Justiça Federal: família de recruta que mørr&u por exaustão física em treinamento do Exército em Rondônia ganha indenização e pensão

 

Uma sentença histórica condena a União por negligência em Rondônia

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A Justiça Federal de Rondônia proferiu uma decisão impactante no caso da morte do jovem militar João Victor Dantas, ocorrida em 7 de julho de 2020, durante um treinamento para o Curso de Formação de Cabos (CFC) do Exército Brasileiro. A sentença, emitida pelo juiz federal Vinicius Cobucci Sampaio, da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Rondônia, condena a União ao pagamento de indenização por danos morais no valor de 500 salários mínimos, além de pensão vitalícia à mãe da vítima, Rosangela Barbosa Dantas. O caso expõe graves falhas no sistema de treinamento militar, com relatos de condições desumanas que levaram ao óbito do soldado por exaustão física.

A defesa da família foi feita pelo advogado Muryllo Ferri Bastos, que declarou ‘ter dado o primeiro passo no sentido de promover justiça para os familiares’, “apesar de não amenizar o sofrimento de perda, ao menos agrega um sentimento de justiça para os familiares de uma pessoa tão jovem, que foi tirado do seio de sua família de forma tão brutal e covarde”, destacou o advogado.

Contexto da tragédia: um treinamento fatal
João Victor Dantas, descrito como um jovem saudável e sem comorbidades, faleceu durante uma atividade de patrulha-escola em terreno de mata fechada, sob condições climáticas adversas e com carga excessiva. Segundo o Inquérito Policial Militar (IPM) nº 64268.005326/2020-27, anexado ao processo judicial (autos nº 1007658-43.2022.4.01.4100), o militar foi submetido a uma série de abusos que incluíram:

  • Carga excessiva: João Victor carregava entre 32,8 kg e 75,7 kg, podendo chegar a mais de 90 kg, enquanto o regulamento do Exército limita a carga a 30 kg. O instrutor chegou a cortar as alças de um cunhete para forçar o transporte individual.
  • Privação hídrica e calórica: Os alunos tiveram alimentação precária no dia anterior ao treinamento, com almoço em apenas 3 minutos e ausência de jantar devido a atividades punitivas. O consumo de água foi restrito e condicionado à autorização do instrutor.
  • Falta de descanso: Durante quase 4 horas de marcha, houve apenas uma pausa de 15 minutos, na qual os alunos permaneceram de joelhos e com todo o equipamento, contrariando normas que preveem paradas regulares.
  • Castigos físicos: Atividades não previstas, como corridas e “mergulhos” em tanques d’água, foram impostas aos militares.
  • Socorro deficiente: Quando João Victor apresentou sintomas graves, o atendimento médico foi tardio, a ambulância não possuía oxigênio e o local de difícil acesso dificultou o resgate.

A certidão de óbito aponta como causas da morte: choque circulatório, convulsão reentrante, encefalopatia hipoglicêmica, hipoglicemia, hipovolemia e insuficiência renal aguda. Depoimentos de médicos, como o da 1º Tenente Lívia Karla de Almeida, reforçam que o quadro clínico foi resultado de esforço físico extenuante aliado à restrição hídrica e calórica, descartando doenças pré-existentes.

Decisão judicial: responsabilidade objetiva da União
Na sentença proferida em 29 de julho de 2025, o juiz Vinicius Cobucci Sampaio destacou a responsabilidade objetiva da União, conforme o artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que determina que o Estado deve responder por danos causados por seus agentes, independentemente de dolo ou culpa. A União tentou alegar caso fortuito para se eximir da responsabilidade, mas o conjunto probatório foi considerado “robusto e conclusivo” pelo magistrado, apontando um nexo causal direto entre as ações negligentes dos agentes militares e o óbito do jovem.

A indenização por danos morais foi fixada em 500 salários mínimos, valor máximo estipulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para casos de dano-morte, sendo metade destinada à mãe, Rosangela Barbosa Dantas, e a outra metade dividida igualmente entre os demais familiares (Maria Telma Barbosa da Costa, Rafaela Dantas de Souza, Rudivan Dantas Pardo e Thamiris Natalia Dantas Pardo). Além disso, foi concedida pensão vitalícia à genitora, calculada em 2/3 do soldo de João Victor até a data em que ele completaria 25 anos, reduzindo-se para 1/3 até os 65 anos ou até o falecimento da beneficiária.

O juiz também criticou duramente os atos praticados, classificando-os como “verdadeira prática de atos de tortura” e destacando a necessidade de uma indenização elevada para evitar a repetição de tais condutas. Ele mencionou que a União tem o direito de buscar reparação contra os agentes públicos responsáveis por meio de ação de regresso.

