Defesa diz que prisão é ilegal e pede investigação após soldado PM passar mais de 20 horas preso em SP
São Paulo – O soldado da Polícia Militar (PM) Lucas Neto foi preso durante uma consulta por, supostamente, desrespeitar um médico capitão do Hospital da Polícia Militar. Segundo o boletim de ocorrência obtido pelo g1, o soldado teria se referido ao capitão como “você”. O caso aconteceu na tarde de quarta-feira (18) em São Paulo.
O caso foi denunciado nas redes sociais pelos advogados do soldado Neto, Fernanda Borges de Aquino e Mauro Ribas Junior. Segundo a defesa, ele estava no hospital como paciente e não como subordinado em serviço.
Como aconteceu prisão do soldado
De acordo com a defesa, o soldado procurou o hospital por causa de uma uma cirurgia após ter um deslocamento no ombro. Devido a denúncias antigas envolvendo os médicos militares, que teriam tratado subordinados com desrespeito, Neto pediu para sua advogada acompanhar o atendimento.
Conforme o relato publicado na internet, a advogada Fernanda Borges de Aquino tentou registrar a consulta em áudio ou vídeo, mas foi proibida. Então, o próprio soldado iniciou a gravação de áudio, mas o capitão médico Marcelo Cavalcante Costa teria ordenado que ele interrompesse o registro.
Nesse momento, Neto teria questionado a ordem e, supostamente, se referido ao capitão como “você”. Por isso, o PM recebeu voz de prisão.
Prisão e denúncia
Segundo o g1, após a prisão a advogada acionou o também advogado Mauro Ribas Junior, que compareceu ao hospital. Ele ouviu as gravações feitas pelo soldado e pediu investigação à corregedoria – o médico capitão por denunciação caluniosa, e dois tenentes por falso testemunho.
Segundo a defesa, testemunhas foram contraditórias durante os depoimentos que antecederam o relaxamento da prisão de Neto. A liberação do soldado aconteceu mais de 20 horas após a prisão.
Investigação
Em nota emitida pela Secretaria da Segurança de São Paulo (SSP), e enviada ao g1, a PM informou que “um policial militar foi preso em flagrante durante atendimento médico realizado no Hospital da Polícia Militar por infração ao Código Penal Militar (Artigo160). Ele foi encaminhado ao Presídio Militar Romão Gomes (PMRG)”.
A nota diz ainda que um Inquérito Policial Militar (IPM) foi instaurado para apurar todas as circunstâncias. O Artigo 160 do Código Penal Militar define como crime “desrespeitar superior diante de outro militar”, com pena de detenção de três meses a um ano, caso o fato não constitua crime mais grave.
Ainda de acordo com o g1, o advogado Mauro Ribas Júnior é ex-policial militar que foi expulso da PM, após ter sido condenado a 33 anos de prisão, em regime fechado, pelo assassinato de duas pessoas ocorrido em 2010. Após a expulsão, ele conseguiu reverter a condenação na Justiça, mas já tinha saído da corporação e hoje defende vários policiais que são alvo de inquéritos, processos e investigações criminais.
O Artigo 160 do Código Penal Militar citado na nota da SSP define como crime “desrespeitar superior diante de outro militar”, com pena de detenção de três meses a um ano, caso o fato não constitua crime mais grave.
A Lei Complementar 893/2001, que institui o Regulamento Disciplinar da Polícia Militar no Estado de São Paulo, não faz nenhuma menção específica ao uso da palavra “você” como sendo desrespeitoso.
Na seção que define quais as transgressões disciplinares previstas, uma das citadas é “dirigir-se, referir-se ou responder a superior de modo desrespeitoso”, sem apontar qualquer termo que possa especificamente se enquadrar nessa situação.
“O soldado nunca chamou o médico de você, apenas se referiu a ele como senhor e comandante”, afirma Mauro Ribas, que também nega que Lucas tenha dado as costas para o capitão. “A major o liberou e ele virou as costas para ir embora”, diz.
O que dizem os especialistas
“O militar deve se dirigir a todo superior como senhor, isso é regra”, afirma Ribas. “Só que o não chamar de senhor é cabível de uma transgressão disciplinar e não constitui um crime militar de desrespeito ao superior. Para ser crime tem de ir além, tem de ser uma injúria, um desacato, e não simplesmente chamar de você. Mesmo que ele tivesse chamado o médico de você, não caberia a autuação em flagrante, e sim uma comunicação disciplinar, um processo administrativo. O você não criminalizaria a situação”, diz.
O coronel José Vicente, que é especialista em Segurança Pública e fez parte da Polícia Militar por mais de 30 anos, disse que nunca viu na história da corporação uma prisão de alguém que chamou seu superior de “você”.
“Na hierarquia militar geralmente há o tratamento dos superiores por ‘o senhor major’, o ‘senhor coronel’, o ‘senhor capitão’, nunca com o pronome você. Mas isso é algo que se corrige com uma conversa, um café. Eu estive na corporação por mais de trinta anos e estou outros trinta fora. Nunca vi uma prisão por esse motivo. E acho um exagero e um excesso do ordenamento militar que precisa ser corrigido”, afirmou ao g1.
“Eu mesmo estive nesse mesmo hospital militar dias atrás e o médico major me tratou o tempo todo de você. Eles também não levantaram quando o superior chegou, atitude a ser tomada, dentro da corporação, como um sinal de respeito. Não reclamei porque o ambiente lá é totalmente ‘apaisanado’ [onde militares não estão de uniforme da corporação]. Mas eu comentei depois com o superior dele dizendo que precisa ter mais respeito, porque caso aparecesse alguém da ativa, isso viraria um ruído. Mas jamais pensei em dar voz de prisão e nada disso. É um absurdo que alguém tenha mandado prender alguém só por esse motivo”, contou o coronel aposentado da PM.
José Vicente comenta que um superior que trata o membro inferior da corporação de forma abusiva é igualmente passível de punição.
“O respeito hierárquico não é só em uma direção. Um superior que trata o subordinado com desrespeito também pode ser punido, se o inquérito militar apontar que houve abuso e desrespeito com o subordinado. Já houve muitos casos em que esse tipo de abuso ficou comprovado e isso sim é um crime militar”, declarou.
“Na minha visão é inadmissível que alguém mande prender, use a estrutura da polícia para transportar para um presídio, use os recursos financeiros da corporação só por causa de um pronome. O crime militar de hierarquia é quando uma ordem não é cumprida. E se há testemunha, aí sim se tem um crime militar consumado e que é possível de recolhimento para o presídio”, declarou José Vicente.
Com G1 e nsctotal
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