E se o Brasil resolvesse adotar um ‘Hard Power’ compatível com o seu poder econômico?

Gastos que o País teria que sustentar seriam difíceis de justificar politicamente

Trecho do livro “Aspirational Power: Brazil on the long road to Global Influence”, de 2016
Uma maneira de chamar a atenção das grandes potências estabelecidas seria o Brasil desenvolver um grau convincente de poder duro (poder militar). Mas há inúmeras desvantagens nessa estratégia. O nível de gastos que o Brasil teria que sustentar para desenvolver capacidades significativas de poder duro seria difícil de justificar politicamente; tais gastos fomentariam uma volta à competição regional por segurança; atrairiam hostilidade dos Estados Unidos; e a opinião pública no Brasil não apoia uma política externa militarizada.

Em 2014, o Brasil gastou aproximadamente US$ 37 bilhões (em dólares constantes de 2011), o que o posiciona como o décimo maior orçamento de defesa do mundo, à frente da Coreia do Sul e atrás da Alemanha. À primeira vista, esse é um nível respeitável de gastos com defesa, mas mais de 80% desses gastos são alocados para salários e pensões (comparado a entre 50% e 60% nos Estados Unidos), e a prontidão operacional das unidades de combate do Brasil é fraca como consequência.

Aumentar os gastos de defesa do Brasil para um nível condizente com sua posição na economia global o colocaria à frente do Reino Unido, mas exigiria gastos de aproximadamente US$ 55 bilhões por ano (em dólares constantes de 2011), um aumento de 49% nos gastos de defesa ou aproximadamente 2,1% do PIB.

A questão, claro, é se esse valor se traduziria em capacidades significativas de poder duro. O Brasil não tem necessidade de projetar poder ao longo de suas fronteiras, então alcançar presença global significaria investir em capacidades aéreas, navais, espaciais e de ataque de longo alcance, que são caras. Alcançar níveis de gastos comparáveis aos da França, que tem capacidades limitadas de projeção de poder, exigiria gastos de US$ 65 bilhões ou cerca de 2,5% do PIB.

Gastar 2,5% do PIB em defesa não seria impossível, colocando o Brasil na mesma categoria que países como Índia e Coreia do Sul. No entanto, mesmo com esse aumento no orçamento de defesa, o gasto do Brasil seria um nono do dos Estados Unidos.

Mas dado o fraco estado da indústria de defesa do Brasil e sua ainda limitada base tecnológica, muito do equipamento mais avançado teria que ser adquirido internacionalmente. Isso significaria garantir a aquiescência dos Estados Unidos, que têm a capacidade de limitar a venda de grande parte dos equipamentos ocidentais por meio de sua regulamentação conhecida como ITAR (Regulamento de Tráfego Internacional de Armas).

A ITAR permite que os Estados Unidos restrinjam a transferência de equipamentos militares que contenham determinadas categorias de tecnologia desenvolvida nos EUA. Quase todos os países ocidentais utilizam tecnologia desenvolvida nos EUA em maior ou menor grau.

Os Estados Unidos quase certamente se preocupariam com um aumento substancial nos gastos de defesa do Brasil. Para evitar possíveis restrições dos EUA, o Brasil poderia recorrer à Rússia e à China como fontes de armamentos, mas tal decisão, combinada com gastos de defesa muito mais elevados, quase certamente atrairia atenção negativa indesejada por parte das potências ocidentais.

Um aumento significativo nos gastos de defesa do Brasil também seria visto com preocupação por seus vizinhos, potencialmente desfazendo uma das maiores conquistas da estratégia de política externa brasileira durante sua recente tentativa de ascensão: a evitação de um dilema de segurança na América do Sul.

Outros países sul-americanos quase certamente se sentiriam pressionados a responder com aumentos em seus próprios gastos de defesa, bem como a formar parcerias mais próximas com grandes potências extrarregionais para contrabalançar o poder crescente do Brasil. Isso teria o efeito de atrair a atenção das potências estabelecidas para a região — algo que o Brasil tem se esforçado bastante para evitar.

Além disso, não há evidência de que o público brasileiro apoiaria um nível tão elevado de gastos com defesa. Não apenas houve uma pressão considerável para proteger os gastos sociais durante a recessão que começou em 2014, mas também estudos recentes de opinião pública mostram que os brasileiros são significativamente menos propensos a apoiar o uso da força militar na política externa do que os chineses.

Menos de 50% dos brasileiros estavam dispostos a considerar atacar outro Estado que estivesse desenvolvendo tecnologia nuclear, mesmo que esse fosse visto como agressivo e mesmo com autorização da ONU. E os brasileiros também demonstraram níveis consideravelmente mais baixos de militarismo e interesse em assuntos internacionais do que seus equivalentes chineses. Nada disso é promissor para as perspectivas de o Brasil conseguir endurecer com sucesso sua estratégia de política externa.
FORÇAS TERRESTRES – Edição: Montedo.com

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