Tribunal decidirá se militar que mudou de gênero pode permanecer em vaga cujo edital previa ocupação por pessoas do gênero masculino
Danilo Vital
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça vai definir se o militar que muda de nome e de classificação de gênero tem direito a permanecer na ativa sem ser reformado compulsoriamente exclusivamente por esse motivo.
Caso discute se militar que mudou de gênero pode permanecer em vaga cujo edital previa ocupação por pessoas do gênero masculino
O colegiado admitiu um recurso sobre o tema para julgamento como incidente de assunção de competência (IAC). O caso, de grande relevância social, vai gerar uma tese jurídica vinculante.
Trata-se de uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública da União relatando práticas discriminatórias contra servidores públicos federais em razão de sua condição de transexuais.
Esses servidores, nas Forças Armadas, eram submetidos a processos de reforma ou aposentadoria compulsória exclusivamente fundamentados em sua identidade de gênero.
A posição se baseava em uma antiga versão da Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial da Saúde, que colocava a transexualidade como “transtorno de identidade de gênero”.
Questão de gênero
A sentença julgou a ação parcialmente procedente para condenar a União a reconhecer o nome social de pessoas transgênero em todos os seus órgãos da Forças Armadas, sem aposentadorias ou reformas sob alegação da doença “transexualismo”.
Mas fez uma ressalva: quando a mudança de sexo viola as regras do edital que, licitamente, restringiu a vaga para pessoas de um só gênero — no caso, o gênero masculino.
Essa ressalva foi posteriormente derrubada pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por entender que há lei permitindo o ingresso de mulheres nas Forças Armadas e que a retificação de gênero do militar não é um privilégio, mas o exercício de sua cidadania.
O TRF-2 destacou que o propósito de se buscar assegurar a isonomia dos certames públicos não deve gerar colisão com outros direitos constitucionais, como o da dignidade da pessoa humana, principalmente frente ao diminuto número percentual de casos.
No recurso especial, a União defende que a alteração de gênero dos militares não pode ser equiparada a uma simples mudança administrativa, pois implica modificações estruturais que requerem regulamentação em legislativa específica.
Destaca que o ingresso nas Forças Armadas é orientado por requisitos específicos, inclusive de gênero. E que militares que ingressaram em quadros exclusivos para homens não podem transferir-se para quadros femininos ou permanecer nos mesmos quadros.
Importância do tema
Relator do recurso, o ministro Teodoro Silva Santos defendeu sua afetação como IAC devido ao fato de ser uma questão jurídica relevante e de ampla repercussão social, ainda que não esteja sendo discutida de forma reiterada.
“A controvérsia possui inequívoca repercussão social, não apenas pela sua importância para delimitação dos direitos humanos das pessoas transgênero, mas também por poder influenciar diretamente na política administrativa e institucional das Forças Armadas”, destacou.
Afirmou ainda que a causa apresenta alta especificidade, dado que envolve a interpretação de legislações nacionais e internacionais sobre direitos humanos, saúde sexual e identidade de gênero e levanta importantes debates sobre discriminação.
Delimitação do tema
Definir, a partir da alteração do prenome e da classificação de gênero no registro civil de militares transgêneros, os efeitos jurídicos no âmbito das Forças Armadas – em especial o direito à permanência na ativa e à vedação da reforma compulsória fundamentada exclusivamente nessa condição.
Divergência
Abriu a divergência a ministra Maria Thereza de Assis Moura. Reconhecendo a importância da discussão, ela entendeu que seria desnecessária a afetação do caso ao rito do incidente de assunção de competência (IAC).
Isso porque o caso se origina em uma ação civil pública, cuja sentença, quando julgada procedente, tem efeitos erga omnes (para todos), conforme o artigo 16 da Lei 7.347/1985.
Como a sentença e o acórdão do TRF-2 não impuseram limitação territorial, pessoal ou temporal para a ordem, ela vale para a União e todos os seus militares — sendo que todos os militares são servidores da União.
Ou seja, se o STJ mantiver a sentença de procedência da ação civil pública, ela vinculará o tratamento do tema, sem a necessidade de ser proferida em sede de IAC.
Ela ficou vencida isoladamente nesse ponto. A maioria entendeu que instaurar o IAC significa dar um passo além da mera resolução do litígio, tornando o caso um precedente qualificado sobre um tema de extrema relevância.
Clique aqui para ler o acórdão de afetação
IAC no REsp 2.133.602
Consultor Jurídico – Edição: Montedo.com
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