Em depoimento, o brigadeiro Baptista Junior confirmou reunião sobre trama golpista e disse que ex-comandante da Marinha colocou tropa à disposição
Daniel Gullino e Mariana Muniz
Brasília – O ex-comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Junior afirmou nesta quarta-feira, em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF), ter participado de reuniões no Palácio da Alvorada em que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) discutiu uma minuta golpista. Ao depor como testemunha de acusação na Primeira Turma da Corte, o brigadeiro confirmou ter presenciado o então comandante do Exército, Marco Antonio Freire Gomes, ameaçar o ex-presidente de prisão caso levasse seu plano adiante. Além disso, relatou que o ex-chefe da Marinha, almirante Almir Garnier Santos, teve uma postura diferente dele e do general, colocando suas tropas “à disposição” do presidente.
O depoimento de Baptista Junior era um dos mais aguardados na ação penal e ganhou importância após, na segunda-feira, também ao STF, Freire Gomes negar ter dado “voz de prisão” a Bolsonaro. O ex-chefe da Aeronáutica já havia relatado o episódio à Polícia Federal (PF), no ano passado.
— O general Freire Gomes é uma pessoa polida, educada. Logicamente ele não falou essa parte com agressividade com o presidente da República, ele não faria isso. Mas é isso que ele falou. Com muita tranquilidade, com muita calma, mas colocou exatamente isso: “se o senhor tiver que fazer isso, vou acabar lhe prendendo” — disse Baptista Junior aos ministros do STF.
De acordo com o brigadeiro, esse episódio aconteceu depois uma série de reuniões de Bolsonaro com os comandantes das Forças Armadas, no Palácio da Alvorada, após sua derrota nas eleições.
Segundo ele, os encontros começaram com discussões sobre a possibilidade de um decreto de Garantia de Lei e da Ordem (GLO) ou da decretação de um estado de defesa ou de sítio. A partir de certo momento, contudo, Baptista Junior disse que começou a ficar “muito preocupado” por considerar que o objetivo dessas medidas era, na verdade, impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
— A partir de um momento, eu comecei a achar que o objetivo de qualquer medida dessa, de exceção, era, sim, para não haver a assunção pelo presidente que foi eleito — disse. — E a partir desse momento, e eu digo que isso aconteceu do dia 11 ao dia 14 (de novembro), eu fiquei bastante preocupado.
O ex-chefe da Aeronáutica disse que afirmou a Bolsonaro que não havia hipótese dele continuar no cargo:
— Eu falei com o presidente Bolsonaro: aconteça o que acontecer, no dia 1º de janeiro o senhor não será presidente.
Em certo momento, de acordo com ele, houve um “brainstorming” de discussão sobre possíveis prisões de autoridades, incluindo do ministro Alexandre de Moraes, do STF.
A última reunião sobre esse assunto ocorreu no dia 14 de dezembro, no Ministério da Defesa, com o então chefe da pasta, Paulo Sérgio Nogueira, com os três comandantes.
Baptista Junior diz Paulo Sérgio apresentou a eles um documento, dentro de uma pasta, para ser analisado. O brigadeiro questionou a ele se a peça previa a “não assunção do 1º de janeiro do presidente eleito”. Como o ministro ficou em silêncio, ele interpretou que sim.
— E aí eu falei: “não admito sequer receber esse documento, não ficaria aqui”. Levantei, saí da sala e fui embora. Como eu falei para o senhor, na guerra o objetivo político é quem faz ganhar ou perder a guerra, não é o militar. E eu tinha um ponto de corte. Eu tinha muito respeito pelo presidente, por todos os meus colegas, mas eu tinha um ponto de corte.
Aviso sobre urnas e pressão sobre relatório
Nesta quarta-feira, o brigadeiro também afirmou ter avisado a Bolsonaro que a equipe das Forças Armadas destacada para fiscalizar as urnas eletrônicas não encontrou fraudes.
— Comentei após o segundo turno, na reunião que nós tivemos no dia 1º de novembro. Depois comentei nas várias reuniões, cinco ou seis reuniões, que os comandantes e o ministro da Defesa tivemos com ele.
Baptista Junior ainda alegou ter ouvido dizer que o ex-presidente pressionou para adiar a divulgação de um relatório sobre o sistema eleitoral feito pelo Ministério da Defesa.
— Sim, senhor. O relatório foi entregue no dia 9. Eu ouvi que sim (houve pressão para o adiamento). Certamente outras testemunhas poderão dar (testemunha sobre) isso com mais precisão.
’14 mil fuzileiros’
Ainda de acordo com o brigadeiro, Garnier não tinha a mesma posição que ele e Freire Gomes e relatou o momento em que o antigo chefe da Marinha teria dito que colocava as tropas à disposição de Bolsonaro.
