Do UOL, em São Paulo e em Brasília*
Em entrevista ao Canal UOL, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou que conversou com comandantes militares sobre estado de sítio e reiterou que seu julgamento no STF seria político. Inelegível até 2030, disse acreditar em um milagre quanto a uma eventual condenação.
Conversas com comandantes
Entrevistado pelos jornalistas Carla Araújo e Josias de Souza, o ex-presidente admitiu conversa sobre estado de sítio e de defesa. Bolsonaro disse que tratou sobre esses temas com comandantes militares após o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) rejeitar recursos do PL contestando a eleição.
Em 2022, o partido de Bolsonaro acionou o tribunal questionando as urnas eletrônicas no segundo turno. Sem apresentar qualquer indício, o TSE negou o recurso e multou o Partido Liberal por litigância de má-fé.
Segundo Bolsonaro, o que restou foi “conversar com pessoas de confiança mais próximas”. “É o meu círculo de amizade, eu fui militar”, disse. O ex-presidente reafirmou que questionou o comando militar sobre quais seriam as possibilidades para ele “dentro das quatro linhas da Constituição”. “Aí está a resposta do comandante Freire Gomes [de possibilidade de estado de defesa e de sítio]. O que foi discutido: hipóteses de dispositivos condicionais. Algum problema nisso?”.
O ex-presidente se tornou réu em março deste ano no STF por tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes. “Acharam um pedaço de papel na casa dele [ex-ministro Anderson Torres]. Se eu fosse professor de direito constitucional, eu daria zero para ele [Moraes]”, afirmou.
PF encontrou uma minuta do golpe na casa do ex-ministro que, em tese, poderia reverter o resultado da eleição. Torres foi investigado por possível omissão durante a invasão à praça dos Três Poderes em 8 de janeiro de 2023. Na ocasião, o ex-ministro ocupava o cargo de Secretário de Segurança do Distrito Federal, responsável pelas forças de segurança da capital.
O comandante da Marinha era o que menos falava. O que ele falava, de vez em quando, era dentro das quatro linhas. Por causa disso, ele estaria favorável a um ato antidemocrático? Outra coisa, você discutir hipótese de dispositivos constitucionais, isso é antidemocrático?
Uma lei sancionada pelo próprio Bolsonaro classificou tentativa de golpe como crime. É crime “tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito” e “tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. Na leitura da denúncia contra o ex-presidente, o procurador-geral da República também afirmou que tentativa de golpe é “punível”. “Golpes que se consumam não geram punição dos vitoriosos”.
‘Discuti hipóteses, porque TSE fechou a porta para a gente’
Bolsonaro defendeu a tese de que julgamento no STF é político e que sua inelegibilidade poderia ocorrer “por jogar papel no chão”. O ex-presidente voltou a dizer que foi condenado “por duas ações”: se reunir com embaixadores no Palácio da Alvorada e por fazer um discurso “no carro de som do (pastor) Silas Malafaia” após as comemorações do 7 de Setembro de 2022. “Ou seja, é um julgamento político. Não justifica o que tá acontecendo”.
O ex-presidente está inelegível até 2030 por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação. Em uma das ações, Bolsonaro foi condenado por ter feito alegações falsas sobre o sistema eleitoral durante a reunião com embaixadores, transmitida pela TV Brasil, que é uma concessão pública. Já no ato do 7 de Setembro, o TSE entendeu que como pré-candidato à reeleição, ele adotou discurso eleitoral. “A vontade do povo se fará presente no próximo dia 2 de outubro. Vamos todos votar”, disse Bolsonaro, na ocasião.
Bolsonaro também criticou o ministro do STF Alexandre de Moraes e a condução do relator na ação sobre a trama golpista. “Ele está ali comendo etapas para ver se o julgamento acontece em agosto, setembro. Se sou tão culpado assim, por que não seguir o devido processo legal?”, questionou.
A gente não ganha nenhuma contra o Alexandre de Moraes. Um recurso, por mais óbvio que seja… a gente não ganha nada.
‘Ação penal é uma só’
Para Bolsonaro, a suspensão da ação penal contra o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) deveria ser estendida a todos os réus. A Câmara dos Deputados votou na semana passada pela suspensão do processo contra o parlamentar, mas a Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) derrubou a decisão.
Estou no Supremo por causa do ramagem. Botaram o Ramagem lá para todo mundo ir atrás. E agora, quando a Câmara decide, ainda tem o recurso do Hugo Mota, tirar o Ramagem de lá, a primeira resposta que eu tenho dessa Turma, é que se sair, sairia só o Ramagem. A ação penal é uma só, não tem essa ação e não aquela.