Cronologia da morte:

1 – JOÃO VICTOR DANTAS inscreveu-se no Curso de Formação de Cabos do ano de 2020, para período de instruções de 11 maio à 10 julho do ano de 2020, totalizando 08 semanas de instrução.

2 – No dia 06 de julho de 2020, um dia antes do fatídico, DANTAS, juntamente com seus colegas, participaram de atividades físicas leves e instrutórias. Durante o almoço, o sargento LÚCIO ordenou que os cabos comessem em 3 minutos, de modo que muitos comeram de forma precária e alguns sequer almoçaram.

3 – No período da noite, por volta das 18 horas, havia previsão de que todos os cabos fossem liberados para pernoitar em casa. Ocorre que em virtude de atividades extras determinadas pelo 2º Sgt MATHEUS LOPES DOS SANTOS, todos os cabos permaneceram no quartel até às 19h, e diante do tardar da noite, vez que teriam de acordar às 3 horas no dia seguinte, a maioria decidiu pernoitar no quartel.

4 – Diante das atividades extras determinada pelo 2º Sgt MATHEUS LOPES DOS SANTOS, todos os cabos não jantaram, restando-lhes tão somente a ceia, da qual DANTAS não participou, tendo se alimentado com um pedaço de pizza que havia sido pedida por todos.

5 – No dia seguinte, todos os cabos acordaram no horário de costume e foram para a cerimonial na 2º Companhia de Fuzileiros. Durante todo o dia, o comando foi do 2º Ten Inf RAFAEL BUERY DE MELO CAMPELO, indiciado no inquérito militar.

6 – Os cabos se apresentaram ao tenente CAMPELO, que não satisfeito, determinou que todos os cabos dessem voltas ao redor da 2º CIA (distância de aproximadamente 210 metros – Conforme laudo pericial), situação que perdurou até o café da manhã. A partir de todas as narrativas, concluiu-se que os cabos deram em torno de 20 a 25 voltas, durante as quais se molhavam em uma caixa com água (talo) e carregavam o cunhete (caixote) com areia e lajotas, o AT4 com concreto e madeira dentro e um tijolo.

7 – Os cabos tomaram café da manhã, que consistiu em um pão de leite, uma broa, um pão doce e uma caneca de suco.

8 – Arranchados, os militares se apresentaram para a patrulha-escola do dia, com equipamentos individuais e coletivos, a saber: Fardo aberto, mochila de combate, capacete e fuzil e carregavam, com revezamento ou não, os seguintes materiais coletivos: 3 AT4 de madeira e concreto, morteiro, caixote com 3 lajotas dentro, 3 FAP, 2 MAG, 2 reparos da MAG e duas rádios Fallcon II. Dantas ainda carregava o FAP, tijolo que simbolizava a rádio Falcon Il e chegou a transportar, momentaneamente, uma segunda mochila, um AT-4 e uma lajota pertencente ao caixote (tudo conforme laudo pericial de fls. 163/193 e oitiva de testemunhas).

9 – Segundo o laudo pericial de avaliação do material, DANTAS carregava durante a marcha de patrulha, no dia 07/07/2020, entre 32,8kg e 75,7kg (chegando a mais de 90 kg, já que desconsiderado o peso do cunhete (caixote)..

10 – Municiados e prontos para a patrulha escolar a ser realizada e sob os comandos do 2º Ten Inf RAFAEL BUERY DE MELO CAMPELO, todos embarcaram na viatura 5 ton e foram até o campo de instrução Marechal Cândido Rondon.

11 – Durante a patrulha escolar, não era permitido o consumo de alimentos. Todos os alunos possuíam dois cantis com água de aproximadamente 1 litro cada, além de uma garrafa pet com mais dois litros de água.

12 – Em que pese o depoimento dissonante do indiciado, os depoimentos dos alunos foram uníssonos em afirmar que o consumo de água era limitado, apesar da época do treinamento – julho de 2020, mês sabiamente quente e seco. O dia em questão estava ensolarado e muito seco.

13 – Os cabos iniciaram a marcha, com aproximadamente 7 km de distância, em trajeto de mata fechada, encharcado e desníveis.

14 – O percurso era árduo e todos os cabos carregavam grande quantidade de peso, por ordem direta do 2º Ten Inf RAFAEL BUERY DE MELO CAMPELO.

15 – Segundo relato das testemunhas, DANTAS foi o escolhido para, além de carregar todos os equipamentos individuais, levar consigo uma lajota de aproximadamente 4,2 kg, durante todo o percurso.

16 – Diante do suposto descumprimento de ordens suas, o 2º Ten Inf RAFAEL BUERY DE MELO CAMPELO cortou as alças do cunhete (caixote), que continha areia e tijolos, e deveria ser carregado por duas pessoas, pesando mais de 20kg. Dessa forma, o cunhete passou a ser carregado tão somente por uma pessoa.

