União contesta benefício concedido a militar temporário reformado por incapacidade
Mesmo após o Plenário do Supremo Tribunal Federal formar maioria para limitar o direto de militares diagnosticados com HIV à reforma por invalidez aos casos de incapacidade confirmados por junta superior de saúde, um pedido de destaque do relator, ministro Alexandre de Moraes, interrompeu o julgamento virtual nesta sexta-feira (28/3). Com isso, a análise do caso será reiniciada em sessão presencial sem data definida.
O julgamento discute o Tema de repercussão geral 1.310, que busca definir se militares com HIV têm direito à reforma por incapacidade definitiva em razão do diagnóstico ou se é necessária a comprovação de incapacidade real por meio de análise individual de cada quadro.
Antes do pedido de destaque, nove ministros haviam votado. A tese divergente, do ministro Flávio Dino, havia alcançado o sexto voto. Ia superando a tese do relator, com dois votos. E o meio termo proposto pelo presidente do Supremo, Luís Roberto Barroso.
O tema foi criado a partir do Recurso Extraordinário (RE) 1.447.945, movido pela União contra acórdão da 1ª Sessão do Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial (REsp) 1.901.989.
Caso concreto
Um militar temporário com HIV ajuizou ação contra a União para anular o seu afastamento sem direito a benefícios do Exército, motivado pelo diagnóstico. O autor da ação pediu fosse pago auxílio-invalidez e que a base para o cálculo do benefício fosse o salário do cargo imediatamente superior ao que ocupava — geralmente o militar é promovido ao ser reformado.
Em primeira instância, teve o pedido negado. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, então, reformou a sentença para garantir o direito ao benefício. Definiu, porém, que os valores seriam baseados no salário do último cargo que o demandante ocupou na ativa.
O autor da ação, então, apresentou o REsp 1.901.989, no qual voltou a pedir pelo uso do salário do cargo superior para o cálculo dos valores.
Contexto
Analisando o caso sob o Tema Repetitivo 1.088 com outros dois recursos (REsp 1.872.008 e REsp 1.878.406), o colegiado do STJ fixou tese reafirmando a jurisprudência da Corte que reconhecia o direito à reforma por incapacidade com base no simples diagnóstico. Porém, limitou a base de cálculo para os soldos ao salário ao último cargo ocupado pelo militar enquanto estava na ativa. Só aqueles com real invalidez receberão o aumento.
Eis a tese firmada: “O militar de carreira ou temporário – este último antes da alteração promovida pela Lei 13.954/2019 -, diagnosticado como portador do vírus HIV, tem direito à reforma ex officio por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, independentemente do grau de desenvolvimento da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – SIDA/AIDS, porém, sem a remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediatamente superior ao que possuía na ativa, se não estiver impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, na forma do artigo 110, parágrafo 1º, da Lei 6.880/1980″.
A União, então, solicitou a reforma do acórdão do STJ que fixou a tese. Pretende corrigir o entendimento de direito à reforma por incapacidade definitiva com base no mero diagnóstico do HIV. Requer a exigência de exames que comprovem a incapacidade para a concessão do benefício.
Argumenta que a dispensa de comprovação de incapacidade vai de encontro aos seguintes dispositivos da Constituição: artigos 142; 40, parágrafo 1º, inciso I e parágrafo 4º; e 201, inciso I. Assim como trechos da Lei 7.670/1988 e do Estatuto dos Militares (Lei 6.880/1980).
Acrescenta que ter o vírus HIV não é a mesma coisa de ter aids, que existem tratamentos que possibilitam ao portador do vírus cada vez mais qualidade e expectativa de vida e que o afastamento da pessoas pelo simples diagnóstico representa um retrocesso na inclusão social alcançada nas últimas décadas.
