policiais militares e bombeiros, que também foram enquadrados nas regras dos militares na reforma de 2019.

O Ministério da Fazenda nega. O projeto não mexe na legislação que trata das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares nos estados e não há essa vinculação obrigatória na reforma, diz um técnico.

Outra proposta acaba com a chamada morte ficta, que assegura pensão integral às famílias de militares presos. Pelo projeto, parentes de militares, com mais de dez anos de serviço, que forem expulsos por mau comportamento e perderem posto ou graduação terão direito à metade da remuneração no período em que o servidor estiver cumprindo pena de reclusão. Ao sair da prisão, o benefício será extinto.

Para Nagamine, as medidas propostas pelo governo são tímidas diante do problema:

— O fim da morte ficta só deve ser aplicado às novas concessões e tem impacto pequeno, mais moral que financeiro. A única medida que teria mais impacto é a não reversão de cotas, mas que tende a um impacto pequeno no curto prazo.

‘Há muito o que mudar’
Em 2024, o déficit do sistema dos militares foi formado por uma despesa total de R$ 60,1 bilhões e receitas que somaram R$ 9,2 bilhões. Entretanto, o ex-secretário de Previdência Leonardo Rolim pondera que esse regime não conta com contribuição patronal, como no caso dos dos empregadores do setor privado e da União para o funcionalismo.

— O déficit do sistema de militares é alto? É. Mas seria preciso simular o valor da contribuição patronal, que não existe para eles — diz Rolim, que atuou em favor da aprovação da reforma em 2019.

O pesquisador da Fipe/USP Paulo Tafner concorda com Rolim, mas destaca que militares das Forças Armadas sempre tiveram o que considera “privilégios” no país. Isso começou a mudar em 2001, diz o economista, quando foi feita uma primeira reforma no regime dos militares, no governo de Fernando Henrique Cardoso, e em 2019.

Contudo, ele avalia que ainda há muito a fazer para deter o crescimento dos gastos previdenciários militares. Ele cita o valor da pensão, que é equivalente à remuneração integral da ativa, e a possibilidade de acumular pensões herdadas de militares como vantagens que deveriam ser revistas.

— Não é possível fazer uma conta direta sem considerar a contribuição patronal. Mas há muito o que mudar em relação aos militares — diz.
O GLOBO – Edição: Montedo.com

O post Déficit per capita da previdência dos militares é mais de 18 vezes o custo de aposentados e pensionistas do INSS apareceu primeiro em Montedo.com.br.