Jovens não veem propósito em arriscar a vida pela Alemanha; país tenta superar aversão cultural ao alistamento para enfrentar ameaça russa e perda de apoio dos EUA
The New York Times — Ruthen
O governo da Alemanha quer ampliar as Forças Armadas diante da ameaça russa e da possível redução do apoio dos Estados Unidos, mas enfrenta forte resistência da população jovem e dificuldades para recrutar novos soldados. Com histórico militarista marcado por duas guerras mundiais, o país tenta, agora, romper com essa rejeição.
Em uma manhã chuvosa no fim de maio, dezenas de pais se reuniram nos arredores da pequena cidade de Rüthen, no oeste da Alemanha, para assistir seus filhos pilotarem karts em uma pista de slalom. Ao fundo, dois caminhões militares verde-oliva serviam de base para um grupo de recrutadores do Exército alemão, a Bundeswehr. Durante as pausas entre as corridas, crianças exploravam os veículos. Soldados acompanhavam de perto, tentando despertar interesse por uma futura carreira nas Forças Armadas. As crianças sorriam. Muitos pais, não.
— Acho horrível que eles façam propaganda para crianças — disse o funcionário público Manuel Fleigner: — Ninguém quer seus filhos no Exército.
Uma pesquisa realizada em junho pelo Instituto Forsa apontou que apenas 17% dos alemães estariam dispostos a defender o país em caso de ataque.
— As pessoas mais jovens realmente não veem propósito em arriscar a vida pela Alemanha — afirmou Aylin Matlé, pesquisadora do Conselho Alemão de Relações Exteriores.
A escassez de voluntários já leva o ministro da Defesa, Boris Pistorius, a estudar a reintrodução do serviço militar obrigatório. A proposta deve ser apresentada ainda neste verão europeu, caso a meta de recrutamento não seja atingida.
O governo pretende ampliar o efetivo da Bundeswehr dos atuais 182 mil soldados para 203 mil até 2030. Especialistas, porém, consideram o número ao mesmo tempo modesto diante da ameaça externa e excessivamente ambicioso diante das dificuldades internas.
— Estamos em uma situação completamente nova, e realmente precisamos discutir o que a Bundeswehr deve fazer — disse o cientista político Lukas Mengelkamp, da Universidade de Hamburgo: — Qual é o propósito da Bundeswehr?
Após o fim da Guerra Fria, as Forças Armadas alemãs — que já chegaram a ter meio milhão de soldados — foram sendo reduzidas. Em 2011, o país suspendeu o serviço militar obrigatório. O fechamento de bases militares nas proximidades das cidades também afastou o Exército da vida cotidiana.
— Há menos oportunidades para os jovens entenderem e também terem contato com soldados em serviço, e compreenderem por que é importante ter um Exército funcional e defensivo — afirmou Matlé.
A Bundeswehr também perde terreno para o setor privado, especialmente em áreas como engenharia e cibersegurança. Além disso, a instituição enfrenta problemas de infraestrutura. Segundo o governo, o custo para modernizar os alojamentos e equipamentos gira em torno de US$ 76 bilhões.
‘Sou contra guerras’
A maior barreira, no entanto, é cultural. Para muitos jovens alemães, portar uma arma é algo inaceitável.
— Não é algo que eu conseguiria fazer — disse o estudante Jonas Jentsch, que visitava o estande da Bundeswehr em uma feira de tecnologia em Berlim.
O Exército apresentava iniciativas de guerra cibernética para tentar atrair talentos da área de tecnologia. Jentsch demonstrou interesse, mas foi categórico:
— Isso não é para mim. Sou contra guerras.
Para tentar contornar a rejeição, a Bundeswehr tem comparecido a eventos locais e reforçado sua atuação nas redes sociais.
— Conseguimos abordar os jovens de forma individual e específica, despertando seu entusiasmo pela Bundeswehr — afirmou o tenente-coronel Wolfgang Grenzer, responsável pelo recrutamento em Berlim.
Em uma sala próxima ao seu escritório, Grenzer apresentou uma das “salas de carreira” — centros de recrutamento com estrutura moderna, que incluem maquetes de dormitórios mais confortáveis.
No último ano, 51,2 mil pessoas se candidataram ao Exército — alta de 18,5% em relação a 2023. No entanto, cerca de um quarto desiste durante o treinamento. Além disso, a Bundeswehr perde, em média, 20 mil soldados por ano por aposentadoria.
“Mesmo os esforços de recrutamento mais bem-sucedidos não conseguem compensar um índice de evasão tão alto”, concluiu um relatório divulgado em março pelo próprio Ministério da Defesa.
Caso a campanha de alistamento fracasse, o retorno do serviço militar obrigatório pode se tornar realidade. O tema divide os partidos da base do governo. O chanceler Friedrich Merz, da União Democrata Cristã (CDU), apoia a medida, assim como Pistorius. Mas enfrenta resistência dentro do Partido Social-Democrata (SPD), legenda de centro-esquerda à qual pertence.
Por ora, todos os homens de 18 anos devem preencher um questionário para avaliar a aptidão ao serviço militar. Aqueles aprovados recebem convite para o alistamento. Mulheres podem participar voluntariamente. Os efeitos da nova política ainda vão levar tempo para aparecer — e parte da liderança política teme que o país não tenha esse tempo.
— Não temos tempo agora para tentar por dois anos e só então preparar uma alternativa — afirmou Norbert Röttgen, da CDU, ao jornal Die Welt. — Os instrumentos que usaremos se o serviço voluntário fracassar precisam ser criados agora.
O GLOBO – Edição: Montedo.com
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