— Em uma dessas reuniões, eu tenho uma visão muito passiva do almirante Garnier. Eu lembro que o Paulo Sérgio, Freire Gomes e eu conversávamos mais, debatíamos mais, tentávamos demover mais o presidente. Em uma dessas (reuniões), chegou o ponto em que ele falou que as tropas da Marinha estariam à disposição do presidente — relatou.
Depois, ao ser questionado pelo advogado de Garnier, Demóstenes Torres, reforçou o relato e citou o número de fuzileiros da Marinha, que teriam sido ditos pelo ex-comandante:
— Nós não estávamos lá só para discutir base jurídica. Nós estávamos discutindo um ambiente e possibilidade. E isso foi o que o Garnier falou. Eu não fiquei sabendo à toa que a Marinha tem 14 mil fuzileiros — afirmou.
Garnier, que foi o único dos ex-comandantes das Forças Armadas a ser denunciado e é réu na ação penal, ficou em silêncio quando foi chamado a depor à PF.
Encontro com Heleno
Ao responder a questionamentos feitos pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, Baptista Junior relatou que no dia 16 de dezembro de 2022 estava em uma solenidade no Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) quando encontrou com o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional, que participava do evento em razão da formatura de seu neto.
Na ocasião, Augusto Heleno afirmou ao brigadeiro que tinha sido convocado para uma reunião de emergência com Bolsonaro no dia 17 de dezembro, um sábado.
Segundo Baptista Junior, Heleno lhe pediu uma carona no voo de volta para Brasília e não disse o teor da reunião, mas ele entendeu que seria para discutir uma ruptura democrática. Por isso, o chamou para uma conversa em uma sala reservada e contou que disse a Heleno que as Forças Aeronáuticas não apoiariam nenhuma ruptura institucional.
— Eu e a Força Aérea, por unanimidade do alto-comando da Aeronáutica, não vamos apoiar qualquer ruptura neste país. Se alguém for bancar isso, saiba quais são as consequências — relatou Baptista Junior.
A conversa entre ambos já havia sido narrada pelo brigadeiro também em depoimento à PF em 2024.
O brigadeiro é testemunha na ação penal que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022, e seu depoimento é considerado um dos mais importantes nessa etapa do processo. Ele foi indicado no processo como testemunha pela acusação, feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Logo no início da audiência, Paulo Gonet questionou Baptista Junior se ele confirmava o teor do depoimento que deu à PF no ano passado, sem entrar em detalhes, e o brigadeiro respondeu que sim.
Depoimento à PF confirmado
No depoimento à PF, Baptista Junior relatou que Bolsonaro apresentou a ele uma proposta de medida para reverter o resultado das eleições de 2022. Na ocasião, ele também afirmou que, se não fosse a recusa do comandante do Exército, o golpe provavelmente teria ocorrido.
“Indagado se o posicionamento do general Freire Gomes foi determinante para que uma minuta do decreto que viabilizasse um golpe de Estado não fosse adiante, respondeu que sim; que, caso o comandante tivesse anuído, possivelmente a tentativa de Golpe de Estado teria se consumado”, afirma o registro do depoimento.
Ainda de acordo com o depoimento do ex-comandante da Aeronáutica, Bolsonaro teria sido alertado por ele de que, se continuasse com a tentativa de golpe de Estado, teria de ser preso por ele.
“Em uma das reuniões dos comandantes das Forças com o então presidente após o segundo turno das eleições, depois de o presidente da República, Jair Bolsonaro, aventar a hipótese de atentar contra o regime democrático, por meio de institutos previstos na Constituição (GLO [Garantia da Lei e da Ordem], ou estado de defesa, ou estado de sítio), o então comandante do Exército, general Freire Gomes, afirmou que caso tentasse tal ato teria de prender o presidente da República”, relatou.
Nesta segunda-feira, Freire Gomes confirmou reuniões no Palácio da Alvorada e discussões sobre a instauração de Estado de Sítio, de Defesa ou GLO no país após as eleições de 2022. Em audiência na Primeira Turma do STF, o militar disse ter sido chamado pelo ex-presidente para discutir o documento, que chamou de “estudo”.
O general, no entanto, tentou atenuar a trama golpista, dizendo que os instrumentos estão previstos na Constituição e que, por isso, não lhe causou “espécie”. A versão apresentada foi questionada pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação, que considerou que a fala estava diferente do que o militar havia dito à Polícia Federal no ano passado. No fim da audiência, o ministro leu trechos do depoimento, que foram confirmado por Freire Gomes.
O GLOBO – Edição: Montedo.com
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