Por Julio Shidara, presidente da AIAB (Associação das Indústrias Aeroespaciais do Brasil)
A possibilidade de negação de acesso ao sinal de GPS em determinadas regiões do planeta não é apenas uma hipótese teórica — é um risco real e que já aconteceu no passado. Em 1996, durante tensões no Estreito de Taiwan, e em 1999, durante o conflito de Kargil, os Estados Unidos negaram à China e à Índia, respectivamente, acesso ao sinal de GPS nas áreas dos conflitos, motivando-os a desenvolverem seus próprios sistemas de Posicionamento, Navegação e Tempo (PNT, como são conhecidos, genericamente, sistemas como o GPS): Beidou e NavIC, respectivamente.
No Brasil, setores críticos como energia elétrica, telecomunicações, agronegócio, transportes e resposta a emergências, dentre outros, dependem de sistema PNT estrangeiro. Nos EUA, estudos indicam que uma eventual interrupção de 30 dias no GPS causaria ao país perdas econômicas de US$ 30 bilhões, que poderiam chegar a US$ 45 bilhões, caso ocorresse num período crítico para a agricultura – estima-se que os impactos no Brasil também seriam vultosos.
Um sistema de PNT não se limita a posicionamento e navegação, pois é, também, uma referência de tempo precisa (relógios atômicos sincronizados entre si com elevada precisão), indispensável para o adequado funcionamento de vários serviços utilizados pelo cidadão em seu cotidiano como operações financeiras, telefonia celular, internet e energia elétrica. Em cenários de guerra, como no conflito entre Rússia e Ucrânia, interferências provocadas na recepção do sinal de GPS provocaram grandes apagões e colapsos no grid elétrico Ucraniano — um alerta contundente sobre o impacto estratégico dessa tecnologia.
Apesar da existência de alternativas globais (Galileo Europeu, Glonass Russo, Beidou Chinês) e regionais (NavIC Indiano, Michibiki Japonês) ao GPS Americano, a tendência global é a busca por sistemas autóctones. Emirados Árabes Unidos, Turquia e Coréia do Sul já anunciaram projetos próprios, evidenciando que, na atualidade, a garantia de um sistema PNT próprio representa um pilar da soberania de qualquer país.
O Brasil deu um importante passo inicial na busca por um PNT Brasileiro, com a recente criação do Grupo de Trabalho no âmbito do Comitê de Desenvolvimento do Programa Espacial Brasileiro (CDPEB), responsável por diagnosticar vulnerabilidades e propor soluções. No entanto, é essencial que esse processo tenha continuidade e que seja conduzido como programa do Estado Brasileiro, pois trata-se de um projeto complexo, de elevado custo e de longo prazo de execução em que a busca por autonomia tecnológica deve ser o principal objetivo norteador. Na sociedade moderna, a infraestrutura espacial é tão vital quanto estradas ou redes de energia elétrica.
Investir em um sistema soberano de PNT — assim como em satélites de comunicação, observação da Terra e meteorologia — não deve ser encarado como gasto, mas como uma estratégia de eficácia e efetividade comprovadas na promoção de desenvolvimento social e econômico, na medida que gera empregos altamente qualificados, reduz riscos econômicos, atende necessidades essenciais e básicas dos cidadãos, além de fortalecer a Soberania Nacional.
Diversos países já compreenderam que infraestrutura espacial é crítica, essencial e vetor de desenvolvimento social e econômico. O Brasil precisa seguir esse mesmo caminho, com visão de longo prazo, políticas públicas consistentes e o engajamento sinérgico entre governo, indústria e academia. Tratar o setor espacial como prioridade de Estado não é uma escolha política — é uma necessidade estratégica.
A AIAB reitera seu compromisso neste processo, sempre pautada pela seriedade, pela expertise técnica, pelo interesse coletivo e pelo comprometimento com o futuro do País. A AIAB possui convicção inabalável de que o Brasil tem capacidade e competência para superar a atual dependência brasileira de infraestruturas espaciais estrangeiras. Cabe a nós transformar os atuais desafios em oportunidades concretas para mudar a realidade atual.
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