A FINAL DA COPA DO MUNDO DE CLUBES DA FIFA 2025 E A PREPARAÇÃO FÍSICA

Ricardo Guerra
Fisiologista do Exercício e tem Mestrado em Fisiologia Esportiva,
pela Liverpool John Moores University. Recentemente,
o autor prestou consultoria para núcleos da Policia Italiana


Nota DefesaNet

Uma versão em inglês está disponível.

FIFA Club World Cup Finals, Fitness, FUCO and the Special Forces


Embora nem todos sejam entusiastas das táticas defensivas no futebol, a vitória do Botafogo FR (Brasil) sobre o PSG – Paris Saint-Germain (França), pelo Grupo B, da Fase de Grupos, foi uma aula exemplar da arte de defender com eficácia, mas sem abrir mão de transições rápidas e letais.

Vale lembrar que, semanas antes, o PSG surpreendera o mundo, goleando estrepitosamente a Internazionale de Milão, por 5 a 0 — e se tornando campeão das Champions League.

A estratégia do Botafogo, habilmente implementada pelo treinador português Renato Paiva, foi executada com perfeição. É necessária uma enorme resistência física e cognitiva para manter uma sólida pressão defensiva e a postura sem a posse da bola, cobrindo metodicamente os espaços, durante os 90 minutos e permanecendo continuamente alerta. Tudo isso exige um extraordinário esforço e recorre a inúmeras reservas fisiológicas.

Sempre achei estranho o fato de muitos jornalistas esportivos brasileiros desprezarem estratégias mais defensivas no futebol. Essa maneira de pensar é complexa e tem várias nuances, talvez merecendo uma abordagem aprofundada, que poderia resultar em um futuro artigo sobre o que parece ser um viés irracional.
Não se pode verdadeiramente apreciar a beleza do jogo ofensivo sem uma sólida base defensiva para desafiá-la. Tanto a defesa quanto o ataque são, evidentemente, componentes essenciais do jogo. Eles devem funcionar em conjunto e harmonicamente, se reforçando mutuamente.

O escárnio dirigido no Brasil por muitos “analistas” a partidas em que um dos times adota uma postura solidamente defensiva, beira o absurdo, revelando um profundo mal-entendido sobre a dinâmica do jogo.

Talvez se deva atribuir essa obsessão à influência da Seleção Brasileira, tricampeã no México, em 1970, que deslumbrou o mundo com seu futebol ofensivo e tecnicamente brilhante. Aquela equipe brasileira era completa em todos os elementos do jogo. Mas não podemos esquecer que, ao mesmo tempo, aquele time apresentava um vigoroso jogo defensivo e de forte combate, em todos os setores do campo.

A Seleção Brasileira prosperou nesse aspecto durante o período em que o programa de preparação física tinha forte influência de Cláudio Coutinho, então Capitão do Exército, formado pela Escola de Educação Física do Exército e, futuramente, um técnico de grandes predicados.

Coutinho fora, inclusive, enviado pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) aos Estados Unidos para estudar modernos métodos de treinamento. Ele foi, também, diretamente influenciado pelas ideias do Dr. Kenneth Cooper — o famoso introdutor do Método Cooper —, médico da Força Aérea dos Estados Unidos e autor do livro “Aerobics” (1968), que revolucionou a preparação física esportiva e militar no mundo.

***

Mas o intenso desgaste causado pelo empenho defensivo do Botafogo contra o PSG provavelmente contribuiu para um baixo rendimento da equipe nas partidas seguintes da Copa.

Ironicamente, depois de passar como o segundo colocado na Fase de Grupos deixando de fora o Atlético de Madrid, naquele que se convencionou chamar de “o Grupo da Morte”, após a eliminação na fase seguinte, o técnico Renato Paiva foi demitido.