Aponta, ainda, que a tese do STJ tem uma lógica que contraria a da posição firma pela 1ª Turma do STF no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1.387.784, quando o colegiado entendeu que eventual diagnóstico de doença sexualmente transmissível “não é motivo apto, por si só, para a eliminação de candidato (para ingresso na carreira militar)”.
Voto do relator
O relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, votou por negar o pedido da inicial e reformar a tese fixada pelo STJ. Sugeriu que o texto passe a vigorar com a seguinte redação: “O militar, portador assintomático do vírus HIV não pode ser reformado ex officio por incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas, somente por esse motivo, mesmo antes da alteração legislativa promovida pela Lei 13.954/2019”. Foi acompanhado pelo ministro Cristiano Zanin.
Em seu voto, citou a previsão de lei específica para tratar sobre a previdência social de militares. E o Estatuto dos Militares, que em seu artigo 106, inciso II, fala em incapacidade definitiva como requisito para a reforma por incapacidade. Assim como o inciso V do artigo 108, que prevê a incapacidade por “outras moléstias que a lei indicar com base nas conclusões da medicina especializada”, complementado pelo parágrafo 2º, que exige de homologação por junta médica.
Lembrou também que a Lei 13.954/2019 alterou o artigo 109 do Estatuto, definindo a restrição do benefício para o militar incapaz de exercer “atividade militar”. E que a Lei 7.670/1988, que trata exclusivamente dos benefícios concedidos para as pessoas com HIV, confere ao Estatuto dos Militares a definição dos critérios para a reforma por invalidez.
O magistrado reiterou a defesa do direito à igualdade pelo Supremo por meio de decisões contrárias a qualquer tipo de discriminação. Como no julgamento da ADI 5.543, que declarou inconstitucional quarentena de 12 meses para a doação de sangue por homens que fazem sexo com outros homens. E a análise da ADI 2.341, que avaliou a política de prevenção e controle de DTSs do governo de Santa Catarina.
“Tanto a jurisprudência desta Corte, como as disposições constitucionais e legais que regulamentam o regime dos militares, além dos avanços da ciência que têm permitido aos portadores do vírus HIV um aumento da expectativa e da qualidade de vida não autorizam que se criem discriminação em relação a esses indivíduos em qualquer esfera social, em especial quando se trata da manutenção do trabalho”, escreveu.
Divergência
O ministro Flávio Dino abriu divergência ao discordar do relator sobre o efeito do julgamento para o caso concreto. Isso porque o direito ao benefício foi garantido pelo TRF-4 sem ter havido insurgência da União naquela instância.
“Bastava ao militar não ter interposto qualquer recurso da decisão do TRF-4 para que tivesse assegurado sua reforma por incapacidade com proventos no grau que ocupava na ativa, já que a União, repita-se, dessa condenação não recorreu. Assim, não se pode, nesse momento processual, discutir-se uma situação já consolidada”, argumentou.
Em seu voto, Dino concordou com Alexandre sobre limitar o direto à reforma por invalidez permanente para os militares com HIV que tiverem a invalidez comprovada. Porém, sentiu falta de menção à exigência de avaliação do paciente por uma junta média.
Sugeriu, então, outra redação para a tese: “O militar, portador do vírus HIV, tem direito à reforma ex officio com a demonstração da incapacidade definitiva mediante a homologação, por Junta Superior de Saúde, da inspeção de saúde que concluiu pela existência da citada incapacidade”.
Dino foi acompanhado por Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Luiz Edson Fachin, Luiz Fux e André Mendonça.
Terceira via
Em seu voto, o presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, selecionou o que julgou mais adequado nas manifestações anteriores. Com relação ao caso concreto, concordou que o Supremo não deve avaliar o mérito do acórdão proferido pelo TRF-4, apenas focar na revisão da tese fixada pelo STJ, como propôs Dino. Porém, Barroso aderiu à sugestão de tese feita por Alexandre.
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Tema 1.310
RE 1.447.945
Consultor Jurídico – Edição: Montedo.com
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