Após críticas da PGR ao acordo de delação, Mauro Cid teme condenação superior a dois anos e perda do posto e da patente
Rafael Moraes Moura
Brasília – As 78 páginas das alegações finais de Mauro Cid enviadas ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), na noite da última terça-feira (29) expõem não apenas a irritação de sua defesa com a Procuradoria-Geral da República (PGR), acusada de deslealdade ao criticar os benefícios do seu acordo, mas também marcam um apelo do delator para manter de pé as cláusulas da sua colaboração premiada.
A defesa de Cid alega que, mesmo diante de “omissões pontuais”, que “se deram por absoluto desconhecimento das eventuais ações planejadas”, o tenente-coronel jamais “retirou sua adesão ao acordo ou se insurgiu contra sua validade”. Também sustenta que o militar “isolou-se, perdeu aqueles que considerava seus amigos, a convivência em sociedade, o exercício de sua profissão, foi e continua sendo tachado de traidor”.
“A eventual reticência em narrativas envolvendo os fatos mais sensíveis deve ser compreendida à luz do contexto de medo, isolamento e pressão psicológica a que esteve submetido e que perdura desde maio de 2023”, sustentam os advogados de Cid, em referência à decisão de Moraes de mandá-lo prender há dois anos, no âmbito das investigações de falsificação de dados sobre vacinação contra Covid no sistema do SUS.
O ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro pediu a Moraes para ser absolvido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) ou condenado a uma pena inferior a dois anos de prisão, em um esforço para manter o posto e a patente – e não correr o risco de ser expulso das Forças Armadas.
Essa é a principal cláusula do acordo de colaboração premiada firmado entre a Cid e a Polícia Federal, homologado pelo STF em setembro de 2023. O benefício ficou sob ameaça após o parecer do procurador-geral da República, Paulo Gonet, criticar a “narrativa seletiva” do tenente-coronel, apontar omissões, se opor ao perdão judicial do delator – e defender uma redução mínima de sua pena.
“Mauro Cid, em sua colaboração rompeu totalmente com uma estrutura de silêncio e obediência militar-política, sendo a primeira de vulto na história do país, oriunda do núcleo mais próximo do ex-presidente da República”, afirma a defesa de Cid.
“Essa quebra de fidelidade institucional é, por si só, um marco histórico — e como tal deve ser reconhecida como critério subjetivo relevante para a concessão dos benefícios pleiteados e homologados por decisão judicial, quais sejam: perdão judicial ou pena privativa de liberdade não superior a dois anos.”
Cid é réu por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o patrimônio da União, e deterioração de patrimônio tombado.
Somados, os crimes podem totalizar uma pena de 43 anos. Logo, se o parecer de Gonet for acolhido pelos ministros do STF, com uma redução de pena de somente ⅓. existe o risco concreto de a pena final ainda assim ser elevada.
Caso seja condenado a mais de dois anos pelo Supremo, Cid deverá ser alvo de um futuro julgamento no âmbito do Superior Tribunal Militar (STM) que decidirá se o tenente-coronel é indigno ou não de pertencer às fileiras do Exército. É um julgamento que vai tratar dos aspectos éticos e morais do oficial sob o prisma do Estatuto dos Militares.
“É mais fácil o corporativismo do STM salvar generais do que um tenente-coronel delator”, afirmou um integrante do STM ouvido em caráter reservado.
Para a defesa de Cid, o “princípio da proteção da confiança legítima impõe que o Estado honre sua parte no acordo, especialmente quando a colaboração foi efetiva, eficaz, voluntária e colocada em risco por pressões externas e coações indiretas”.
“Nesse sentido, negar o perdão judicial ou os benefícios expressamente previstos no acordo e homologados pelo eminente Relator Ministro Alexandre de Moraes, seria penalizar a vítima da perseguição por não ter colaborado de forma perfeita e integral em um ambiente claramente hostil, ameaçador e antidemocrático.”
‘Conto de ficção’
A defesa de Mauro Cid chegou a compará-lo a Josef K, protagonista do livro “O processo”, de Franz Kafka, que retrata a vida de um funcionário de banco que é preso e investigado por um crime do qual não é informado.
“Assim como Josef K., Mauro Cid encontra-se enredado em uma trama que a acusação se funda em fragmentos ambíguos de mensagens, interpretações subjetivas e presunções ideológicas, em vez de provas objetivas ou pelo menos confirmadas em Juízo. A narrativa da acusação, ao buscar imputar-lhe um crime que exige dolo sem conduta individualizada e específica e, sobretudo, de sem qualquer ação concreta sua, figura-se, máxima vênia, um conto de ficção”, sustentam os advogados do militar.
O acordo de colaboração premiada de Cid já havia sido questionado pelo ministro Luiz Fux em março deste ano, durante o julgamento em que votou pelo recebimento da denúncia contra Bolsonaro e outros sete investigados.
“Nove delações representam nenhuma delação”, disparou Fux, em referência aos sucessivos depoimentos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro após inconsistências em oitivas anteriores. “Eu não tenho a menor dúvida que houve omissão. Tanto houve omissão que houve nove delações”.
Malu Gaspar (O GLOBO) – Edição: Montedo.com
O post Cid recorre a Moraes para escapar de expulsão das Forças Armadas apareceu primeiro em Montedo.com.br.