Lorenzo Carrasco e Geraldo Luís Lino
“Se não por bem, terá de ser por mal. Se nós não conseguirmos entender por bem – e isso vale para o Judiciário, o Legislativo, passando pelo Executivo e a sociedade –, essa conta será absolutamente inadministrável e insuportável… É hora de fazer o ajuste fiscal de verdade. (…)”
Se ainda havia alguma dúvida sobre quem dá as cartas de verdade no País, essas foram as palavras peremptórias do presidente da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), Isaac Sidney, reproduzidas pelo jornal O Estado de S. Paulo de 7 de junho. Na plateia de um seminário organizado pelo think-tank Esfera Brasil, estavam representantes de todos os poderes do Brasil, reunidos para discutir o sacrossanto ajuste fiscal que a Faria Lima e seus agentes de influência cobram ferozmente do governo federal.
Advogado de profissão, o presidente da Febraban é um legítimo representante da porta giratória que costuma catapultar altos funcionários do Estado para a Faria Lima, tendo sido funcionário de carreira do Banco do Brasil e do Banco Central, onde chegou a procurador-geral.
Dias depois, no Monitor Mercantil de 13 de junho, o jornalista Marcos de Oliveira apontou o cursor para o centro dos interesses e preocupações do sistema financeiro, “o Sistema da Dívida que trava o Brasil”. De acordo com ele:
“O governo Lula sofre forte pressão para ‘conter os gastos’ – desde que, claro, não se trate de cortar os gastos financeiros. E a gastança é robusta: até 12 de junho, foram empenhados este ano R$ 1,356 trilhão para Dívida Pública Federal. Apesar de inferior aos R$ 2 trilhões no mesmo período em 2024, é de longe o maior gasto do orçamento, representando cerca de 40% dos R$ 3,385 trilhões empenhados no período.
“O valor empenhado para a Dívida Pública supera em quase R$ 500 bilhões as somas do orçamento empenhado dos ministérios da Saúde (R$ 111,6 bilhões), da Previdência Social (R$ 621,3 bilhões) e da Educação (R$ 143,9 bilhões).”
O comentário é acompanhado de uma foto dos nove integrantes do Conselho de Política Monetária do Banco Central, o célebre Copom, colegiado que lembra o Conselho dos Dez, um dos órgãos dirigentes com os quais as famílias oligárquicas de Veneza mantiveram o seu domínio sobre a Sereníssima República durante séculos. Seus membros, supertecnocratas nominalmente escolhidos pelo presidente da República e chancelados pelo Senado, detêm um poder decisório e capacidade de influência nas perspectivas econômicas do País que se colocam acima do próprio governo federal e do Congresso Nacional, que, em tese, são os representantes legítimos das aspirações da grande maioria da sociedade.
Nas últimas décadas, o serviço da dívida pública tem se mantido sistematicamente acima de 40% do orçamento federal, praticamente neutralizando qualquer possibilidade de investimentos públicos em atividades multiplicadoras de valores, como infraestrutura.
A mesma implacável camisa-de-força financeira se mostra nas dívidas dos estados. Em 1998, o montante das dívidas negociadas foi de R$ 113 bilhões. Em 2011, já haviam sido pagos R$ 175 bilhões, mas o saldo devedor era de R$ 370 bilhões em valores corrigidos. Atualmente, está em R$ 827 bilhões. O vice-líder Rio de Janeiro tem uma dívida de R$ 190 bilhões, quase o dobro da receita líquida do estado em 2024.
Esse cenário é resultante da opção feita na década de 1990, em especial a partir do governo de Fernando Henrique Cardoso, para vincular as perspectivas de desenvolvimento do Brasil aos interesses do que o então presidente chamava “os setores mais avançados do capitalismo”, para os quais admitiu que seu governo estava “rearticulando o sistema produtivo do Brasil”, em uma cândida entrevista à Folha de S. Paulo de 13 de outubro de 1996.
Nesse contexto de financeirização da economia – que é disto que se trata –, o País foi convertido em uma virtual fábrica de juros, cujo símbolo máximo é a manutenção da taxa Selic em níveis superiores às taxas de rentabilidade da maioria das atividades produtivas legais aqui praticadas.
A rigor, seguindo as pegadas de Fernando Collor de Mello, FHC aprofundou a inserção subordinada do Brasil à “Nova Ordem Mundial” pós-Guerra Fria (ou, se se preferir, à agenda da “globalização”), ditada pelas elites dirigentes do eixo Washington-Wall Street-Londres, relação que tem sido essencialmente mantida pelos governos que o sucederam.
Esta agenda incluiu uma adesão acrítica e passiva às pautas de “proteção” do meio ambiente e das comunidades indígenas, proveniente das mesmas potências hegemônicas e aqui implementadas por um exército irregular de organizações não-governamentais (ONGs), implicando restrições crescentes a toda sorte de atividades produtivas, principalmente projetos de infraestrutura física. Contando com um vasto financiamento de fundações privadas e órgãos governamentais de países como EUA, Canadá, Reino Unido, Holanda, Noruega e outros, a agenda “verde-indígena” recebeu um forte endosso da academia, mídia e setores do Ministério Público e do Judiciário, resultando em uma consequente influência sobre a opinião pública.
Embora pareçam responder a interesses distintos, a financeirização das economias e o ambientalismo-indigenismo têm os mesmos mentores, como se pode perceber no estabelecimento de uma estrutura de “finanças verdes” vinculadas à pretendida descarbonização da economia mundial para um ilusório “combate” às mudanças climáticas (felizmente, em recuo, sobretudo com o retorno de Donald Trump à Casa Branca).
Nessa área, a contraparte do Copom como “válvula de controle” do desenvolvimento nacional é o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), cujos tecnocratas costumam atuar mais como militantes ideológicos engajados em restringir toda sorte de empreendimentos produtivos, principalmente, nos biomas Amazônia e Cerrado. Ultimamente, com a intenção de empregar a conservação desses biomas como contrapartida para a atração de “investimentos verdes”, como parte da pretensão de converter o Brasil em uma “potência ambiental”.
Entre incontáveis empreendimentos bloqueados, retardados ou inviabilizados por exigências draconianas e inconsistentes, a interminável novela do licenciamento ambiental da exploração da Margem Equatorial Brasileira, que se arrasta há mais de uma década, é uma evidência cabal do alcance dessa estrutura de influência externa no País.
Em algum momento, o Brasil terá que rediscutir a sério uma maneira de remover essas duas camisas-de-força, sem o que será extremamente difícil, se não impossível, sair do pântano de estagnação e sudesenvolvimento em que chafurda há décadas.
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