“Comandante, ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando a verdade aqui”, disse Alexandre de Moraes
Brasília – O ministro Alexandre de Moraes se irritou com o ex-comandante do Exército Freire Gomes durante o primeiro dia de depoimento das testemunhas de defesa e acusação do processo que pode levar à prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro. Moraes interrompeu a fala de Freire Gomes, quando o general comentava o papel do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos nas discussões de um golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder.
“Quero advertir a testemunha, ela não pode omitir o que sabe. Vou dar à testemunha a chance de dizer a verdade, não pode agora perante o STF falar que não lembra, que talvez, que ‘eu estava focado só no que pensava’. A testemunha é general do Exército, foi comandante do Exército, consequentemente está preparado para lidar sob tensão, tanto no interrogatório da polícia quanto aqui”, disse Moraes, no momento mais tenso até aqui do primeiro dia de depoimentos.
A advertência de Moraes se deve à diferença entre as informações prestadas pelo ex-comandante à Polícia Federal, durante as investigações sobre a trama golpista, e o depoimento em juízo agora, com a ação penal em curso.
“Solicito que antes de responder, pense bem. Vossa Senhoria disse à Polícia Federal que o depoente (o próprio comandante) e o brigadeiro Baptista Junior falaram de forma contundente ao conteúdo exposto (da tentativa de golpe), que não teria suporte jurídico para tomar qualquer atitude, que o almirante Garnier (ex-comandante da Marinha) teria se colocado à disposição do presidente da República. Ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando a verdade aqui.”
Moraes ainda advertiu Freire Gomes do artigo 342 do Código Penal, que prevê pena de dois a quatro anos de prisão para o crime de falso testemunho.
— A testemunha, ela não pode omitir o que sabe. Eu vou aqui dar uma chance à testemunha de falar a verdade. Se se mentiu na polícia, tem que dizer que mentiu na polícia. Agora não pode, agora, perante o Supremo Tribunal Federal. falar que não entra, que talvez, que estava focado somente no que eu pensava…— afirmou o ministro, acrescentando em seguida:
— Comandante, ou o senhor falseou a verdade na polícia ou está falseando a verdade aqui.
Antes da intervenção de Moraes, Freire Gomes respondia a um questionamento do procurador-geral da República, Paulo Gonet, se Garnier havia se colocado “à disposição para implantar essas medidas”, em referência ao plano golpista de Bolsonaro.
Em depoimento à Polícia Federal, em março de 2024, Freire Gomes disse que “pelo se recorda, o almirante Garnier teria se colocado à disposição do presidente da República”, ao ser indagado sobre os planos golpistas de Bolsonaro.
“Tivemos diversas reuniões. Obviamente que cada um expressava sua opinião quando solicitado pelo presidente”, começou Freire Gomes. “Acredito que o senhor se refere a essa conversa em que expus pra ele a importância de avaliar todas as condicionantes, inclusive o dia seguinte da tomada de uma decisão que fosse, estava focado na minha lealdade de ser franco ao presidente sobre o que pensávamos. Baptista Junior foi contrário a qualquer coisa naquele momento. O que o ministro da Defesa fez foi ficar calado, e o almirante Garnier apenas demonstrou um respeito ao comandante em chefe das Forças Armadas e não tinha opinião naquele momento.”
A defesa de Freire Gomes chegou a pedir que trechos do depoimento do general à Polícia Federal fossem exibidos na tela da videoconferência, o que foi rechaçado por Moraes.
“Não posso acreditar que Vossa Excelência não tenha conversado com o seu cliente antes e pedido pra ler o depoimento que ele fez à Polícia”, retrucou Moraes.
Após a intervenção do ministro, Gonet insistiu no questionamento a Freire Gomes se Garnier havia se colocado à disposição dos planos golpistas de Bolsonaro.
“Com 50 anos de Exército jamais mentiria. Eu e o brigadeiro Baptista Junior nos colocamos contrário ao assunto, e que eu estava focado no que eu falei, não me recordo efetivamente da posição do ministro da Defesa, e o almirante Garnier ficou com essa postura de ficar com o presidente. Eu não posso inferir o que ele quis dizer com o estar com o presidente Eu não omiti dado. E afirmo: ele disse que estava com o presidente, a intenção do que ele quis dizer com isso não me cabe.”
As audiências desta segunda-feira marcaram o início da instrução (fase de coleta de provas) da ação penal aberta após Bolsonaro, Braga Netto e outros seis denunciados do chamado “núcleo crucial” irem para o banco dos réus por envolvimento numa articulação para impedir a posse de Lula e do vice Geraldo Alckmin.
A audiência não foi transmitida nem pela TV Justiça nem pelo YouTube. Os jornalistas que acompanharam as oitivas ficaram em um salão anexo à sede do Supremo Tribunal Federal (STF) assistindo a videoconferência, sem poder gravar nem áudio e nem imagem. Leia mais.
O GLOBO – Edição: Montedo.com
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