Leonam dos Santos Guimaraes
Pesquisador na Área Nuclear
Julho 2025
O futuro do programa nuclear iraniano está estreitamente ligado à evolução da conjuntura política tanto interna quanto externa. Após os eventos de 2025, o Irã se encontra em uma encruzilhada: retornar à diplomacia ou avançar decididamente rumo ao armamento nuclear. Ambos os caminhos têm desenvolvimentos plausíveis, e
há também opções intermediárias.
Sob intensa pressão internacional após o conflito de junho de 2025, uma possibilidade é que as partes voltem à mesa de negociações. O cessar-fogo mediado pelos EUA sugere uma abertura – ainda que sob o governo Trump, conhecido pela imprevisibilidade, foi anunciada disposição tanto do Irã quanto de Israel de cessar ações militares
commonslibrary.parliament.uk. Poderia emergir, por exemplo, um acordo provisório (less for less) onde o Irã congela o enriquecimento no nível atual (60%) e reintroduz monitoramento amplo da AIEA em troca de alívio parcial de sanções americanas e garantia de não ataque. Esse tipo de entendimento poderia reduzir tensões
imediatamente e impedir uma corrida armamentista regional.
A dificuldade seria alinhar interesses: Israel aceitaria um acordo que deixe o Irã ainda capaz de retomar 60%? Os EUA poderiam conceder descongelamento de ativos ou relaxar sanções sem reação política doméstica adversa? E o Irã confiaria em garantias americanas após a experiência de 2018? São perguntas em aberto. Ainda assim, diplomatas europeus e de países neutros possivelmente intensificarão esforços para um novo arranjo, temendo que o contrário seja guerra prolongada. A recente posição do Conselho de Governadores da AIEA (declarando não conformidade) também pode servir de elemento de barganha – o Irã poderia cooperar com inspeções para reverter essa censura se obtiver algo em troca.
Em contrapartida, o Irã pode concluir que somente possuindo a bomba nuclear de fato estará seguro de ataques futuros. Esse cenário implica o Irã romper de vez com o JCPOA remanescente, e possivelmente até se retirar (ou suspender voluntariamente) do TNP para não violar formalmente o tratado – seguir os passos da Coreia do Norte. O parlamento iraniano já aventou em 2020 a ideia de sair do TNP se o caso iraniano voltasse ao Conselho de Segurança. Se Teerã optar por essa via, provavelmente agirá com rapidez e sigilo: enriqueceria seu estoque de 60% até 90% em um ou dois locais clandestinamente, produziria uma ou duas armas improvisadas para teste ou
demonstração e, assim que tivesse um dissuasor operacional, talvez anunciasse. Esse seria um caminho extremamente arriscado, pois até que a arma estivesse pronta, o país ficaria vulnerável a ataque preventivo israelense/americano.
Após possuí-la, entraria em território desconhecido, pois Israel poderia ainda tentar eliminar a capacidade com golpe militar, mesmo arriscando confronto nuclear limitado. Além disso, um Irã nuclear quase certamente provocaria a ruptura do TNP regional: a Arábia Saudita buscaria armamento, possivelmente obtendo assistência do Paquistão; a Turquia poderia seguir, etc. Isso transformaria o Oriente Médio em potencial barril de pólvora nuclear. Dado esses perigos, muitos analistas acreditam que o Irã tentará ficar abaixo do limiar (isto é, ter toda capacidade exceto a arma montada) pelo maior tempo possível. No entanto, se autoridades iranianas concluírem que a dinâmica internacional (por exemplo, uma aliança Israel-EUA mais agressiva ou uma ordem para eliminação do regime) é inevitável, podem julgar que nada a perder justifica obter a bomba rapidamente.
Um desdobramento alternativo seria algum tipo de acomodação mais ampla envolvendo potências regionais. Por exemplo, se a reaproximação Arábia Saudita–Irã continuar e se expandir para um diálogo de segurança regional, poderia haver menor incentivo para o Irã buscar arma nuclear – afinal, a ameaça percebida seria menor se laços com vizinhos melhorarem. Da mesma forma, se Israel e os países árabes avançarem em entendimentos (como os Acordos de Abraão de 2020) que isolem o Irã, isso pode pressionar Teerã, mas também oferecer eventual reentrada do Irã numa arquitetura regional de segurança se modificar seu comportamento.
Embora improvável a curto prazo devido à animosidade, a longo prazo um equilíbrio de poder regional negociado poderia integrar o Irã economicamente e reduzir a motivação de ter armas nucleares. Esse seria o cenário de ganho mútuo, mas exigiria mudança significativa de políticas iranianas (por exemplo, limitar seu programa de mísseis, reduzir apoio a grupos armados) em troca de garantias de segurança e investimento.
