Mulheres no Exército se destacam em missões de paz da ONU

Neste ano, 10 brasileiras estão em regiões vulneráveis da África e do Oriente Médio, comprovando a importância da presença feminina na carreira militar
Marina Rodrigues
A participação feminina nas operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) tem aumentado ao longo dos anos, especialmente após a implementação da Resolução 1325, em 2000, que reconheceu a importância das mulheres na prevenção e na resolução de conflitos. Desde 2003, quando a primeira brasileira integrou uma missão de paz pelo Exército, 441 outras militares já representaram o país em diversas missões internacionais.

Atualmente, 10 delas estão em regiões vulneráveis da África e do Oriente Médio. Identificadas pelos capacetes azuis, elas desempenham papéis essenciais, como observadoras de campo, conselheiras de gênero, comissárias de polícia e instrutoras, contribuindo não apenas para a segurança, mas para a aproximação com as comunidades locais. O trabalho desempenhado por elas também inspira mulheres e meninas de diferentes culturas, muitas vezes, sem poder de fala ou autonomia para se expressar, estudar ou se desenvolver profissionalmente.

Militares brasileiras em  missões de paz no exterior

  • Tenente-coronel Márcia Hollanda, major Natália Meziat e capitão
    Jacqueline Ribeiro, engajadas na Missão das Nações Unidas para o Referendo no Saara Ocidental (Minurso);
  • Capitães Leciane Dias, Santos de Lima e Leticia Maciel, no Sudão do Sul (Unmiss);
  • Major Ana Martins e capitão Renata Simões, na Missão Multidimensional Integrada da ONU para a Estabilização da República Centro-Africana (Minusca);
  • Capitão Priscilla Farias, na Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (Monusco); e
  • Major Ludmila Santos, dedicada à missão da ONU para apoiar o Acordo de Hudaydah (Unmha), no Iêmen.

Nesta edição, conheça a trajetória de algumas delas.

Propósito unificado

Capitão Jacqueline Ribeiro, 48 anos, está trabalhando como observadora militar no Saara Ocidental (foto: Fotos: Arquivo pessoal)

Criada em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, a capitão Jacqueline Ribeiro Santos, 48 anos, sempre admirou a carreira militar, tendo fortalecido seu interesse pelas Forças Armadas ao assistir aos desfiles de 7 de Setembro. “Ver toda aquela disciplina, ordem, os uniformes impecáveis, era lindo, mas as oportunidades para o sexo feminino praticamente não existiam.”

Formada em letras pela Universidade Unigranrio Afya, encontrou no quadro complementar de oficiais do Exército a chance de unir sua paixão pelo ensino com o desejo de servir o país. Após 5 anos de preparação, em 2010, foi aprovada na seleção e, no ano seguinte, ingressou no Curso de Formação de Oficiais (CFO), iniciando sua jornada na área do magistério militar.

No Centro de Idiomas do Exército (CIDEx), treinava militares para missões no exterior, o que despertou seu interesse por operações de paz. Para se qualificar, fez cursos do Instituto para Treinamento em Operações de Paz (Poti) até ser selecionada, em 2023, para integrar a missão da ONU no Saara Ocidental.

Desde setembro de 2024, está trabalhando como observadora militar na Minurso, no Saara Ocidental, enfrentando uma rotina com diversos desafios, como patrulhas extensas em ambientes hostis. “É uma experiência totalmente diferente de tudo o que já vivi. Pessoas de todo o mundo engajadas num único propósito. Todos nós deixamos algo para trás em prol de algo maior, do coletivo”, afirma Jacqueline.

Para ela, o maior obstáculo é a distância da família, mas a sensação de contribuir para a paz compensa qualquer dificuldade. “Sempre lembro de onde vim e de onde estou. Através do meu trabalho, quero honrar o meu nome, o da minha família e a confiança do meu país que me enviou”, declara a militar.

Aprendizado constante

Major farmacêutica Ludmila Santos, 47, integra a operação da ONU no Iêmen (foto: Arquivo pessoal)

Natural do Rio de Janeiro e atualmente servindo em Santa Maria (RS), a major farmacêutica Ludmila Santos Manhães, 47, sempre sonhou com as Forças Armadas, mesmo sem ter militares na família. Antes de ingressar na faculdade, almejava uma carreira no Exército, desejo que se concretizou em 8 de março de 2004, quando iniciou sua trajetória na corporação. Hoje, com 21 anos de serviço, ela atua como observadora militar na Missão das Nações Unidas para Apoiar o Acordo de Hudaydah (Unmha), no Iêmen.

