Acordo de Não Persecução Penal: Superior Tribunal Militar nega habeas corpus e contraria decisão do STF

Decisão da corte militar conflita com decisão do STF

O Superior Tribunal Militar (STM) indeferiu, nesta terça-feira (29), o pedido de Habeas Corpus preventivo impetrado pelo Ministério Público Militar (MPM) em favor de dois militares, um capitão e um subtenente do Exército Brasileiro.

Eles são investigados por suspeita de fraude em processo licitatório envolvendo o fornecimento de gêneros alimentícios para o Centro de Preparação de Oficiais da Reserva de Porto Alegre (CPOR/PA), no Rio Grande do Sul.

As investigações do Inquérito Policial Militar revelaram indícios de irregularidades em procedimentos administrativos no Setor de Aprovisionamento da unidade. O Ministério Público Militar identificou possíveis práticas ilícitas durante contratações e requereu, ainda em fase inicial e não exauriente, a oitiva dos envolvidos, inclusive representantes da empresa fornecedora, com o objetivo de esclarecer se houve favorecimento ou enriquecimento ilícito de militares ou ex-militares.

No entanto, a ação constitucional foi proposta pelo promotor de Justiça Militar Soel Arpini, após o Juiz Federal da Justiça Militar da 1ª Auditoria da 3ª Circunscrição Judiciária Militar (CJM), Alcides Alcaraz Gomes, indeferir pedido de formalização de Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). A decisão judicial baseou-se na Súmula nº 18 do STM, que estabelece a inaplicabilidade do ANPP na Justiça Militar da União.

O promotor sustentou que o entendimento da Corte Castrense está superado por recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), proferida no Habeas Corpus nº 232.254/PE, a qual admite a possibilidade de aplicação do ANPP também no âmbito do processo penal militar, como instrumento de política criminal e desjudicialização.

No habeas corpus, o MPM pleiteava a suspensão do IPM e a autorização para que os investigados fossem formalmente notificados para negociar o ANPP, nos termos do artigo 28-A do Código de Processo Penal, que se aplica subsidiariamente à Justiça Militar. Paradoxalmente, o próprio subprocurador-geral de Justiça Militar, Carlos Frederico de Oliveira Pereira, se manifestou junto ao STM contra a aplicação do acordo, o que evidencia divergência interna no órgão acusador.

Apesar da fundamentação apresentada pela promotoria de primeira instância, o relator do caso no STM, ministro José Barroso Filho, entendeu que a súmula vinculante do STM é clara no sentido de não aceitar a aplicação do ANPP na Justiça Militar da União, denegando a ordem de habeas corpus. O voto relator foi seguido, por unanimidade, pelos demais ministros do STM.
STM

Entendimento divergente

O Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) é permitido na Justiça Militar da União, segundo entendimento do STF e do STJ. No entanto, o Superior Tribunal Militar (STM)  diverge desse entendimento, ao considerar que a legislação sobre ANPP no Código de Processo Penal comum (art. 28-A) é inaplicável à justiça castrense.

  • Posição do STF e STJ:

    A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que o ANPP pode ser oferecido em processos da Justiça Militar, desde que não haja proibição expressa. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também se manifestou nesse sentido. 

  • Posição do STM

    O STM, em Súmula nº 18, estabeleceu que o art. 28-A do Código de Processo Penal, que trata do ANPP, não se aplica à Justiça Militar da União. 

  • Mudança de entendimento
    O STF, ao analisar casos específicos, passou a considerar que a aplicação do ANPP na Justiça Militar não contraria a índole do processo penal militar. 

Histórico de constrangimentos

OS entendimentos divergentes do STM em relação a decisões do STF tem provocado situações constrangedoras ao longo dos anos. Desde 2009, quando criei o blog, apontei vários episódios com esse viés:

        • Defensor criticado por… defender
          – Em setembro de 2011, o ministro Celso de Mello passou um “pito” público no general Raimundo Nonato Cerqueira. Em julgamento anulado pelo STF, o militar criticou o defensor público federal “por apresentar teses impertinentes e absurdas perante o STM”.
        • Na verdade, o advogado estava apenas cumprindo seu papel, ou seja, defendendo o réu. Celso de Mello qualificou a atuação do defensor como “corretíssima e incensurável”, e referiu-se assim ao general: ”Hoje destaquei, na minha decisão monocrática, a atuação da Defensoria Pública e busquei, na verdade, afastar a forma grosseira com que o defensor público foi tratado por certo ministro militar”.
        • Novo julgamento
          – Em fevereiro de 2014, a segunda turma do STF, por unanimidade, mandou julgar novamente um militar condenado por fraudar concurso. Motivo: o STM atendeu o pedido do MPM para desclassificação de conduta sem que o réu fosse previamente ouvido.
        • Condenado sem defesa
          – Em outubro do mesmo ano,  Celso de Mello anulou a condenação de um soldado da FAB por abandono de posto, porque o STM simplesmente não intimou o Defensor Público para o julgamento.
        • Constrangimento no CNJ
          – Em maio de 2021, o então presidente da Corte castrense, general Luis Carlos Gomes Mattos, demonstrou desconhecer a Constituição durante uma reunião do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O general pediu a Luiz Fux, à época na presidência do STF, mais espaço para militares na composição do CNJ; ouviu de Fux que nada poderia fazer, já que a mudança depende de emenda à Constituição.

 

O post Acordo de Não Persecução Penal: Superior Tribunal Militar nega habeas corpus e contraria decisão do STF apareceu primeiro em Montedo.com.br.