A Rússia já venceu a guerra? Comentários a uma hipótese agora mais difícil

Nota sobre as alegações de uma vitória russa na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia.

Paulo Roberto de Almeida
Diplomata, `Professor
Blog Diplomatizzando

Nota sobre as alegações de uma vitória russa na guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia.

Um ex-aluno meu, intrigado por meu comentário feito recentemente, que transcrevo para esclarecimento dos distraídos:

Antecipando um pouco a coisa.

Paulo Roberto de Almeida

Russófilos, putinistas, petistas, saibam: Putin já perdeu essa guerra de agressão que ele próprio começou mais de três anos atrás. A única coisa que pode fazer agora é tentar matar e destruir o máximo possível na Ucrânia antes de ser deposto pelos seus colegas oligarcas, plutocratas, cleptocratas como ele. Eliminou, literalmente, ou “exportou”, centenas de milhares de russos e de mercenários e arrasou a sua própria economia por anos à frente. Já entrou para o registro histórico como o mais incompetente dos tiranos russos. Lula ainda gostaria de lhe dar algum conselho? Promover uma paz agora impossível? Incluir algum parágrafo solidário na próxima reunião do Brics?

Brasília, 9/06/2025 (via FB)”

escreveu-me recentemente:

Professor Paulo, o que seria perder a guerra? Ele conquistou territórios. Aprofundou sua relação com o Sul, e foi jogado no colo da China. Manteve crescimento econômico, e sao analistas americanos que tem dito. Se o objetivo dele era a conquista de territórios – ou um dos objetivos, podemos dizer que ele perdeu a guerra?

Na ótica ocidental, o que a Ucrânia ou o ocidente ganhou? Entendo que nada, ao contrário, desarmou também parcela da Europa e criou um dilema aos americanos, que neste momento amariam ter toda sua atenção voltada ao oriente chinês.

Na verdade, minha opinião é que em termos de guerra “não total” o que temos é um efeito “parcialmente procedente” analogicamente a uma sentença judicial, onde um perde mas nem tanto, e o outro ganha, mas nem tanto.

É sempre um dilema lidar com superpotências, onde a Carta das Nações Unidas não soma, não agrega, e não interfere no cálculo do Equilíbrio de Poder.

Creio que nem Rússia, China, Índia ou EUA costumam dar satisfação de nada.

Quanto ao Brasil, dado que não é uma superpotência, aliar ao ocidente? Me parece um antídoto para um mesmo cenário, num mundo novo, transformado e cada vez mais multipolar.”

(Nome)

Tento responder:

        Putin ganhou a guerra? Absolutamente não. Não se constrói ou se reconstrói um império à base apenas de intimidações, dominação e opressão, mas sim oferecendo um ambiente estável, seguro e propício ao comércio, aos investimentos, ao bem-estar, senão às liberdades das pessoas, os habitantes de um determinado território.

O que Putin tem oferecido desde o início de seu governo aos povos que ele tem dominado, pelo menos parcialmente, desde o início de sua autocracia cleptocrática (esta a caracterização correta de seu regime tirânico), na Georgia, na Moldova, na Crimeia e agora na Ucrânia inteira, é isso o que ele tem oferecido a esses povos: não prosperidade, segurança e bem-estar, mas opressão, insegurança, censura e ditadura.

        Essa é a sua forma de governar, aprendida nos “bancos escolares” do KGB e das forças de ocupação soviética na Alemanha oriental, o principal foco da expansão militarista do império soviético depois da derrota do nazifascismo e da ocupação física do território e população das nações ocupadas.

        Vejamos seus objetivos em relação á Ucrânia: ele nunca a reconheceu como nação soberana, ela que esteve na origem da própria Rússia e que foi de fato independente durante um breve período entre 1918 e 1921, a de uma terrível guerra civil que poderia ter resultado num Estado independente, como os bálticos, por exemplo, que souberam garantir a sua independência no seguimento das negociações de paz de Paris, em 1919. Mas naquele momento, ao cabo de séculos de dominação por outros impérios e nações vizinhas, os ucranianos ainda não possuíam suficiente identidade nacional para organizar um novo Estado, com características étnicas, religiosas, culturais e linguísticas não uniformes, ainda bastante diversificadas.

        Putin conquista territórios da mesma forma que os antigos bárbaros conquistavam os seus: à base de invasões destruidoras, sem estruturas próprias a um Estado de bem-estar social, apenas com base na dominação, na opressão, na censura e na ditadura, o que é o próprio de Putin: um lone warrior!

Depois de conquistar a Crimeia, em 2014, Putin preparou seu próximo golpe: a conquista de toda a Ucrânia. Concentrou 150 mil soldados, os profissionais, nas fronteiras da Rússia e da Bielorússia com a Ucrânia, num movimento meticulosamente observado pela inteligência americana e ruidosamente anunciado pelo presidente Joe Biden, que parecia um locutor de futebol antes do início de uma partida.

        Qual era o seu objetivo total? Conquistar toda a Ucrânia, desmantelar seu governo “nazista” e passear suas tropas vencedoras em Kyiv.

        Conseguiu? Não! Suas tropas foram simplesmente estraçalhadas pela surpreendente resistência ucraniana, das FFAA e populares.

        Nascia ali uma nova identidade ucraniana, como já tinha sido o caso de EuroMaidan, anos antes.

        O que Putin ganhou? Cidades arrasadas, população atemorizada, terror puro, destruição total, como em Bucha ou em Mariupol. Territórios que ele não ocupa pacificamente, senão à custa de opressão e ameaças. Milhares de crianças ucranianas sequestradas e enviadas à Rússia, o que valeu a Putin uma condenação de crime contra a humanidade pelo TPI, à margem dos milhares de crimes de guerra cometidos por suas tropas em várias cidades e aldeias conquistadas à custa de sua destruição.

        Não! Putin não ganhou a guerra. Ele a perdeu, segundo quaisquer critérios de estrategistas militares, de Clausewitz até hoje, ou mesmo desde Sun Tzu e Pirro, passando por Napoleão e sua aventura russa de 1812. Hitler, o predecessor e modelo de Putin, não fez melhor.

        Putin não logrou seus objetivos e agora se vê obrigado a repetir vãs ameaças nucleares, na iminência de um débâcle total de suas forças invasoras.

Um pouco mais: seu ataque à Ucrania era alegadamente contra a OTAN, mas desde o início da guerra de agressão contra a Ucrânia dois países neutros aderiram à OTAN.

        Outros o farão, in due time…

O que significaria, para a Ucrânia, perder a guerra?

        Ter perdido sua capital, seu governo, ver derrotadas suas FFAA, a vontade de resistir do seu povo. Nada disso ocorreu. Portanto, a Ucrânia já venceu esta guerra, a capacidade de resistir a um inimigo dez vezes mais poderoso e ameaçador.

        A Ucrânia já venceu esta guerra, mesmo com toda destruição infligida a seu patrimônio e à sua população e ao ter 1/5 do seu território temporariamente ocupado.

        Ela venceu pela força contrária, pelo Direito, pela dignidade e pelo caráter.

        Putin conseguiu elevar uma nação acima de suas forças próprias, uma resistência indômita.

        Ela venceu também pela consciência moral da humanidade, pela sua tenacidade, que é basicamente a de seu presidente, que está vencendo dois autocratas ao mesmo tempo, o seu inimigo principal e imediato e aquele que deveria ser seu aliado natural e que se revelou ser um reles traidor.

        Slava Uktainii!

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4948, 10 junho 2025

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