O Dilema de Sísifo na Modernização da FAB: O Fardo Infinito da Aquisição de um Caça

Os Brigadeiros da Força Aérea Brasileira e Sísifo da mitologia grega. O que há de comum entre eles?

Nelson Düring
Editor-chefe DefesaNet

Na mitologia grega, Sísifo foi condenado a uma eternidade de esforço inútil: empurrar uma pedra colossal montanha acima, apenas para vê-la rolar de volta ao sopé, reiniciando o ciclo sem fim.

Esse castigo ressoa como uma metáfora cruelmente precisa para o drama que a Força Aérea Brasileira (FAB) enfrenta em sua longa jornada de modernização da aviação de caça. A substituição dos veteranos Dassault Mirage III/ Mirage 2000 e os Northrop F-5, adquiridos na década de 1970 e modernizados na versão F-5EM/FM, tornou-se um esforço hercúleo que, apesar de avanços notáveis como a escolha do Saab JAS 39 Gripen (F-39 na FAB), parece nunca alcançar o cume da estabilidade operacional.

O atraso nas entregas, os desafios do projeto Gripen E/F e a quantidade insuficiente de aeronaves adquiridas criaram um perigoso gap na defesa aérea brasileira, deixando a FAB em um estado de vulnerabilidade que remete ao eterno retorno de Sísifo.

A Promessa do Gripen e o Peso da Realidade

Em 2014, após uma década de debates no âmbito do Programa F-X2, o Brasil anunciou a escolha do Gripen NG (Next Generation), uma decisão que prometia não apenas modernizar a frota de caças, mas também impulsionar a indústria nacional por meio de transferência de tecnologia e parcerias com a Embraer. O contrato, assinado em 2015 com a Saab por 39,3 bilhões de coroas suecas (cerca de R$ 21 bilhões hoje), previa a entrega de 36 aeronaves – 28 monopostos (Gripen E) e 8 bipostos (Gripen F) – até 2027.

A primeira unidade operacional chegou em 2022, e até outubro de 2024, apenas 8 caças haviam sido entregues. Contudo, a falta de recursos orçamentários e indefinições logísticas já apontam para um atraso significativo, com estimativas indicando que a frota completa só estará disponível no início da década de 2030.

Enquanto isso, os F-5, com mais de 50 anos de serviço, aproximam-se do limite de sua vida útil. Apesar da modernização conduzida na década de 2000, que dotou os F-5EM/FM de radares Grifo, aviônica digital e capacidade de reabastecimento em voo, essas aeronaves não conseguem mais atender às demandas de um cenário geopolítico crescentemente complexo.

As Amazônias Verde e a Azul e as fronteiras extensas do Brasil exigem uma aviação de caça robusta, mas o ritmo lento do programa Gripen deixa Brasília e outras regiões críticas sem cobertura aérea adequada. Como Sísifo, a FAB empurra sua pedra – o sonho de uma força moderna – apenas para vê-la deslizar de volta, com os F-5 ainda carregando o peso de uma missão que já não podem cumprir plenamente.

O Gap na Defesa Aérea: Um Risco Estratégico

A quantidade limitada de 36 Gripen, mesmo quando totalmente entregue, já era vista por analistas como insuficiente para substituir os cerca de 47 F-5 modernizados e os AMX A-1, que também estão sendo gradualmente aposentados (com previsão de baixa entre 2025 e 2028). Esse número contrasta com as ambições iniciais do Programa F-X2, que previa até 108 aeronaves em cenários mais otimistas.

Os problemas no desenvolvimento do Gripen F (biposto), essencial para treinamento e operações especializadas, e os atrasos na produção do Gripen E agravam o quadro. A Saab, por sua vez, enfrenta pressões internas na Suécia, onde a integração à OTAN e a demanda por caças para sua própria defesa relegaram o Brasil a uma prioridade secundária.

O resultado é um gap crítico na capacidade de defesa aérea. Esquadrões como o 1º Grupo de Defesa Aérea (GDA), em Anápolis, operam com um punhado de F-39, enquanto unidades no Rio Grande do Sul, Amazonas e Rio de Janeiro ainda dependem dos F-5, cujos riscos operacionais crescem a cada missão.

A situação é tão dramática que fontes da FAB admitem: pilotos e populações civis estão expostos a um nível de vulnerabilidade inaceitável. A pedra de Sísifo, aqui, não é apenas o atraso do Gripen, mas a incapacidade de romper o ciclo de obsolescência que os F-5 representam.

A Busca por Alternativas: Um Mercado de Oportunidades e Desafios

Diante desse cenário, a FAB intensifica a busca por soluções no mercado internacional para preencher o vazio deixado pelo ritmo lento do Gripen. Assim como Sísifo poderia sonhar com um alívio temporário de seu fardo, a FAB explora opções que vão de caças usados a novos modelos leves, cada um com suas promessas e limitações.

