Ricardo Fan
No dia 28 de julho de 2025, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o tenente-coronel do Exército Rafael Martins de Oliveira retirasse a farda antes de depor como réu no caso da chamada “trama golpista”.
O militar reapareceu poucos minutos depois em trajes civis, e o interrogatório foi realizado. O episódio, embora aparentemente simples, toca em questões centrais da República: o papel simbólico da farda, os limites institucionais das Forças Armadas e a competência constitucional para julgar crimes militares com implicações políticas.
Constituição, símbolo e julgamento: a farda em debate
A Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 142, que as Forças Armadas se destinam à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa destes, da lei e da ordem. Trata-se de um papel de alta responsabilidade, com base na hierarquia e disciplina e fundamentado na neutralidade política.
A farda, nesse contexto, não é apenas indumentária funcional. Ela é símbolo de um compromisso com a soberania nacional, com o dever, com a honra. Ao usar a farda para comparecer ao tribunal, o tenente-coronel não necessariamente buscava blindagem institucional, mas pode ter pretendido reafirmar sua identidade militar, expressar lealdade à corporação e orgulho pelo serviço prestado à Nação — ainda que tal gesto, juridicamente, não seja apropriado no ambiente judicial.
A Justiça, nesse caso, agiu para preservar a isenção do processo penal. A ordem para retirada do uniforme visou evitar distorções simbólicas, como a ideia de que a instituição militar estava ali sendo julgada, ou se manifestando coletivamente — quando o ato, na verdade, era de responsabilidade individual.
Uniforme do Exército vs. uniforme policial e de outras profissões
O uso da farda do Exército em interrogatório judicial (civil) é distinto do uso de uniformes de trabalhadores civis ou policiais. Estes, ainda que relevantes, não expressam a força armada do Estado voltada à defesa da soberania nacional.
Enquanto policiais militares têm atuação direta em segurança pública e comparecem rotineiramente a audiências judiciais, os membros do Exército não desempenham funções típicas de segurança interna — sua missão é a defesa externa e a estabilidade institucional.
A presença fardada de um oficial do Exército em juízo, ainda que por orgulho pessoal, pode gerar leituras ambíguas no ambiente da Justiça, motivo pelo qual a neutralidade visual é recomendada.
Competência para julgar militares da ativa em crimes contra a ordem constitucional
A acusação contra o tenente-coronel envolve suposta participação em uma tentativa de subverter a ordem democrática e atacar os poderes da República — entre eles, o próprio Presidente, que é o chefe supremo das Forças Armadas.
Embora crimes como motim sejam tipicamente julgados pela Justiça Militar (art. 125, §4º, CF e Código Penal Militar), quando o delito possui repercussão direta sobre a ordem constitucional e envolve autoridades com prerrogativa de foro, a competência é deslocada para o STF (art. 102, I, “a”, CF).
Portanto, o julgamento no STF não é uma afronta à justiça militar, mas uma aplicação do princípio da supremacia da Constituição. A Justiça Militar continua essencial na ordem jurídica, mas a Constituição é o teto comum a todas as jurisdições.
Justiça, símbolo e identidade
O episódio revela um ponto sensível: a relação entre identidade institucional e neutralidade processual. A farda, ao ser usada por um réu militar em tribunal, pode de fato ser um gesto de honra e pertencimento — mas o devido processo exige que essa manifestação seja moderada diante da necessidade de igualdade entre os cidadãos perante a lei.
O STF, ao determinar a troca de vestimenta, não desonrou a farda, nem negou a dignidade do militar. Apenas reafirmou que no tribunal, o julgamento é do cidadão, não da instituição que ele representa.
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