O Brasil deve aumentar seus gastos militares? NÃO!

Na nova realidade militar, orçamento não é tudo

 

Gunther Rudzit *
Leonardo Trevisan **
Não há dúvida. O mundo está muito mais incerto e perigoso. O problema maior não está nessa constatação, mas na percepção do “tipo de perigo” que enfrentamos.

Ian Bremmer chama nosso tempo de “nova ordem da selva”. Nele, as regras internacionais dos vitoriosos na Segunda Guerra Mundial perderam a centralidade e os mais fortes se impõem aos mais fracos. O Brasil, mesmo distante dos grandes focos de tensão geopolítica, não está imune à nova realidade. Convivemos sim com riscos de guerra na América do Sul —que nossas autoridades, no Congresso e Executivo, evitam cautelosamente reconhecer. Portanto, discutir o estado de capacitação das nossas Forças Armadas é mais que necessário, é urgente.

O ministro da Defesa, José Múcio, defende a PEC 55/23, que destinaria 2% do PIB à área militar. O investimento no setor é premente, e a estabilidade dos desembolsos também, já que projetos militares são desenvolvidos por períodos que vão além dos mandatos presidenciais.

Contudo, gastar mais não necessariamente significa que o Brasil estará mais apto para enfrentar conflitos armados. Para começar, o percentual de 2% é só uma referência que a Otan estabeleceu em 2014, quando da anexação da Crimeia pela Rússia. Mas é preciso lembrar outro parâmetro, criado na mesma época: no mínimo, 20% precisam ser destinados à aquisição de novos equipamentos. O restante fica dividido entre gastos pessoais, operações/treinamento, manutenção e infraestrutura. Essa composição representa um perfil de equilíbrio que demandaria significativa discussão no caso brasileiro.

Sem um estado-maior conjunto, que consiga planejar um projeto de força único, com todos esses requerimentos e capacidades, além das doutrinas necessárias, não se conseguirá o padrão mínimo de Defesa exigido.

Nas guerras dos últimos dez anos, em especial na Ucrânia, os drones, de todos os tipos, comprovaram a necessidade de reorganização pela qual as Forças Armadas no mundo precisam passar. Mas os requerimentos vão muito além disso.

Capacidade de comando, controle, comunicações, computadores, inteligência, vigilância e reconhecimento (a sigla C4ISR em inglês), infraestrutura de rede de comunicação segura e confiável, cadeia de suprimento, rede de transporte e segurança cibernética são os requisitos básicos para que Forças Armadas possam conseguir lutar uma guerra moderna.

Sem um estado-maior conjunto, que consiga planejar um projeto de força único, com todos esses requerimentos e capacidades, além das doutrinas necessárias, não se conseguirá o padrão mínimo de Defesa exigido.

Há o Estado-Maior Conjunto das Forças Amadas na estrutura do ministério, mas ele não tem as atribuições necessárias para preparar o país para essa realidade, pois cada Força ainda faz seu planejamento de forma independente e realiza exercícios conjuntos de forma complementar, não como parte central da preparação.

Sem esquecer a necessidade de se manter e desenvolver uma base industrial de defesa. Sem ter os meios próprios para defender seus interesses, um governo fica à mercê dos seus fornecedores, como ficou explícito no caso ucraniano. O alerta é bem real: algum tipo de autonomia militar em relação a potências extrarregionais é obrigatório. Convém observar que até mesmo europeus estão repensando a compra exclusiva de equipamento americano e vão investir na sua própria indústria de defesa.

Diante da nova realidade política mundial, aumentar o orçamento do Ministério da Defesa é necessário, mas isso não dará as capacidades militares para o Brasil defender os seus interesses. Esperar que as mudanças indispensáveis para nossas Forças Armadas poderem lutar e ganhar uma guerra digital moderna venham endogenamente, é contra as evidências empíricas.

A necessidade maior dessa percepção de reformas é do Congresso. Caso contrário, poderemos aprender essas necessidades após um custo elevado em vidas, financeiro e em interesses nacionais.

* Professor de relações internacionais da ESPM
** Professor de relações internacionais da ESPM
FOLHA – Edição: Montedo.com

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