Soldados do Exército russo acusam dupla brasileira de golpes financeiros

Segundo denúncias relatadas à CNN, Arthur Michel e Antônio Neto supostamente retiravam valores das contas de outros brasileiros após assinatura de procuração; Outro lado: acusados alegam inocência e se dizem vítimas de perseguição
Thiago Félix, da CNN, São Paulo

Após publicar em primeira mão o desaparecimento de Anderson de Oliveira Ferreira, a CNN teve acesso a outros soldados que acusam uma dupla de brasileiros de aplicar supostos golpes financeiros contra jovens que pretendiam servir ao Exército russo na guerra contra à Ucrânia.

Pelo menos cinco soldados brasileiros e de outros países da América do Sul entraram em contato com a reportagem para detalhar o suposto ‘modus operandi’ da dupla.

De acordo com os relatos, Arthur Michel e Antônio Neto mantêm um canal de mensagens nas redes sociais sobre como se alistar no Exército russo, alguns brasileiros decidiram aplicar após contato com o material. O conflito entre os países se arrasta desde 2022.

Quando os novos recrutas chegavam à Rússia com recursos próprios, a dupla os auxiliava no processo de tradução dos documentos burocráticos e nos trâmites para o alistamento militar.

Mas um dos papéis assinados era uma procuração que dava acesso à conta bancária dos soldados. Inicialmente a dupla dizia que se tratava de um exame padrão psicológico admissional, de acordo com as acusações.

Depois de enviados para as missões, os militares perceberam saques e movimentações financeiras nas contas bancárias.

A procuração que a CNN teve acesso de uma das supostas vítimas • Arquivo pessoal
A procuração que a CNN teve acesso de uma das supostas vítimas • Arquivo pessoal

Foi o caso de Fernando Mazzo, 44, que decidiu falar abertamente sobre a situação, pois já retornou ao Brasil.

“Chegando lá, a gente assinou uns documentos sem saber o que era. Eu vi o contrato, mas na verdade, não era um centro de psicólogo, era uma espécie de cartório e aquilo era uma procuração. Depois, com essa procuração, eles nos levaram até uma agência bancária. Eles abriram a conta pra gente, que na verdade, não estava no nosso nome, era uma conta vinculada a uma principal dele e eles conseguiriam fazer transação como conta dependente”, aponta Mazzo.

Imagens do Fernando Mazzo, 44, durante o período em que esteve na Rússia • Arquivo pessoal
Imagens do Fernando Mazzo, 44, durante o período em que esteve na Rússia • Arquivo pessoal

Retorno ao Brasil

Mazzo foi para a Rússia em fevereiro deste ano, após ter contato com as publicações da dupla nas redes sociais. Ele embarcou ciente de que iria para o ‘front’ e não contou à família. Após o suposto golpe, ele se frustrou e decidiu voltar.

Ao tentar cancelar o contrato para retornar ao Brasil, Mazzo encontrou dificuldades. “Quando eu disse que queria cancelar o contrato, eles afirmaram que, se eu fizesse isso, seria acusado de deserção”, relatou.

Durante um período de folga, na cidade russa São Petersburgo, ele afirma que foi mantido em um hotel e proibido de sair. “Eu estava no quarto andar, quebrei a janela do prédio e consegui fugir pela escada de emergência. Tive que dormir na rua até conseguir dar baixa no contrato e regularizar meu visto para retornar”, afirma.

Uma das fontes ouvidas pela CNN, que preferiu não se identificar por ainda estar na Rússia, passou pela mesma situação e detalha como funcionava a suposta falsa tradução: “Não entendo russo, não podia usar o celular na sala, não tinha como traduzir. E eu assinei a procuração, pensando que era, como eles diziam um processo para entrar no o Exército”

Prejuízo financeiro

A fonte relata que desviaram da conta aproximadamente um milhão de rublos, ou seja, cerca de R$ 60 mil reais. “Assinamos a procuração e eu só vim dar conta do que era depois que o Arthur entrou e roubou um milhão de rublos”, relata.

Segundo apuração, um soldado brasileiro na Rússia, ao longo do contrato, pode chegar a receber algo em torno de R$ 350 mil reais, considerando bônus por alistamento e soldo.

