Com mudanças profundas, exército americano volta os olhos para ameaça chinesa e defesa antimísses

O Exército dos EUA está finalmente voltando a atenção para ameaças futuras
Mudanças abrangentes podem transformar tipos de armas usadas pelos Estados Unidos, a forma que são adquiridas e a rapidez com que chegarão aos soldados
Ryan McCarthy*  
No último dia de abril, o secretário de Defesa, Pete Hegseth, assinou um memorando que tem o potencial de desencadear mudanças profundas no Exército. Após décadas de organização, treinamento e equipamento com foco principalmente em operações na Europa e no Oriente Médio, o Exército está voltando sua atenção para dissuadir uma agressão chinesa no Pacífico, assim como à segurança de fronteira e à defesa antimísseis.

As mudanças, recomendadas pelo comando do Exército, são abrangentes. Se forem executadas conforme o previsto, elas transformarão os tipos de armas usadas pelos Estados Unidos, a maneira como elas são adquiridas e o grau de rapidez com elas chegarão às mãos dos soldados.

Essas mudanças refletem as maiores prioridades de segurança nacional do presidente Donald Trump e têm suas raízes no início de seu mandato anterior. Na época, o serviço militar mais antigo do país precisava urgentemente de modernização e precisava refletir uma nova estratégia de defesa nacional após mais de uma década e meia de preparação de unidades para operações de contraterrorismo e contrainsurgência no Iraque e no Afeganistão.

Fui subsecretário e, posteriormente, secretário do Exército durante o primeiro mandato de Trump. Esse tipo de missão moldou minha própria experiência militar. Um mês após os ataques de 11 de setembro de 2001, fui enviado com o 75.º Regimento Ranger para o Afeganistão — para realizar o que na época era considerada uma operação para matar ou capturar líderes da Al-Qaeda e do Taleban. Acabou sendo a investida inicial de duas décadas de conflito.

Durante esse período, a Rússia e a China foram expandindo constantemente suas ambições territoriais e modernizando suas Forças Armadas. O Exército dos EUA foi amplamente equipado com armas convencionais — como tanques, veículos de combate e helicópteros — cuja produção se iniciou no governo Reagan e que foram atualizadas diversas vezes ao longo dos mais de 40 anos seguintes.

Reconhecendo as lacunas entre as nossas capacidades e as ameaças que surgiram, os comandantes do Exército durante o primeiro governo Trump conduziram algo que chamamos de “Tribunal Noturno”, em referência ao seriado de comédia da NBC nos anos 80 com o mesmo nome. Nós analisamos centenas de programas do Exército e emitimos nossos veredictos — manter ou cancelar.

Acabamos redirecionando mais de US$ 30 bilhões do nosso orçamento. Cancelamos atualizações de ferramentas da Guerra Fria — veículos de combate Bradley, helicópteros de carga Chinook — para investir em equipamentos mais adequados para o que o Pentágono classifica como “conflito de alta intensidade”, envolvendo mísseis hipersônicos, sistemas de guerra eletrônica que impedem comunicações e definição de alvos dos inimigos e mísseis de cruzeiro Tomahawk lançados da terra para afundar navios inimigos ao longo dos arquipélagos do Pacífico.

Para desenvolver e adquirir esses novos equipamentos mais rapidamente, estabelecemos o que chamamos de Comando de Futuros do Exército, liderado por um general quatro estrelas em 2018, para servir como centro de inovação da força e identificar investimentos em novas tecnologias. Por estar dentro de uma grande base do Exército, normalmente localizada em regiões remotas do país, o novo comando tem sede no campus da Universidade do Texas, em Austin, onde estrategistas militares podem trabalhar juntamente com startups e engenheiros de software de primeira linha.

Então o governo Biden chegou com políticas e prioridades orçamentárias diferentes. O esforço para mudar o foco do investimento em armas foi deixado para trás. Alguns sistemas foram cancelados imediatamente. Iniciativas promissoras para integrar armas cibernéticas, sistemas não tripulados e outras tecnologias ocorreram aos poucos. A burocracia nas aquisições demorou a instituir o tipo de práticas que empresas privadas usam para agir rapidamente nas transações de softwares.

Não é mais assim. O plano recente investirá mais recursos nos tipos de armamentos mais relevantes para o combate no teatro Ásia-Pacífico: defesas antiaéreas e antimísseis, munições de longo alcance e redes de comando e controle dotadas de inteligência artificial para defender as forças americanas.

Agora, o Comando de Futuros do Exército infundirá sua missão de inovação tecnológica em uma entidade maior que também fornecerá treinamento, criando um organismo que, pela primeira vez em qualquer força militar, combinará as duas áreas.

Para acelerar novamente as aquisições de armas, o Exército padronizará o uso de técnicas de contratação mais rápidas semelhantes a práticas de empresas privadas, onde ocorre a maior parte da inovação tecnológica. Essas abordagens não estão sujeitas a regulamentações federais de aquisições e seus numerosos e complicados requisitos. Muitas dessas ferramentas de contratação flexíveis foram aprovadas pelo Congresso anos atrás, mas eram usadas com pouca frequência devido à resistência da burocracia.

Por muito tempo, os funcionários responsáveis por aquisições de armas estavam mais focados em evitar falhas e manter previsíveis os pedidos de compra para as empresas de defesa. Os comandantes do Exército têm agora a missão de fornecer aos soldados o que eles precisam o mais rapidamente possível. Atualmente, essas autoridades podem ter de assumir riscos mais calculados — acelerando projetos promissores em desenvolvimento para produção em grande escala ou estabelecendo parcerias com empresas privadas de novas maneiras.

Após mais de meio século de centralização do Pentágono, os comandantes das Forças Armadas dos EUA terão agora o poder de tomar decisões e promover mudanças. O secretário do Exército, Daniel Driscoll, trabalhando com o chefe de gabinete da força, o general Randy George, tomou a iniciativa de impulsionar essas reformas estratégicas neste momento, em vez de ser forçado a fazer concessões sob a pressão dos cortes no orçamento.

O impulso deve ser sustentado, o que exige ações fora do Pentágono. O Congresso deveria, por exemplo, dar mais flexibilidade aos militares, permitindo o financiamento integral e imediato para um grupo de sistemas de armas relacionados — como drones autônomos e defesas antiaéreas — em vez de apenas sistemas de armamentos específicos. Isso permite que os militares tenham acesso a tecnologias em rápida evolução e adquiram a combinação melhor de equipamentos, independentemente de quem os venda.

A história está repleta de exemplos de Forças Armadas que se apegam a identidades e hábitos estimados em vez de preparar-se para a luta iminente, sejam os franceses que sucumbiram aos ingleses e seus arcos longos na Batalha de Crécy, em 1346, ou a Força-Tarefa Smith dos EUA, que foi esmagada pelas tropas norte-coreanas mais bem equipadas e preparadas em 1950. As mudanças exigidas pelo comando do Exército garantirão que os soldados tenham o que seja preciso para responder quando os interesses do país forem ameaçados.

*Ryan McCarthy foi o 24.º secretário do US Army, de 2019 a 2021

The New York Times

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