  1. F-16 Usados (USAF, Egito, Dinamarca, Holanda, Finlândia, Emirados Árabes)
    O Lockheed Martin F-16 Fighting Falcon surge como uma possibilidade atraente. Países como Dinamarca, Holanda e Finlândia, que estão substituindo seus F-16 por F-35, oferecem unidades modernizadas a custos acessíveis. A USAF também possui excedentes, enquanto Egito e Emirados Árabes poderiam negociar vendas. Com mais de 4.500 unidades produzidas, o F-16 é interoperável com sistemas da OTAN e tem suporte logístico global. Contudo, o veto dos EUA à transferência de tecnologia e os custos de manutenção de uma frota usada limitam seu apelo estratégico de longo prazo.
  2. Eurofighter Typhoon (Itália)
    O consórcio Eurofighter, liderado por Itália, Alemanha, Reino Unido e Espanha, oferece o Typhoon, um caça de 4,5ª geração com capacidades avançadas de guerra eletrônica e supercruise. A Itália, em particular, poderia fornecer unidades novas ou seminovas. Apesar de sua potência, o alto custo operacional e a complexidade de integração com os sistemas da FAB tornam essa opção um investimento elevado para um alívio temporário.
  3. F/A-18 Hornet (Espanha, Canadá, Austrália, Emirados Árabes)
    O Boeing F/A-18 Hornet, usado por nações como Canadá e Austrália (que os substituem por F-35), é outra alternativa viável. Espanha e Emirados Árabes também possuem unidades disponíveis. Embora robusto e versátil, o Hornet já mostra sinais de fadiga estrutural em muitas frotas, o que poderia replicar os problemas dos F-5 em poucos anos.
  4. Aermacchi M-346 (Itália)
    O treinador avançado Leonardo M-346, defendido pelo Ministro da Defesa José Múcio Monteiro, é uma opção leve e de baixo custo. Usado por Itália, Polônia e Israel, ele pode atuar como caça leve em missões secundárias. Porém, sua capacidade limitada contra ameaças modernas o torna uma solução paliativa, incapaz de substituir plenamente os F-5 em cenários de alta intensidade.
  5. KAI FA-50 (Coreia do Sul)
    O FA-50 Golden Eagle sul-coreano, adotado por Filipinas e Indonésia, é outro caça leve com apelo crescente. Barato e equipado com radar AESA, ele oferece flexibilidade, mas sua potência e alcance são inferiores aos do Gripen, limitando seu papel em operações estratégicas.

O Ciclo de Sísifo e o Futuro da FAB

Cada uma dessas opções reflete o dilema da FAB: buscar alívio imediato ou investir em uma solução definitiva. Comprar F-16 usados ou F/A-18 pode tapar o buraco temporariamente, mas perpetua a dependência de tecnologias obsoletas.

Apostar em caças novos como o Eurofighter ou mesmo mais Gripen C/D (versões mais antigas disponíveis na Suécia) exige recursos que o orçamento atual não comporta. Modelos leves como o M-346 e o FA-50, por outro lado, são economicamente viáveis, mas insuficientes para o papel de superioridade aérea.

A FAB, assim como Sísifo, parece condenada a um esforço contínuo sem resolução clara. A escolha do Gripen foi um marco, mas sua implementação lenta e limitada expôs as fragilidades de planejamento e financiamento. Enquanto a pedra rola montanha abaixo mais uma vez, o Brasil enfrenta o risco de ver sua soberania aérea comprometida.

A saída desse ciclo mitológico exige não apenas decisões técnicas, mas uma vontade política que alinhe recursos, estratégia e visão de longo prazo – algo que, até agora, permanece tão distante quanto o topo da montanha de Sísifo.

Os Brigadeiros da Força Aérea Brasileira adotam mesmo comportamento do grego Sísifo, que achava ser o mais esperto e adotava um comportamento arrogante e desafiador aos Deuses. Enquanto os estrelados adotarem este modo de pensar e agir o trabalho diário de morro acima e pedra abaixo continuará.

Um Sísifo moderno. Enquanto o grego estava condenado à eternidade no seu castigo dos Deuses a Força Aérea Brasileira vê os grãos de areia da ampulheta correrem, o tempo ser implacável.


Nota DefesaNet: Este artigo reflete uma análise crítica baseada em informações públicas e tendências observadas até março de 2025. A situação do Programa Gripen e as negociações por outras aeronaves podem evoluir, mas o paralelismo com o mito de Sísifo permanece uma lente válida para compreender os desafios da FAB.

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