O Botafogo pode ter sofrido o que chamo de FUCO — Fatigue Unresolved Carry Over (Fadiga Residual Não-resolvida), que descreve a dificuldade e os desafios de uma equipe em se recuperar plenamente, no seu vigor físico, após inúmeras partidas consecutivas.

Uma tendência notável surgiu entre os times brasileiros que participaram da Copa do Mundo de Clubes da FIFA deste ano. Flamengo, Fluminense, Palmeiras e Botafogo começaram com atuações notáveis na Fase de Grupos. No entanto, à medida que o torneio avançava, seu desempenho físico diminuiu visivelmente.

Durante a segunda fase da competição, o Bayern de Munique derrotou o Flamengo. Da mesma forma, o Fluminense se viu nas cordas contra o Al Hilal nos derradeiros minutos das quartas de final, quase sofrendo o gol de empate que poderia ter levado a partida para a prorrogação. E o Palmeiras não conseguiu igualar a capacidade do Chelsea.

É difícil ignorar o fato de que todas as equipes europeias entraram nessa Copa após terminarem exaustivas temporadas em seus campeonatos nacionais e continentais. Além de terem que enfrentar, nos Estados Unidos, temperaturas elevadas, às quais não lhes seria fácil se adaptar.

Enquanto isso, os times sul-americanos estavam apenas começando as suas temporadas e mais acostumados do que os europeus a jogar em climas muito mais quentes.

Era de se esperar que todos esses fatores climáticos, juntamente com o cansaço dos europeus devido ao intenso calendário de final de temporada, dessem uma clara vantagem aos times sul-americanos. No entanto, embora os times brasileiros tenham começado a competição com certa robustez, eles logo enfrentaram dificuldades e perderam o ímpeto.

Por outro lado, os europeus começaram devagar, mas encontraram seu ritmo e floresceram quando mais importava.

Então, como e por que o condicionamento físico e o desempenho geral dos times europeus foram superiores aos dos quatro times brasileiros participantes dessa Copa?

Nas fases finais de um torneio como a Copa do Mundo de Clubes da FIFA, os jogadores têm menos dias de recuperação antes da partida seguinte. Por isso, é fundamental gerenciar estratégias de recuperação e monitorar a carga de treinamento dos jogadores.

A segunda fase da Copa apresenta uma excelente oportunidade para aplicar os conhecimentos da Fisiologia do Exercício para melhorar a recuperação dos jogadores. Se um time não quer sucumbir à Síndrome do FUCO, precisa de muito apoio da Ciência.

Nas últimas décadas, a Fisiologia do Exercício registrou avanços significativos. Esportes como o Ciclismo e o Atletismo foram pioneiros na incorporação de vários métodos de recuperação. Além deles, várias unidades das forças militares especiais adotaram essas técnicas, aprimorando seu desempenho físico e eficácia. Muitas dessas unidades adotam uma abordagem inovadora e vanguardista, experimentando uma ampla gama de técnicas em vários domínios da Fisiologia do Exercício para atingir o máximo desempenho. Elas adaptaram suas estratégias para atender às necessidades fisiológicas específicas de cada membro, demonstrando uma notável flexibilidade. Tendo observado de perto as suas práticas, posso atestar com confiança esse espírito inovador.

***

Seguindo essa tendência, muitos times de futebol estão agora agregando abordagens semelhantes, embora alguns países se destaquem mais do que outros nessa área. Instituições de pesquisa escandinavas de renome mundial, por exemplo, estabeleceram um alto padrão desde os primórdios da Fisiologia do Exercício.

Como a segunda fase da Copa do Mundo de Clubes da FIFA exige partidas consecutivas, com menos dias de recuperação entre elas, os times que visam avançar precisariam aproveitar esses novos insights sobre recuperação e maximização do desempenho.

Ao contrário da crença popular, os jogadores muitas vezes precisam de um tempo significativo para se recuperar entre as partidas. Após um evento fisicamente exigente, como um jogo de futebol, o sistema musculoesquelético pode sofrer alterações adversas consideráveis.

