Recursos da Defesa caíram 15% em uma década e investimentos caíram pela metade

 

A Guerra no Século XXI: Modernização das Forças Armadas do Brasil esbarra em questões orçamentárias, derrubando investimentos em manutenção e aquisição de equipamentos e desenvolvimento de tecnologias

 

Thayz Guimarães
“Pinga, mas não falta”, dizem os entendidos do assunto. O Ministério da Defesa ocupa a quinta maior fatia do Orçamento público brasileiro, mas convive com restrições que comprometem a modernização de suas Forças Armadas em ritmo dinâmico e perene para se adequar às demandas de prontidão impostas pelos novos formatos de guerra e conflito travados no século XXI, avaliam fontes consultadas pelo GLOBO. Autoridades e especialistas concordam que o principal obstáculo é o orçamento. Mas enquanto alguns apontam a falta de previsibilidade como o grande vilão, outros criticam o modelo salarial e previdenciário dos militares, que faz com que a folha de pagamento seja inchada e concentre quase 90% do montante destinado à Pasta, afirmam.

Fato é que o Brasil apertou o cinto nos últimos anos. Em 2024, o país gastou aproximadamente R$ 124 bilhões com Defesa. Em valores corrigidos, isso representa uma queda de cerca de 15% em relação aos investimentos registrados uma década antes, segundo dados oficiais do Ministério da Defesa e estimativas do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla original), que produz um anuário de despesas militares desde 1949.

A queda mais expressiva foi a dos gastos não obrigatórios — o que sobra depois de pagar salários, aposentadorias, pensões e indenizações. Essa fatia, destinada a equipamentos, infraestrutura, pesquisa e desenvolvimento, entre outros, caiu 50%, de R$ 20,6 bilhões para R$ 10,9 bilhões. Mesmo o governo o do então presidente Jair Bolsonaro, visto como mais próximo dos militares, cortou investimentos. Em contraste, foi durante o mandato de Dilma Rousseff que a Defesa mais recebeu recursos.

— Ao longo dos últimos governos, a Defesa foi empobrecendo, foi ficando sem perspectiva financeira — avalia o ministro da Defesa, José Múcio. — Tudo é muito caro na Defesa, mas você não pode deixar de tê-la. O barão do Rio Branco dizia que cabe ao bom diplomata ter uma boa esquadra nas suas costas para que a persuasão não seja um pedido. A Defesa é o que vai na frente para evitar que haja o combate.

‘A CONTA-GOTAS’
Uma expressão comum entre militares é que “não se escolhe um navio na prateleira”, o que significa que não é possível adquirir equipamentos e tecnologias estratégicos de forma simples e imediata como se compra um produto em uma loja. Entre a encomenda de um meio e seu emprego de fato geralmente leva-se anos. Mas a falta de previsibilidade orçamentária dificulta a execução de projetos, argumenta o coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho, mestre em Ciências Militares.

— Esses programas são planejados conforme a previsão orçamentária dos Planos Plurianuais [de quatro anos]. Mas quando a Lei Orçamentária Anual é aprovada, já não traz o valor previsto no PPA. Quando vai haver a execução [dos recursos], há o contingenciamento e o corte orçamentário — diz. — A conta nunca fecha.

Um bom exemplo é o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron) do Exército. Iniciado em 2012 com a proposta de ser o maior programa de vigilância de fronteiras terrestres em execução no planeta, o projeto já sofreu diversos atrasos por falta de recursos e sua implantação deve ficar para 2039.

— O problema dessa modernização a conta-gotas que acontece no Brasil é que leva-se muito tempo num projeto, mas no momento em que ele está mais ou menos pronto, já foi completamente ultrapassado — avalia Vinicius Mariano de Carvalho, professor do Departamento de Estudos de Guerra do King’s College de Londres. — Estamos sempre nos atualizando para a última versão de capacidades militares, e não para a próxima.