Bolsonaro cobra governadores
Sem citar nomes, o ex-presidente também cobrou governadores de direita a se posicionarem contra a inelegibilidade. “Gostaria, não posso obrigar, que os governadores falassem: ‘Bolsonaro está inelegível por quê? Essas acusações valem?’”, disse. Entre os governadores ligados a Bolsonaro estão Tarcísio de Freitas (São Paulo), Ronaldo Caiado (Goiás), Romeu Zema (Minas Gerais), e Ratinho Jr (Paraná).
Bolsonaro afirmou que vai até o “último segundo” para conseguir lançar sua candidatura no próximo ano. “Michel Temer até entrou nessa questão, é direito do Michel Temer, ninguém que entrou na política esquece”, disse. A declaração ocorre após o ex-presidente do MDB citar nomes presidenciáveis para 2026, mas sem incluir Bolsonaro.
O ex-presidente elogiou Tarcísio e Michelle, mas evitou dizer se apoiaria um deles em uma candidatura à Presidência. Sobre o governador de São Paulo, Bolsonaro disse que tem uma “dívida de gratidão”, mas que falta experiência. Em relação à ex-primeira dama, ele afirmou que a esposa tem aparecido na liderança ou empatada com Lula nas pesquisas eleitorais. “É uma mulher, fala bem, é evangélica e tem o carinho de uma parte considerável da população”, afirmou.
‘Acredito em milagres’
Bolsonaro diz que “ainda acredito em milagre” sobre uma eventual condenação. A resposta foi dada após ser questionado sobre quem apoiaria caso continue inelegível nas próximas eleições. O ex-presidente afirmou que o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, tem dito “candidato até os 48 [minutos] do segundo tempo é Bolsonaro”.
“Não posso bater o martelo agora, certas coisas se você externar… eu deixo de ser uma pessoa procurada”, afirmou. Bolsonaro voltou a dizer que espera dos possíveis sucessores que questionem o motivo dele estar inelegível e se é justo.
Antes de abril [de 2026, prazo para quem ocupa cargo público se afastar para concorrer às eleições] faltam quantos meses? Dez, 11 meses. Vamos esperar a condenação. Eu ainda acredito em milagre, acredito em Deus e que algo possa mudar.
Sem explicar como, Bolsonaro acusa Moraes de torturar Cid
Sem provas, Bolsonaro disse que Cid foi submetido a um “pau de arara do século 21”. O ex-presidente e as defesas dos outros réus têm criticado a delação feita pelo tenente-coronel e ex-ajudante de ordens Mauro Cid. Em áudios vazados pela revista Veja, Cid atacou o ministro do STF e sugeriu que estava sendo pressionado a prestar informações falsas em sua delação na ação da trama golpista.
Cid já negou que tenham ocorrido irregularidades na delação. O tenente-coronel foi chamado a prestar depoimento ao gabinete de Moraes, em março do ano passado, após a reportagem da Veja. Ele negou irregularidades no acordo, afirmou que estava “sensível” por causa da situação que vivia e que perdeu “tudo o que tinha”.
Chegou o ponto do Alexandre de Moraes interrogar o Mauro Cid. E ele falar ‘olha teu pai, tua esposa, olha tua filha’. Você pode fazer delação nessas circunstâncias? A própria Lava Jato disse que isso é pau de arara do século 21. Isso foi feito com o Cid. […] Delação subentende espontaneidade, verdade e prova. Ele foi torturado. Não vou dizer que ele mentiu. Ele foi torturado, pensando na filha e na esposa, que teriam comprovação de falsificação do cartão de vacina.
‘Posso ter exagerado em falas na pandemia’
O ex-presidente disse ao UOL que “não falaria mais” em referências as declarações feitas durante a pandemia da covid. “Posso ter exagerado algumas palavras sim”, afirmou. Bolsonaro negou, entretanto, que tem qualquer arrependimentos em relação a condução da pandemia como presidente da República ou ao fato de não ter se vacinado.
A pandemia da covid vitimou mais de 700 mil pessoas durante o governo Bolsonaro. O então presidente chegou a chamar a doença de “gripezinha”, criticou governadores que anunciavam medidas restritivas para barrar o avanço do vírus e demorou para compras vacinas contra o coronavírus.
Para assistir à íntegra da entrevista, clique aqui:
*Participam desta cobertura: Ana Paula Bimbati, Anna Satie, Bruno Luiz, Fabíola Perez e Laila Nery, do UOL, em São Paulo, e Felipe Pereira e Lucas Borges Teixeira, do UOL, em Brasília
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