Alguns aspectos dessa recuperação levam até semanas para serem totalmente restaurados. Essas estratégias são cruciais quando as partidas são consecutivas, deixando pouco tempo para recuperação.

Foi exatamente essa a situação enfrentada pela Seleção da Croácia durante a Copa do Mundo de 2018. Ela encarou duas partidas exaustivas e com prorrogação, nas quartas de final e na semifinal. E a França, sua adversária, jogou a semifinal no dia anterior à da Croácia e não precisou ir à prorrogação.

Quando os croatas entraram em campo para a partida decisiva, estavam exaustos, claramente em desvantagem contra uma Seleção Francesa muito mais descansada e revigorada. Os desafios impostos pela falta de recuperação eram evidentes e impressionantes. Eles pagaram o preço: a Síndrome da FUCO os atingiu.

É provável que um ou mais componentes estivessem ausentes do sistema e protocolos de recuperação das equipes brasileiras.

A implementação de estratégias nutricionais e de suplementação acelera a recuperação. As horas seguintes a uma partida de futebol exaustiva são críticas para repor o glicogênio, o “combustível” armazenado nos músculos que é essencial para o seu funcionamento. O glicogênio é a “gasolina” que alimenta os músculos.

Assim como uma McLaren de F1 não consegue terminar uma corrida sem combustível suficiente, um time — mesmo repleto de superestrelas — terá dificuldades se as suas reservas de glicogênio estiverem baixas antes do dia do jogo.

Os protocolos de recuperação devem ser implementados com critério, dependendo da etapa da partida em uma competição, das necessidades individuais de cada jogador e de outras circunstâncias. Em conjunto com a suplementação, durante os dias após uma partida difícil, a carga de treinamento dos jogadores precisa ser totalmente reavaliada e rigorosamente controlada de acordo com os princípios da Fisiologia do Exercício.

As comissões técnicas devem evitar que os jogadores atinjam um estado de esgotamento físico. Os responsáveis devem adotar uma dupla estratégia: controlar meticulosamente a carga de exercício entre as partidas e adotar protocolos de recuperação adequados.

O conhecimento dessa dinâmica dupla — controle da carga e estratégias de suplementação — não é comum no futebol. Mesmo em países com acesso a esse conhecimento, não é incomum que um treinador possa dar menos importância à implementação dessas estratégias. É surpreendente o que alguns treinadores fazem com seus jogadores nas 48 horas que antecedem uma partida. Essa questão persiste há décadas, com histórias de cargas de treinamento absurdas, utilizadas antes de jogos importantes, tendo muitas ocorrido nas Copas do Mundo da década de 1980.

Um Fisiologista do Exercício pode utilizar recursos específicos e avançados para melhorar e manter a capacidade fisiológica de um atleta. A eficácia dessas estratégias depende, em grande parte, do compromisso do atleta em seguir rigorosamente os horários recomendados para o consumo de várias substâncias, ao longo do dia.

Como especialistas em recuperação, os Fisiologistas do Exercício devem ter a personalidade necessária para impor aos seus jogadores uma total e definitiva adesão. O uso da persuasão e de outras técnicas psicológicas é essencial para promover o total cumprimento dos protocolos de recuperação. Essa dedicação à excelência é um elemento crucial. O Fisiologista tem que ter “fome da vitórias”, ser um obstinado e estar disposto a se sacrificar até o último minuto para apoiar seus jogadores ao máximo.

É provável que os dois finalistas da Copa do Mundo de Clubes da FIFA deste ano estejam incorporando, pelo menos, alguns elementos dessas abordagens na preparação para a grande final que acontecerá neste domingo, em Nova Jersey (13JUL2025).

Tanto o Chelsea quanto o PSG conquistaram vitórias impressionantes contra seus adversários nas semifinais, com ambas as partidas sendo decididas no tempo regulamentar, evitando a prorrogação. O Chelsea chega à final com um dia a mais de recuperação, tendo disputado sua semifinal um dia antes do PSG.