Ser voluntária para uma missão de paz sempre esteve em seus planos, impulsionada pelo desejo de contribuir para a estabilidade global e aprender em um ambiente de grande diversidade cultural. Desde o início da missão, em 2024, ela tem enfrentado desafios significativos, como a barreira do idioma — a população local fala predominantemente árabe — e a adaptação alimentar. “A comida é muito diferente do meu feijão com arroz, bife, salada e batata frita”, brinca.

Ainda assim, a experiência tem sido enriquecedora. “O aprendizado é constante, e as amizades feitas aqui serão para toda a vida”, conta. Para Ludmila, a missão se resume a uma palavra: “resiliência”. A militar compartilha que o que mais a marcou até agora foi observar como ambientes restritivos e desafiadores fortalecem os laços entre as pessoas. Seu compromisso com a Unmha segue até 5 de julho e, até lá, ela pretende continuar representando com excelência o Exército brasileiro e contribuindo para a estabilidade da região.

Ensinamentos

Renata Simões (foto: Arquivo pessoal)

A capitão Renata Simões, 38, tem 15 anos de experiência na corporação e sempre soube que esse era o seu caminho. Filha de militar e ex-aluna de Colégio Militar, cresceu encantada com a disciplina e os valores das Forças Armadas, decidindo seguir a mesma trajetória.

Formada em medicina veterinária e doutoranda em biodefesa, especializou-se em defesa química, biológica, radiológica e nuclear (DQBRN), o que a levou a realizar treinamentos em diversos países, como Sérvia, Paquistão e República Tcheca. O compromisso com o serviço ao próximo também se refletiu em seu envolvimento em trabalhos voluntários, tendo contribuído, em 2019, como veterinária na Operação Acolhida — que auxilia imigrantes venezuelanos em situação de vulnerabilidade.

Hoje, a capitão Renata está como observadora militar na Minusca, focada na República Centro-Africana. “Aqui, o meu trabalho nas patrulhas objetiva garantir a escuta de outras mulheres, fortalecendo a participação feminina em espaços onde, muitas vezes, elas são invisibilizadas.”

Segundo a militar, o maior desafio tem sido conciliar a saudade do esposo e dos filhos, mas a experiência é de transformação. “Eu me sinto profundamente realizada em contribuir com essa missão. E eu sei que saio daqui diferente, com ensinamentos profundos de empatia, doação e resiliência”, afirma.

Pioneirismo

Ângela Bezerra foi a primeira mulher do Exército a ir numa missão de paz (foto: Arquivo pessoal)

A presença feminina nas missões de paz do Exército começou em 2003, quando a capitão médica Ângela Tavares Bezerra, hoje com 61 anos e 23 de carreira militar, foi a primeira mulher a integrar um contingente brasileiro em uma operação da ONU.

Ao se candidatar para a missão no Timor-Leste, Ângela passou por um rigoroso processo seletivo, que incluiu testes físicos e treinamentos intensivos em condições iguais às dos homens. “No início, foi um pouco difícil, pois eu precisava acompanhar os rapazes em atividades físicas de alta performance, além dos treinamentos diurnos e noturnos com instruções de tiro, orientação e aulas de idiomas”, lembra.

Sua perseverança e dedicação foram reconhecidas rapidamente. “Ao demonstrar esforço e capacidade, meus companheiros perceberam a força e a coragem que temos como mulheres e passaram a confiar em mim, incluindo-me em tudo. Não senti preconceito, apenas o desafio de provar que eu era capaz”, relata.

No Timor-Leste, Ângela encontrou uma realidade de extrema pobreza e instabilidade política, mas também uma população carente de ajuda humanitária. Seu trabalho como médica militar ia além dos atendimentos médicos, uma vez que era parte do esforço de reconstrução de um país devastado por conflitos.

“Lembro como se fosse hoje. No meu primeiro dia no Timor, fui chamada pelo general Beraldo, que me disse: ‘Aqui, você não é apenas a capitão médica Ângela, mas, sim, a representante feminina do nosso país. A partir de então, você abre ou fecha as portas para o corpo feminino do Exército’. Isso me incentivou a dar o melhor de mim”, compartilha, emocionada.

Seu compromisso abriu caminho para muitas outras mulheres. “O maior desafio era interno, pois eu sabia que não poderia decepcionar as futuras companheiras que viriam depois de mim”, destaca.

Hoje, com orgulho, ela vê a crescente participação feminina nas missões de paz e deixa uma mensagem para as próximas gerações: “Gostaria de transmitir para todas as mulheres que acreditem em si mesmas. Somos capazes, somos fortes, e, mostrando nosso potencial, podemos ser respeitadas. Não há limites para alcançarmos nossos objetivos!”
EUESTUDANTE – Edição: Montedo.com

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