Exército tenta manter sigilo no caso Rubens Paiva

 

Exército alega ter o dever de levar todos os casos até a última instância antes de fornecer dados que possam “violar direitos de parentes de militares”

 

Carla Araújo
O Exército prepara a resposta para a determinação da CGU (Controladoria-Geral da União) de revelar as fichas completas dos militares envolvidos no assassinato do ex-deputado federal Rubens Paiva durante a ditadura. E vai reforçar que há dados que devem ser preservados.

A informação sobre a decisão da CGU foi revelada pela colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo. O órgão deu o prazo de 30 dias para que o Exército apresente as fichas funcionais completas dos oito militares envolvidos na morte de Rubens Paiva. O Exército alega que já enviou parte do material que considera pertinente ao pedido solicitado. E agora prepara uma nova manifestação reforçando seus argumentos.

O UOL apurou que o Comando do Exército justifica a resposta à CGU como um rito considerado praxe nos casos que envolvem o que eles classificam como dados pessoais de militares. A alegação é que o Exército tem o dever de tentar levar todos os casos até a última instância possível antes de fornecer os dados que possam eventualmente “violar direitos de parentes de militares, por exemplo”.

A história de Rubens Paiva foi retratada recentemente no filme “Ainda Estou Aqui”, do diretor Walter Salles. Ganhadora do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2025, a película conta a história de Eunice Paiva, mãe de 5 filhos que precisou lidar com o desaparecimento de seu marido, o engenheiro e ex-deputado Rubens Paiva, assassinado pela ditadura militar.

Fontes ligadas ao Alto Comando dizem que não há intenção de esconder e não responder aos questionamentos feitos pelas autoridades, e sim que entendem que algumas informações não seriam necessárias para a resposta solicitada via LAI (Lei de Acesso à Informação), feita, inicialmente, pela ONG Fiquem Sabendo. Além disso, argumentam que os familiares dos militares alvos do pedido poderiam também questionar judicialmente a conduta do Exército de não tentar preservá-los.

Recurso oficial cabe ao autor do pedido
O pedido de informações sobre o histórico dos militares envolvidos no caso de Rubens Paiva veio a partir de uma solicitação via LAI feita pela ONG Fiquem Sabendo. O Exército, porém, disponibilizou apenas um extrato das fichas e preservou informações que foram consideradas de caráter estritamente pessoal ou que possam expor terceiros.

Pelo rito da Lei de Acesso a Informação não cabe ao Exército nenhum recurso oficial contestando a decisão da CGU. Eles tentarão, no entanto, convencer às autoridades – via um recurso chamado incidente de correção – de que a demanda não precisa ser completamente atendida. E já trabalham com o cenário de que o caso chegará até a última instância.

A Lei de Acesso à Informação classifica quatro instâncias para recursos. A primeira é a “autoridade hierarquicamente superior à que negou ou respondeu de forma insatisfatória o pedido inicial”. Depois, o caso vai para a “autoridade máxima do órgão ou entidade”.

A CGU é a terceira instância. Depois dela, o caso pode ir parar na quarta e última instância, que é a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI).

Só cabe ao autor do pedido de LAI, no entanto, acionar a CMRI. E mesmo diante da resposta que será enviada à CGU (chamada juridicamente de “incidente de correção”), o Exército já espera que a ONG faça uma nova contestação.

Chegar até a última instância em caso envolvendo sigilo de dados, segundo militares ouvidos pela coluna, também aconteceu durante a Comissão da Verdade. Ou seja, por respeitarem o protocolo interno, o Exército costuma ‘arrastar’ ao máximo os casos.

Eles dizem, porém, que se a CMRI determinar a abertura total de dados a decisão será respeitada e todas as informações serão fornecidas.

A Comissão Mista de Reavaliação de Informações foi instituída pela Lei de Acesso em 2011 e atua “como última instância recursal face as negativas dos órgãos do Poder Executivo federal aos pedidos de acesso à informação oriundos de pessoas físicas ou jurídicas”.

O órgão é um colegiado não remunerado, composto pelos titulares de dez ministérios e presidido pelo titular da Casa Civil.

Violação praticada por agentes públicos
A CGU se posicionou a favor dos pedidos da ONG e determinou o prazo de 30 dias para o Exército fornecer todos os dados. Na decisão, a CGU afirma que o assassinato de Rubens Paiva foi cometido pelo Estado brasileiro e que houve violação de direitos humanos.

O envolvimento dos referidos militares em atos de tortura e na morte do ex-deputado Rubens Paiva está pormenorizadamente relatado no Relatório da Comissão Nacional da Verdade, indicando que essas violações de direitos humanos foram por eles praticadas em virtude do cargo e da função ocupada na Administração Pública.
Trecho da decisão da CGU pedindo os dados de militares envolvidos na morte de Paiva

Ademais, a certidão de óbito acostada ao pedido de acesso à informação demonstra que a morte foi causada pelo Estado brasileiro. Resta, portanto, caracterizado que tais condutas implicam violação de direitos humanos, praticadas por agentes públicos, e que tais informações não podem ser objeto de restrição de acesso.
Trecho da decisão da CGU pedindo os dados de militares envolvidos na morte de Paiva

CGU rebate argumentos ‘tecnológicos’
A CGU diz ainda que “o tarjamento das informações pessoais” é uma alternativa prevista na LAI e diz que “não foram identificadas razões de ordem técnica e fundamento legal para a negativa de acesso, neste caso específico”.

Além disso, a CGU rebateu o argumento já apresentado pelo Comando do Exército de que as “fichas funcionais se referem a documentos antigos, que estão dispostos em microfilmes, que só podem ser visualizados por equipamento específico”.

Este parece ser um problema operacional passível de solução, pois depreende-se dos esclarecimentos prestados pelo CEX que o equipamento utilizado pelo órgão é compatível com um software, que converte a documentação em arquivos no formato “.pdf”. 25. Compreende-se que a situação que envolve os militares objeto do pedido é excepcional e clama por uma decisão alinhada com as disposições do art. 21, parágrafo único da LAI e assiste razão ao recorrente de que o fornecimento do extrato, nos termos definidos em 2015, não é suficiente para a análise dos fatos históricos relevantes em que esses militares estiveram inseridos. E, assim, entende-se que devem ser fornecidas as informações.
Trecho da decisão da CGU pedindo os dados de militares envolvidos na morte de Paiva

UOL – Edição: Montedo.com

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