Imagens do extrato bancário de uma das supostas vítimas. Na conta é possível enxergar movimentações do Arthur Michel, a grafia está diferente por adaptação do alfabeto cirílico • Arquivo pessoal
Imagens do extrato bancário de uma das supostas vítimas. Na conta é possível enxergar movimentações do Arthur Michel, a grafia está diferente por adaptação do alfabeto cirílico • Arquivo pessoal

Além da tensão do combate, a fonte afirma que a situação prejudicou sua dedicação ao serviço militar. “Isso me afetou 100% na missão. Você fica preocupado, não consegue focar. Comecei a abrir várias contas on-line para transferir o dinheiro rapidamente assim que ele caísse”, contou.

Atualmente a fonte em questão aguarda uma cirurgia, após ser ferido, durante uma missão. Ao entrar numa floresta e avistar um drones, foi atingido e perdeu o movimento do pé direito, além de múltiplos ferimentos pelos estilhaços.

Outra vítima do suposto golpe está recebendo ajuda jurídica russa. Em nota enviada à reportagem, o advogado russo Roman Petrov, especializado em direito militar, afirma:

“Um cidadão entrou em contato comigo para obter assistência jurídica. Ele relatou que fundos pagos pelo Ministério da Defesa da Federação Russa, no valor total de 800 mil rublos, foram roubados de seu cartão bancário. Os fraudadores obtiveram acesso à conta. Devido à sua falta de conhecimento da língua russa, uma procuração foi lavrada em seu nome por um tabelião de Moscou e, como ele não fala o idioma, assinou-a sem entender seu verdadeiro significado. Atualmente, a liderança do Ministério de Assuntos Internos da Rússia, a meu pedido, demonstrou interesse em tomar medidas para responsabilizar criminalmente os fraudadores, nos termos do Artigo 159 do Código Penal da Federação Russa”, cita trecho da nota

Fernando Mazzo não se arrepende de ter servido ao Exército russo, mas lamenta o contato que teve com a dupla.

– “O combate não é o problema. O problema é ser lesado e correr o risco de morrer sem que sua família saiba”, diz.

Helade Medeiros, mãe de Anderson, desaparecido na Rússia desde o fim de junho, busca entender o paradeiro e teve uma discussão com Antônio Neto, pois, segundo relatos de outros soldados, seu filho também foi vítima do mesmo golpe.

Fernando Mazzo durante atuação na guerra da Rússia contra a Ucrânia, antes de retornar ao Brasil • Arquivo Pessoal
Fernando Mazzo durante atuação na guerra da Rússia contra a Ucrânia, antes de retornar ao Brasil • Arquivo Pessoal

Outro lado

Procurados pela CNN, a dupla alega ser inocente diante das acusações. O Antônio aponta que “isso é um absurdo. Eu moro na Rússia há 11 anos, sou médico e há alguns meses atrás fiz um trabalho de tradutor para o Exército! … Inicialmente era uma fraude de promessa de trabalho falso, agora já mudaram a versão?! Vocês sabem que temos inimigos no mundo todo, Europa etc, todos do lado da Ucrânia. E estão se juntando para falarem certos absurdos. Meus advogados já estão sabendo dessas insinuações infundadas e sem provas. E vamos tomar nossas providências”.

Já Arthur também se manifestou, “ desde o ano passado, quando comecei a postar vídeos sobre o alistamento na Rússia sempre recebi diversas ameaças de pessoas que foram se alistar na Ucrânia e sempre contaram diversas mentiras. Fiz tudo de forma voluntária e nunca foi cobrado nada para isso. Toda documentação que ele (Anderson) assinou, foi dentro do Exército russo”, finaliza.

Posição do Itamaraty

O Itamaraty alega que o “Ministério das Relações Exteriores, por intermédio das Embaixadas em Kiev e Moscou, permanece à disposição para prestar a assistência consular devida à comunidade brasileira na Ucrânia e na Rússia”.

A nota complementa que “o atendimento consular prestado pelo estado brasileiro é feito a partir de contato do cidadão interessado ou, a depender do caso, de sua família. A atuação consular do Brasil pauta-se pela legislação internacional e nacional”.

O órgão também ressalta que publicou no fim de julho um alerta sobre brasileiros em conflitos armados em outros países, que pode ser consultado neste link.

CNN BRASIL – Edição: Montedo.com

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