A Marinha é a força que conta com os equipamentos mais defasados. Ela poderá perder por volta de 40% de seus navios até 2028, caso não haja um reforço orçamentário que permita a renovação dos meios navais e a continuidade de projetos estratégicos como o Prosub, parceria com a França que visa construir quatro submarinos convencionais e um com propulsão nuclear. E isso num momento em que o Brasil ampliou seu território marítimo em 360 mil km2, depois que as Nações Unidas reconheceram, em março, a incorporação da Margem Equatorial. O trecho entre Amapá e Rio Grande do Norte inclui cinco bacias e 42 blocos com reservas que podem ultrapassar mais de 10 bilhões de barris de petróleo, e está no centro de divergências entre a Petrobras e ambientalistas.

 

PISO ORÇAMENTÁRIO
Há anos, o Brasil investe, em média, 1% do PIB em Defesa. O valor proporcional é inferior à média global de 2,4% em 2024 e também ao de vários vizinhos sul-americanos. Atualmente, o país aparece na sexta posição do ranking regional, atrás de Colômbia (3,4%), Uruguai (2,3%), Equador (2,2%), Chile (1,6%) e Bolívia (1,4%). A diferença fica maior se considerados os gastos públicos como parâmetro: apenas os argentinos e, possivelmente a Venezuela (que não divulga seus dados), investem uma fatia menor que os brasileiros em questões militares.
Mas é preciso ver como gastam as Forças Armadas do Brasil, ponderam analistas. As despesas com pessoal concentraram 86,2% do orçamento da Defesa em 2024. É mais que o triplo comprometido pelos EUA com sua folha de pagamento. A questão é um tema antigo de debate, mas pouco avançou. Em seu site, o Ministério da Defesa justifica a gorda fatia dizendo que: “Pelas funções que exerce, é inerente à Defesa Nacional ter grande quantitativo de pessoal”.

Os militares têm pressionado o Congresso para dar andamento à PEC 55/2023, que fixa em 2% do PIB o gasto mínimo com as Forças Armadas. Especialistas argumentam que a medida poderia levar o orçamento da Defesa a superar o da Saúde e da Educação, e, por isso, tem sido evitada. A alternativa apresentada pelo ministro Múcio é fixar o orçamento das despesas não obrigatórias em 1,5% da Receita Corrente Líquida (RCL), garantindo um piso mínimo para modernização das forças.

SOLUÇÃO PRAGMÁTICA
Em 2024, a arrecadação da União atingiu R$ 1,430 trilhão. Se aplicada a regra do 1,5%, isso representaria R$ 21,4 bilhões, equivalentes a um adicional de mais de R$ 5 bilhões no orçamento. O valor viria bem a calhar para iniciativas como a aquisição dos modernos caças suecos F-39 Gripen E/F, o projeto estratégico mais caro do país. Segundo o ministro da Defesa, cada uma das 36 unidades contratadas custa em torno de US$ 100 milhões (R$ 557 milhões na cotação atual). Seu objetivo é substituir a frota da Força Aérea e transferir tecnologia de ponta para o Brasil — 15 unidades serão construídas no país. O contrato foi firmado em 2014, mas o programa sofreu uma série de atrasos orçamentários até 2019, o que empurrou o cronograma de plena operação para meados de 2030. Até o momento, apenas oito unidades estão operando e uma está em fase de testes.

Enquanto nenhuma das duas iniciativas avança, o almirante da reserva Antonio Ruy de Almeida Silva aposta numa solução pragmática. Pesquisador sênior do Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense, ele defende uma maior coordenação governamental para melhorar a integração das Forças Armadas com a academia e a iniciativa privada.

— Se não tem muitos recursos, é preciso aumentar a eficiência da coordenação, que é fundamental para qualquer política pública — conclui. — Se não tiver uma boa coordenação, os resultados não são alcançados. O Estado é fundamental para coordenar todos esses setores. Cabe ao Ministério da Defesa dar os caminhos.
O GLOBO – Edição: Montedo.com

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