O Brasil deve aumentar seus gastos militares? SIM

 

Reindustrializar para defender é a estratégia eficiente

* Raul Jungmann
** Flávio Basílio

A PEC 55/23 propõe elevar gradualmente os gastos em defesa. Se tratada apenas como obrigação fiscal, a medida pode acentuar a rigidez orçamentária e comprometer a sustentabilidade fiscal.

Mas, configurada como instrumento de política industrial e inovação, pode alavancar a inserção do Brasil na indústria de alta tecnologia, fortalecendo a Base Industrial de Defesa (BID), ampliando a capacidade exportadora e promovendo o desenvolvimento científico e tecnológico do país com ampliação das exportações em setores de alto valor agregado.

O mercado da defesa se diferencia profundamente do de bens convencionais. O comércio de produtos de defesa está fora do alcance das regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), sendo orientado por critérios geopolíticos e tecnológicos.

Não há um mercado livre para a aquisição de caças, submarinos, sistemas de mísseis ou até semicondutores e fibra de carbono —ou um país domina essas tecnologias ou depende de alianças com os que as detêm.

Entretanto, para que essa oportunidade se concretize, é indispensável implementar uma série de ajustes e medidas que transformem o ambiente da BID, conferindo-lhe competitividade e sustentabilidade.

Primeiro, é essencial pôr fim à distorção tributária que pune a indústria do país. Se as Forças Armadas compram do exterior, não há incidência de impostos; se compram de empresa brasileira, incidem todos os tributos. É preciso tratamento isonômico à indústria nacional da defesa, considerando sua importância no desenvolvimento de tecnologia dual, transferível a outros setores.

Também é necessário ampliar o regime tributário especial da lei 12.598/12 para incluir compras feitas pelas forças de segurança pública, fortalecendo a escala e a previsibilidade.

Outro passo fundamental é simplificar e acelerar o processo de exportação, com mecanismos de apoio similares aos da agricultura, com equalização de juros, cartilhas orientativas e portfólios bancários especializados, que incluam seguros, garantias e instrumentos para mitigar riscos. O mercado de defesa é parte relevante do PIB das economias desenvolvidas.

O Brasil precisa reforçar suas linhas de crédito à exportação, especialmente por meio do BNDES, com condições que se equiparem às oferecidas por outros países. Devemos ampliar o uso do Fundo de Garantia à Exportação (FGE) e criar mecanismos robustos e eficientes de seguros de performance para potencializar a capacidade exportadora.

É importante também que o Ministério da Defesa participe diretamente das discussões sobre compras públicas e acordos de offset, assegurando que os interesses estratégicos e industriais do país sejam devidamente contemplados.

Sem prejuízo do nosso pacifismo histórico —importante frisar—, o país deve adotar uma política ativa de diplomacia de defesa, atuando como fazem outras nações importantes: com ações coordenadas para abrir mercados, apoiar suas empresas e projetar influência geopolítica.

É imprescindível ajustar o sistema de classificação tarifária, criando categorias específicas de NCM para produtos de defesa. Hoje, absurdamente, eles seguem classificações tradicionais. Pistolas não letais, por exemplo, são classificadas como simples materiais elétricos; coletes balísticos, como vestuário. Essa confusão prejudica as políticas públicas, dificulta o comércio exterior e compromete a competitividade da indústria.

O Brasil pode —e deve— estabelecer fundos binacionais de desenvolvimento de produtos de defesa. Países como Suécia (parceira do Gripen), Portugal (KC-390) e Alemanha (parceira das Fragatas Tamandaré) podem impulsionar esse cenário, abrindo novas frentes de cooperação, compartilhamento de riscos e acesso a mercados estratégicos.

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* Raul Jungmann
Ex-ministro da Reforma Agrária, da Defesa e da Segurança Pública, ex-presidente do Ibama e atual diretor-presidente do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram)

** Flávio Basílio
Ex-secretário Nacional de Segurança Pública (Senasp) e ex-secretário de Produtos de Defesa (Seprod) do Ministério da Defesa

FOLHA – Edição: Montedo.com

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