17 – Durante o percurso, o cunhete de madeira se rompeu e as lajotas que nele haviam foram divididas entre os cabos, sendo colocadas nas mochilas, dentre elas, a de DANTAS.

18 – Segunda a oitiva das testemunhas, não houve revezamento dos materiais, já que todos, ao total de 15 cabos, estavam extremamente sobrecarregados.

19 – DANTAS chegou, por vezes, a carregar, além de seu equipamento individual (mochila, fardo aberto, capacete, fuzil), lajotas, em alguns momentos o cunhete (antes de se romper), em outros o AT4 de concreto ou madeira (haviam três) e a mochila de alguns colegas que estavam passando mal.

20 – Durante o percurso, vários alunos se sentiram mal, motivo pelo qual tiveram que tomar glicose, além de alívio do peso, que era repassado aos colegas.

21- Em que pese a quantidade de carga, todos os depoimentos foram uníssonos em afirmar que durante todo o percurso de aproximadamente 7 km, sob o escaldante sol do mês de julho, em região de mata e obstáculos, houve tão somente um alto (parada) de 15 min, quando todos os cabos ficaram de joelhos, sem descarregar o material, contrariando o Manual de Campanha Marcha a Pé que prevê altos a cada 45 min e com a descarga do material, fato que será melhor pormenorizado.

22 – Após passarem uma região de charco, em extremo desgaste físico e emocional, DANTAS, no último percurso do trajeto, começou a sentir-se mal, sendo relatado tonturas e alucinações.

23 – Em um primeiro momento, foi ministrado glicose e retirado todos os equipamentos que carregava. Ainda assim, a situação se agravou e DANTAS perdeu a consciência e desmaiou.

24 – Os militares estavam em uma região de difícil acesso, local em que a viatura 5 ton não chegava e nem a ambulância, a qual já havia sido acionada.

25 – Com uma maca improvisada, deslocaram DANTAS até a viatura 5 ton, que o levou até a ambulância, que não estava equipada com oxigênio, em que pese a exigência no pedido de resgate.

26 – DANTAS foi levado ao CADIP (Centro de Atendimento aos Dependentes, Inativos e Pensionistas) do quartel e atendido pelos médicos 1º Ten Med LIVIA KARLA DE ALMEIDA, 1º Ten Med PEDRO CARRARA NETO e Asp Of Med MURILO MELOCRA, este último, responsável pela confecção do laudo pericial.

27 – Realizados os procedimentos de estabilização, o cabo não reagiu de forma adequada ao tratamento, motivo pelo qual foi solicitado transporte aéreo para o Hospital do Exército de Porto Velho/RO. Infelizmente, durante o percurso, DANTAS teve uma parada cardiorrespiratória e veio a óbito.

28 – Conforme certidão de óbito e laudo pericial, a morte decorreu de “Choque circulatório, Convulsão reentrante, Encefalopatia, Hipoglicêmica. Hipoglicemia, Hipovolemia, Insuficiência renal aguda”.

A linha do tempo dos fatos está demonstrada para melhor análise e compreensão apriorística dos fatos e causa de pedir e foi descrita a partir do conjunto probatório do inquérito policial militar.

Repercussão e contexto adicional
A morte de João Victor Dantas não é um caso isolado de abusos em treinamentos militares no Brasil. Embora não tenham sido encontradas informações recentes específicas sobre esse caso em redes sociais ou jornais além do documento judicial, casos semelhantes já foram reportados em anos anteriores. Por exemplo, em 2019, o portal G1 noticiou incidentes de maus-tratos em treinamentos do Exército em outras regiões do país, levantando debates sobre a necessidade de maior fiscalização e humanização nas atividades militares.

No contexto de Rondônia, onde o caso ocorreu, a decisão judicial pode abrir precedentes para outras famílias que enfrentam situações similares. A sentença também reforça a importância de se respeitar as normas regulamentares e os direitos humanos, mesmo em ambientes de alta rigidez como o militar. Como destacou o juiz, “é triste constatar que um jovem que se dedicou a dever tão nobre tenha sido traído pelo próprio Estado que pretendia defender”.

Impacto social e político
O caso de João Victor Dantas traz à tona questões sobre a governança militar e a proteção dos direitos dos soldados no Brasil. A decisão da Justiça Federal pode pressionar o Exército a revisar protocolos de treinamento e a implementar medidas mais rigorosas de supervisão para evitar abusos. Além disso, a denúncia oferecida pelo Ministério Público Militar contra o instrutor responsável, já recebida pela Justiça Militar, indica que os desdobramentos criminais do caso ainda estão em curso, o que pode trazer mais respostas às famílias afetadas. Leia mais.
PAINEL POLÍTICO – Edição: Montedo.com

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