Por sua vez, o PSG dominou inteiramente o Real Madrid nas semifinais, mostrando sua superioridade em todas as frentes. O placar final poderia ter sido ainda mais acachapante. E o Real Madrid deve ser grato por não ter sofrido uma derrota mais contundente.

Ironicamente, o PSG encontrou sua força após se desfazer de Messi, Mbappé e Neymar. A saída desses três craques abriu caminho para uma dinâmica de equipe mais coesa, que agora joga em perfeita harmonia. O individualismo, o estrelismo de outrora e o drama que antes assolavam o time desapareceram. Agora, eles estão prestes a se consolidar como o melhor time do mundo.

A realidade é que mesmo um dia a mais de recuperação pode não ser suficiente para enfrentar a potência que o PSG se tornou. Com uma impressionante mescla de talento individual e forte coesão tática, o PSG representa um desafio considerável para qualquer adversário, especialmente em partidas decisivas. Várias vezes, eles demonstraram sua força quando mais importava.

E o Chelsea precisará, sem dúvida, jogar a partida da sua vida. Pode ser uma noite difícil para eles, mas o futebol tem a sua maneira de ser imprevisível. O desejo e a gana da vitória vão além de meras estatísticas e, talvez, essa motivação, combinada com sólidos elementos estratégicos e táticos, seja a sua única esperança de conseguir uma vitória.

Em duelos esportivos muito mais desequilibrados, já ocorreram reviravoltas surpreendentes. E milagres acontecem. Basta lembrar os Jogos Olímpicos de Inverno, em Lake Placid, em 1980, quando testemunhamos uma das performances mais incríveis da história do esporte: os norte-americanos demonstraram, em uma partida de hóquei, uma garra e empenho descomunais contra os soviéticos.

Para o Chelsea vencer o PSG, não será necessário um “milagre”. E eles progrediram ao decorrer da competição; mas precisam reunir a mesma garra e espírito demonstrados pelos guerreiros de Lake Placid.

Além disso, talvez seja interessante o técnico do Chelsea consultar o Renato Paiva, ex-técnico do Botafogo, para ter todas as informações sobre estratégia defensiva, uma verdadeira “firewall” que neutralizou com sucesso o PSG. Se conseguirem aliar isso a uma vontade e raça descomunais, talvez tenham uma chance.

  • Ricardo Guerra é Fisiologista do Exercício e tem Mestrado em Fisiologia Esportiva, pela Liverpool John Moores University. Recentemente, o autor prestou consultoria para núcleos da Policia Italiana.

    Trabalhou com vários clubes de futebol no Oriente Médio e Europa, incluindo as seleções do Egito e do Catar. Em 2015, foi Fisiologista do Exercício do Olympique de Marseille, época em que o time chegou à final da Copa da França contra o PSG.

    Ricardo detém a mais importante licença de treinador da FA — Associação de Futebol da Inglaterra e também da UEFA — União das Associações Europeias de Futebol.

    Viajou pelo Mundo, coletando dados e quantificando a capacidade fisiológica de jogadores de vários países. Seus artigos foram publicados em mais de cinco idiomas em várias organizações de notícias. 

    Atualmente, o fisiologista está radicado nos Estados Unidos, é candidato a PhD em Fisiologia do Exercício, está escrevendo um livro sobre o futebol brasileiro.

    Ricardo aprimorou sua experiência nas técnicas de treinamento da modalidade strongman trabalhando em estreita colaboração com alguns dos principais competidores do mundo. Sendo um entusiasta dessa forma de treinamento, ele adaptou esses métodos para atender às necessidades fisiológicas de vários esportes.

    Ele pode ser contatado pelo e-mail [email protected]

O post A FINAL DA COPA DO MUNDO DE CLUBES DA FIFA 2025 E A PREPARAÇÃO FÍSICA apareceu primeiro em DefesaNet.