Em entrevista ao O Globo, assessor internacional de Lula adverte que o grande rico do tarifaço de Trump é a quebra de multilateralismo. E fala que as próximas viagens do presidente a Pequim e Moscou
Janaína Figueiredo
O Globo
17 Abril 2025
Em entrevista ao GLOBO em sua sala no Palácio do Planalto, Amorim analisou o cenário atual, fez um paralelismo com a depressão econômica dos anos 1930 e o pós-Segunda Guerra Mundial, e alertou:
— A quebra do sistema multilateral traz um prejuízo muito maior do que a eventual vantagem comparativa que, talvez, você possa ter.
Semanas antes de embarcar para China e Rússia com Lula, o assessor internacional defendeu as relações do Brasil com ambos os países.
— A China tem hoje uma disponibilidade de recursos para investimento no exterior que os Estados Unidos não têm. É uma questão pragmática. A China hoje oferece mais oportunidades ao Brasil e menos riscos.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista:
Em vários dos grupos e blocos nos quais o Brasil participa, entre eles o Brics, a defesa do multilateralismo é uma bandeira forte. Nesse contexto, como o senhor avalia o impacto e os riscos que representa o tarifaço anunciado pelo governo dos Estados Unidos?
A ênfase no sistema multilateral é algo muito importante. Esse é o mundo que a gente está vivendo. Estamos vivendo num mundo difícil, desafiante. Mas acho que as percepções estão mudando. Não é tão fácil assim quanto parecia botar um tarifaço para todo mundo.
O grande risco nisso tudo é o sistema multilateral. Na minha opinião, o que os EUA quiseram fazer não foi botar uma tarifa para a China, outra para o Brasil, etc… isso também, mas acho que eles quiseram forçar negociações bilaterais.
Por fora da Organização Mundial de Comércio (OMC)…
Só pode ser. Porque se você vai negociar bilateralmente, digamos que se consiga algo adequado dos EUA, como se aplica a chamada cláusula da nação mais favorecida (essa cláusula, prevista no Artigo I do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT) de 1994 e adotada pela OMC), é um princípio fundamental do sistema multilateral de comércio internacional.
Ela determina que qualquer vantagem, favor, imunidade ou privilégio concedido por um país membro da OMC a outro país deve ser estendido, de forma imediata e incondicional, a todos os demais membros da OMC.
Essa quebra do multilateralismo está expressamente dita na nota da Casa Branca, onde também são elogiados acordos do século passado. Sabemos que os acordos de 1930 contribuíram para a depressão, que contribuiu para a Segunda Guerra Mundial. Não vou dizer que seja a única causa ou a principal, mas contribuiu. Esse é o risco maior, a ruptura do multilateralismo.
Falar em ruptura do multilateralismo é forte
Sim, é a coisa mais forte e perigosa de tudo isso (o tarifaço de Trump). Quando as pessoas dizem que o Brasil pode ter uma vantagem comparativa, eu acho que isso é uma ilusão. A quebra do sistema multilateral traz um prejuízo muito maior do que a eventual vantagem comparativa que, talvez, você possa ter.
Se tiver uma tarifa sobre um produto com o qual competimos com a China, ou outro que tenha uma tarifa maior do que a nossa, temos uma vantagem. Mas sem multilateralismo nunca ganharíamos um caso como o que ganhamos o do algodão com os EUA, ou o açúcar com a União Europeia (UE).
Não teríamos conseguido um bom acordo, ou acordo razoável, como conseguimos com o Canadá no caso dos aviões. Não teríamos conseguido legitimar o uso de genéricos como legitimamos. Tudo isso foi no âmbito multilateral. Quando a gente fala do âmbito multilateral, não é uma religião, é uma coisa prática.
O senhor acredita na possibilidade de uma moderação na escalada de Trump?
Acho que começa a haver uma percepção diferente, mesmo nos Estados Unidos, por parte de economistas americanos, industriais, empresários. De qualquer maneira, deu uma sacudida forte aqui.
Existe risco de uma recessão global?
Obviamente criou uma tempestade global, os mercados despencaram. E continuam muito instáveis. A Europa está preocupadíssima. Até mesmo os Estados Unidos podem cair numa recessão, aliás, o país é o principal ameaçado. É isso que eu temo.
No passado, isso foi o prelúdio da Segunda Guerra Mundial. Houve necessidade de fomentar a indústria armamentista para levantar as economias. Porque o consumidor não tinha mais força. O consumo dos indivíduos, das famílias, não era suficiente para levantar as economias. As economias só começam a se levantar quando começa a haver a perspectiva da guerra. Espero que dessa vez não se chegue a isso.
Em que grupo ou bloco o Brasil pode fazer mais articulações, neste momento, para resistir?
Acho que a América Latina tem que ter uma personalidade, tem que ser capaz de dar sua opinião. Agora, é claro que nós temos aqui um soft power. Nós nunca vamos ter um hard power, nem sequer do ponto de vista econômico. Os países têm relações distintas, é muito complexo.
Mas, de qualquer maneira, a reafirmação de que somos uma zona de paz e que não vamos estar envolvidos em um conflito é importante. Os BRICS têm um peso grande na economia mundial, é óbvio. Quando ele se move ou faz alguma coisa, todo mundo presta atenção.
O senhor irá com o presidente Lula à China e à Rússia em breve, uma imagem forte neste momento do mundo.
Os Brics proporcionam aproximações bilaterais, ou trilaterais. O Brasil tem hoje uma relação com a China muito mais forte. Com a Rússia, talvez, não tanto por causa da guerra, mas, mesmo assim, é muito forte. Temos muito bom diálogo, embora não concordemos com tudo.
Temos um grande superávit comercial com a China, ao contrário dos Estados Unidos, com quem nós temos déficit. Se você incluir serviços, propriedade intelectual, o déficit aumenta muito mais ainda. Isso uma coisa que eles devem ter presente quando forem negociar.
A China tem hoje uma disponibilidade de recursos para investimento no exterior que os Estados Unidos não têm. É uma questão pragmática. A China hoje oferece mais oportunidades ao Brasil e menos riscos. No início do século XX, o Barão do Rio Branco desviou recursos da Europa para os Estados Unidos, porque os Estados Unidos tinham mais disponibilidade para isso do que a Europa. A gente não é quem desvia, mas a gente equilibra.
Como diz o GPS, estamos recalculando…
O Brasil está na presidência dos Brics e este mês haverá reunião de chanceleres para preparar a cúpula presidencial de julho. Uma moeda Brics ficará fora da agenda, certo?
Ninguém está pensando em moeda BRICS, obviamente está fora da agenda. Talvez em facilitar o comércio, pagamento em moeda local. Isso pode ser. É uma discussão que vai continuar a haver.
O post Celson Amorim – China hoje oferece mais oportunidades e menos riscos ao Brasil do que os EUA’ apareceu primeiro em DefesaNet.