O CONSULTOR JURÍDICO
O cenário jurídico nacional, recentemente, vem sendo palco de discussões que beiram ao delírio. Exemplo disto é o debate que se arrasta por alguns anos, sobre a natureza jurídica, e formas de atuação, das denominadas Guardas Municipais.
Isto porque, a Constituição Federal, no Capítulo que trata DA SEGURANÇA PÚBLICA, estabeleceu quais são os Órgãos Públicos que integram as Forças de Segurança Pública, assim dispondo:
- Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:
I – polícia federal;
II – polícia rodoviária federal;
III – polícia ferroviária federal;
IV – polícias civis;
V – polícias militares e corpos de bombeiros militares.
VI – polícias penais federal, estaduais e distrital.
..§ 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.
Para regulamentar a atuação das Guardas Municipais, foi editada a Lei n° 13.022/2014, que dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais.
Iniciou-se, então, grande embate jurídico, para se definir se as GUARDAS integrariam, ou não, as Forças de Segurança Pública. Posto que, nada obstante estar elencada na CF, art. 144, no Capítulo que trata DA SEGURANÇA PÚBLICA, ainda persistiam “dúvidas” jurídicas.
Em agosto de 2023, finalmente, o Supremo Tribunal Federal (STF) sedimentou o entendimento de que as guardas municipais integram o Sistema de Segurança Pública. Decisão expedida no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 995, no qual o STF afastou todas as interpretações que excluíam essas instituições do Sistema de Segurança Pública, cujo trecho do acórdão segue abaixo:
- ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 995 DISTRITO FEDERAL
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E SEGURANÇA PÚBLICA. ART. 144, §8º, DA CONSTITUIÇÃO. RECONHECIMENTO DAS GUARDAS MUNICIPAIS COMO ÓRGÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA. LEGÍTIMA OPÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL AO INSTITUIR O SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA (LEI N° 13.675/18). PRECEDENTES. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
…
Vistos, relatados e discutidos estes autos, os Ministros do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual do Plenário, sob a Presidência da Senhora Ministra Rosa Weber, por maioria, conheceram da arguição, convolaram o julgamento da medida cautelar em julgamento definitivo da ADPF e, no mérito, julgaram procedente a presente ADPF, para, nos termos do artigo 144, § 8º, da CF, conceder interpretação conforme à Constituição ao artigo 4º da Lei 13.022/14 e ao artigo 9º da 13.675/18, declarando inconstitucionais todas as interpretações judiciais que excluam as Guardas Municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do Sistema de Segurança Pública, tudo nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber (Presidente), que não conheciam da arguição, e os Ministros André Mendonça, Cármen Lúcia e Nunes Marques, que não conheciam da arguição e, vencidos, divergiam do Relator para, no mérito, julgar procedentes, em parte, os pedidos, nos termos de seus votos. Sessão Virtual de 18.8.2023 a 25.8.2023.
Mas a discussão não teve seu fim, posto que, novos questionamentos surgiram, sobre se as GUARDAS poderiam também atuar de forma OSTENSIVA, dentro de suas atribuições constitucionais de “proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.”
Novamente, o tema foi guindado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que acolheu o entendimento sobre a possibilidade jurídica das GUARDAS terem esta atuação OSTENSIVA, e não apenas PREVENTIVA. Decisão tomada pelo STF no RE 608588 em 20.2.2025, conforme trecho abaixo transcrito:
- Tema 656 – Limites da atuação legislativa local para disciplinar as atribuições das guardas municipais destinadas à proteção de bens, serviços e instalações do município.
Tese: É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas Guardas Municipais, inclusive policiamento ostensivo e comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstos no art. 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso VII, da CF. Conforme o art. 144, § 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar as normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional.
Como consequência deste recente julgado do STF, vários municípios passaram a modificar a denominação de suas GUARDAS, para Polícias Municipais.
Como era de se esperar, nova enxurrada de ações judiciais estão sendo aforadas em vários Estados, com base na alegação de que seria inconstitucional a alteração desta denominação jurídica de GUARDAS, para POLÍCIAS MUNICIPAIS.
Respeitando os entendimentos em contrário, além das energias judiciais gigantescas dispendidas nestas discussões, a questão não merece maiores discussões. Posto que, o que é importante no caso, são as atribuições exercidas (definidas em lei, com base na Constituição Federal), e não exatamente a denominação escolhida para a Instituição.
Por exemplo, no Estado do Rio Grande do Sul, a LEI COMPLEMENTAR Nº 10.990/1997, que dispõe sobre o Estatuto dos Servidores Militares da Brigada Militar do Estado do Rio Grande do Sul, designa sua Polícia Militar com a nomenclatura Brigada Militar:
- Art. 2º – A Brigada Militar, instituída para a preservação da ordem pública no Estado e considerada Força Auxiliar, reserva do Exército Brasileiro é instituição permanente e regular, organizada com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Governador do Estado.
Na mesma linha, vários Estados criaram suas Polícias Científicas (que não constam do rol da CF, art. 144), a quem cabem, genericamente, as realizações de periciais para fins de investigações criminais. Como é o caso da Polícia Científica do Paraná (dentre tantas outras), regulamentada pela Lei Estadual Lei 21117/2022, que assim delimitou suas atribuições:
- Art. 2º A Polícia Científica do Paraná, órgão central de perícia oficial de natureza criminal… tem como finalidade exercer com exclusividade as Perícias Oficiais de Natureza Criminal e as atividades de ensino, pesquisa, tecnologia e inovação técnico-científicas de ciências forenses que forem legalmente atribuídas em todo o Estado do Paraná, ressalvada a competência da União.
Além dos custos gerados por estes embates jurídicos intermináveis, tais discussões acabam por desestimular os valores integrantes destas GUARDAS MUNICIPAIS. Que, com certeza, com a nova denominação de POLÍCIAS MUNICIPAIS, passariam a ter maior destaque e valorização das carreiras.
Que, como se percebe no cenário atual, vem se tornando cada vez mais relevante para o cumprimento de uma das garantias constitucionais mais importantes deferidas aos cidadãos, o direito a SEGURANÇA (CF, Art. 5°, caput: “Todos são iguais perante a lei…garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País… a inviolabilidade do direito… à segurança…”).
Incompreensível a interminável batalha jurídica em torno de mais este tema. Que, assim torcemos, tomara que tenha resultado favorável para o reconhecimento do status de POLÍCIAS MUNICIPAIS a esta valorosa instituição, integrante das Forças de Segurança Pública
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