As perspectivas futuras também dependem de quem conduz a política em Teerã. O atual establishment dominado por linha-dura (o Aiatolá Khamenei e a Guarda Revolucionária) tende à confrontação e autossuficiência. Se mudanças internas ocorrerem – por exemplo, sucessão do Líder Supremo Khamenei (84 anos) – há incerteza. Um novo líder poderia adotar postura mais pragmática, retomando algo similar à era Rouhani (busca de abertura) para salvar a economia, ou ao contrário, intensificar a militarização nuclear por fervor ideológico. A população iraniana, por sua vez, tem outras prioridades (econômicas, liberdades), mas o orgulho nacional em torno do programa nuclear é real. Protestos domésticos em 2022 fragilizaram o regime, que
recorreu a maior dependência de facções linha-dura. Isso sugere que no curto prazo não haverá flexibilização voluntária sem fortes incentivos externos.
A guerra na Ucrânia e a crescente rivalidade EUA-China formam o pano de fundo global. Se os EUA estiverem sobrecarregados no teatro europeu-pacífico, podem buscar evitar mais uma crise no Oriente Médio – o que favorece acordos com o Irã para congelar o problema e concentrar-se em outros locais. Já a Rússia e a China podem ver vantagem em manter os EUA ocupados com o Irã: a China ao menos mediou a paz Saudita-Irã e não quer desestabilização no Golfo (fonte de seu petróleo), então tem incentivo em que se evite uma guerra total.
Poderia, inclusive, propor arranjos de segurança próprios – por exemplo, garantias de fornecimento de defesa antiaérea ao Irã para desestimular ataques, em troca de o Irã não buscar a bomba. A Rússia, por outro
lado, ganha com altos preços do petróleo que uma crise com Irã gera, mas não quer um Irã nuclear ao lado de suas fronteiras do Cáucaso. Assim, as grandes potências podem tanto complicar quanto facilitar soluções.
Imaginando os próximos meses pós-junho de 2025, se a trégua segurar, provavelmente haverá intensa negociação nos bastidores. A AIEA quererá acesso para avaliar danos nas instalações (a Reuters noticiou que inspetores não puderam visitar imediatamente após os bombardeios) reuters.com reuters.com. Se for comprovado que os reatores e centrífugas iranianos foram muito prejudicados, o cronograma nuclear iraniano pode ter regredido alguns anos – dando espaço para diplomacia antes que reconstruam. Israel alegou ter degradado seriamente o programa reuters.com, mas especialistas duvidam que ataques aéreos isolados possam eliminar todo conhecimento e infraestrutura nuclear iraniana commonslibrary.parliament.uk. Assim, o programa deverá se recuperar, talvez ainda mais escondido e protegido (bunkers mais profundos, dispersão de equipamentos). No Irã, o ataque pode fortalecer vozes linha-dura que argumentam que negociar foi um erro desde o início. Alternativamente, pode convencer a liderança de que foi longe demais e precisa de alívio antes que ocorra algo pior. Muito dependerá de como o Supremo Líder interpreta a situação.
Em suma, o futuro do programa iraniano flutua entre a revitalização de um acordo (total ou parcial) que limite suas atividades nucleares e reincorpore o Irã à comunidade internacional, versus a confrontação contínua que pode levar a um Irã nuclear armado ou a conflitos repetidos. A comunidade internacional – especialmente os guardiões do TNP – terá que equilibrar pressões e incentivos para evitar que o caso iraniano se transforme em mais um fracasso do regime de não proliferação como o da Coreia do Norte.
A atual conjuntura é crítica: as decisões tomadas nos próximos anos por Teerã, Washington e outras capitais podem selar se o Oriente Médio terá ou não uma potência nuclear extra. Permanecendo sem armas, mas com capacidade nuclear latente, o Irã continuará sendo um desafio gerenciável via diplomacia e contenção. Adquirindo armas, tornar-se-á um divisor de águas estratégico na região, possivelmente inaugurando uma era de dissuasão instável e proliferação local.
Tanto a Coreia do Norte quanto o Irã mostram as dificuldades de impedir a proliferação nuclear em contextos de ameaças de segurança regionais e rivalidades internacionais. O caso norte-coreano já resultou em um estado armado nuclearmente e altamente militarizado, exigindo estratégias de dissuasão e mitigação de riscos. O caso iraniano ainda está em disputa: há caminhos abertos para solução diplomática ou escalada militar.
As experiências indicam a importância de ações preventivas robustas, mas também de ofertas críveis de segurança aos países, para dissuadi-los de buscar a arma nuclear como única garantia. Em ambos os cenários, o envolvimento de potências globais (EUA, China, Rússia, UE) é determinante – seja para isolar e sancionar, seja
para negociar e oferecer incentivos. O equilíbrio entre pressão e diálogo definirá se veremos nesses países uma reversão de curso ou a consolidação de mais dois arsenais nucleares permanentes, com todas as implicações daí decorrentes para a segurança regional e global.
O post O Futuro do Programa Nuclear Iraniano: possíveis cenários apareceu primeiro em DefesaNet.