Países disputam território fronteiriço mapeado há mais de um século por colonizadores franceses. Agora, tensão entre as duas nações asiáticas voltou a escalar para conflito armado, deixando mais de 30 mortos.
A Tailândia e o Camboja trocaram acusações de novos ataques neste sábado (26/07), quando confrontos na fronteira chegaram ao seu terceiro dia após semanas de escalada de tensões envolvendo uma disputa secular pelo Triângulo de Esmeralda – área onde a fronteiras dos dois países se encontra com a do Laos.
Ao menos 33 pessoas morreram até o momento, incluindo civis, no que já é considerado o embate militar mais mortal entre os dois países desde 2011.
O conflito também já obrigou a evacuação de mais de 168 mil pessoas que vivem ao longo das províncias fronteiriças dos dois países.
Embates permanecem no terceiro dia
Os combates eclodiram na quinta-feira perto de dois templos entre a província tailandesa de Surin e a província cambojana de Oddar Meanchey e agora se concentram em 12 pontos ao longo da fronteira, ante seis locais no primeiro dia de conflito.
Segundo relatos, o Camboja disparou foguetes e projéteis de artilharia, enquanto o Exército tailandês realiza ataques aéreos contra alvos militares e emprega tanques e tropas terrestres na ofensiva.
Um foguete que explodiu próximo a um posto de combustíveis na província de Sisaket, na Tailândia, fez a maior parte das vítimas. Imagens do local mostraram fumaça saindo de uma loja de conveniência anexa ao posto. Autoridades provinciais disseram que a maioria dos mortos eram estudantes.
Trump diz que cessar-fogo é possível
A repórteres, o primeiro-ministro interino da Tailândia, Phumtham Wechayachai, disse na sexta-feira que a “agressão está se intensificando e pode evoluir para uma guerra”, mas classificou a atual disputa como uma “altercação com armas pesadas”.
O primeiro-ministro do Camboja, Hun Manet, afirmou que seu país endossou uma proposta da Malásia por um cessar-fogo, mas alegou que Tailândia recuou do acordo. O ministério das Relações Exteriores tailandês argumentou que a proposta só pode sair do papel se baseada em “condições adequadas no terreno”.
Neste sábado, o presidente dos EUA, Donald Trump, afirmou que conversou com os dois líderes e sugeriu que não concluiria um acordo comercial com nenhum dos países caso as hostilidades na fronteira continuassem. Segundo ele, os dois lados concordaram em se reunir para negociar um cessar-fogo, o que ainda não foi confirmado pelos chefes de governo.
Crise diplomática e política
As duas nações discutem há décadas sobre onde a fronteira deveria ser traçada, reflexo de uma disputa que remonta ao mapeamento da região por colonizadores franceses no início do século 20 (leia mais abaixo).
O último confronto de larga escala havia ocorrido no local há quase 15 anos, mas as tensões voltaram a crescer em maio, quando um soldado cambojano foi morto em um tiroteio pontual.
As tensões desencadearam uma crise política interna na Tailândia, onde a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra foi suspensa do cargo no início de julho, alvo de uma investigação ética sobre sua conduta.
Ela é acusada de prejudicar interesses nacionais do país ao fazer uma deferência ao ex-governante do Camboja Hun Sen sobre as questões fronteiriças durante uma ligação diplomática que foi vazada à imprensa.
Na última quarta-feira, cinco soldados tailandeses foram feridos pela explosão de uma mina terrestre localizada na região de fronteira. Bangkok alegou que os dispositivos haviam sido colocados recentemente na região disputada e, em retaliação, expulsou o embaixador cambojano e chamou de volta seu próprio embaixador.
Movimento similar foi feito pelo Camboja, que expulsou diplomatas e reduziu as relações entre os países ao seu “nível mais baixo”.
Países acusam o outro lado de iniciar conflito
Agora, ambos os lados culpam o outro por iniciar os combates. Um dia após a convocação dos embaixadores, militares tailandeses que patrulhavam o templo Prasat Ta Muen Thom disseram ter ouvido um drone cambojano e visto soldados se aproximando do posto militar carregando um lança-foguetes. O templo fica em território tailandês a menos de um quilômetro da fronteira.
A Tailândia afirmou que sua tropa deu um grito de alerta, mas as forças cambojanas abriram fogo em direção ao lado leste do templo, perto da base tailandesa.
O governo mais tarde acusou o Camboja de realizar um “ataque direcionado contra civis” e rotulou o país vizinho de ser “desumano, brutal e sedento por guerra”.
A embaixada tailandesa na capital cambojana Phnom Penh pediu que seus cidadãos deixassem o país o mais rápido possível. Toda a fronteira foi fechada para trânsito de pessoas e os moradores da região foram evacuados.

Camboja pede intervenção do Conselho de Segurança
O Camboja disse que suas forças agiram em legítima defesa para “repelir uma incursão tailandesa”. “O Exército tailandês violou a integridade territorial do Reino do Camboja ao lançar um ataque armado contra as forças cambojanas posicionadas para defender o território soberano do país”, disse a porta-voz do ministério da Defesa, Maly Socheata, em comunicado.
O primeiro-ministro do Camboja, Hun Manet, pediu uma reunião urgente do Conselho de Segurança da ONU para tratar do que seu governo chamou de “agressão militar não provocada”.
“Considerando as recentes agressões extremamente graves por parte da Tailândia, que ameaçaram gravemente a paz e a estabilidade na região, peço sinceramente que convoque uma reunião urgente do Conselho de Segurança para deter a agressão tailandesa”, escreveu ele.
A China, aliada do Camboja, declarou estar “profundamente preocupada” com os combates, pediu diálogo e ofereceu mediação.
Disputa mal resolvida há um século
O desacordo dos dois países sobre a delimitação da fronteira teve início no começo do século 20, quando a França, que ocupava o atual Camboja, fez um acordo com Sião, atual Tailândia.
O importante templo hindu de Preah Vihear, do século 11, acabou ficando do lado cambojano, o que passou a ser contestado pelo país vizinho. Na década de 50, após o fim do protetorado francês no Camboja e a retirada das tropas europeias da região, a Tailândia ocupou o templo, considerado simbólico para os dois povos.
Em 1962, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) analisou o caso e decidiu que Preah Vihear pertence ao Camboja.
No entanto, a Tailândia passou a considerar que as áreas adjacentes ao templo não constavam no despacho da Corte e reativou conflitos ao longo da fronteira.
Em 2011, as trocas de agressões atingiram seu ápice. Milhares de pessoas foram deslocadas e ao menos 20 morreram. As relações melhoraram após a CIJ emitir nova decisão, em 2013, desta vez delimitando toda a província de Preah Vihear como pertencente ao Camboja. À época, a Tailândia acatou o acordo.
gq (AFP, DW, OTS)
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