Americano e russo realizam encontro histórico sem uma agenda clara do que será discutido e quais seus possíveis resultados; de fora, Ucrânia e Europa desejam um cessar-fogo
Carolina Marins
Pela primeira vez em seis anos, os presidentes dos Estados Unidos e da Rússia apertarão as mãos durante um encontro no Alasca nesta sexta-feira, 15. Também é a primeira vez que Vladimir Putin pisa em terras americanas em 10 anos. O objetivo é discutir o futuro da guerra na Ucrânia, que já se arrasta por mais de três anos e vive um momento de congelamento dos avanços no campo de batalha. O governo ucraniano, porém, não estará à mesa de negociação.
O que sairá desse encontro de Putin com Donald Trump é incerto. Analistas ouvidos pelo Estadão dizem que um acordo de paz é altamente improvável. Mas um compromisso russo com um cessar-fogo temporário é uma possibilidade real. “O problema com Trump é que você nunca sabe ao certo o que ele vai fazer”, opina Stefan Wolff, cientista político alemão especialista em segurança internacional e solução de conflitos.
Para Trump o que possivelmente está na agenda é um cessar-fogo para a Ucrânia. Mas também acho que Trump está muito interessado em algum tipo de reinício das relações com a Rússia. Ele poderia sair com ambos. Ele poderia sair com nada também. Nesse sentido os resultados reais são muito incertos.
Stefan Wolff, cientista político alemão especialista em segurança internacional e solução de conflitos
O próprio governo americano admitiu que essa reunião histórica servirá para “ouvir Putin” mais do que desenhar qualquer tipo de acordo, por isso a Ucrânia estaria de fora. Mas apenas uma foto ao lado do presidente americano poderá ser considerada a consolidação das vitórias diplomáticas do russo depois de ter sido considerado um pária internacional por sua invasão da Ucrânia em 2022.
Donald Trump e Vladimir Putin em encontro em Helsinki em 2018 Foto: Brendan Smialowski/AFP
“Tem muito de teatro político e pouco de substância em termos de negociação”, analisa Carlos Gustavo Poggio, internacionalista e professor associado do Berea College, no Kentucky. “É muito claro o que Putin quer com a guerra. Este é um encontro em que você não está incluindo a Ucrânia e outros parceiros”.
O governo Trump diz que é um encontro para escutar Vladimir Putin. O Putin claramente entende que ele tem uma influência sobre Donald Trump. Quando eles tiveram esse tipo de encontro similar no passado, o Trump saiu repetindo toda a versão do Vladimir Putin nas questões que eles discutiram.
Carlos Gustavo Poggio, internacionalista e professor associado do Berea College, no Kentucky
Na quinta-feira, 14, o Kremlin sinalizou que também estava interessado em discutir outros assuntos além da guerra, como laços econômicos e armas nucleares. Putin disse acreditar nos “esforços bastante enérgicos para interromper os combates, pôr fim à crise e chegar a acordos de interesse para todas as partes envolvidas neste conflito”.
Futuro do território ucraniano
Desesperado, o presidente ucraniano Volodmir Zelenski se reuniu na quarta-feira, 13, com líderes europeus para tentar convencer Trump a defender os interesses da Ucrânia. O medo é que os dois líderes transformem o encontro em uma nova Yalta, onde a Europa foi dividida como uma colcha de retalhos após a derrota da Alemanha nazista. Putin e Zelenski têm demandas territoriais que se chocam e são inegociáveis.
Desde que a Rússia invadiu o país, 30% do território ucraniano chegou a estar sob domínio russo. Após contraofensivas da Ucrânia, a Rússia domina 19% do país, incluindo a Crimeia anexada ilegalmente desde 2014, segundo o Instituto para o Estudo da Guerra, sediado nos EUA. Esse controle engloba toda a região de Luhansk, cerca de três quartos das regiões de Donetsk, Kherson e Zaporizhzhia e pequenas áreas de Kharkiv e Sumy, no norte da Ucrânia.
“A perda de território já aconteceu ‘de facto’, mas não ‘de jure’ (legalmente). Os ucranianos não aceitam isso”, explica Angelo Segrillo, professor no Departamento de História da USP especializado na história da Rússia e União Soviética. “E a maioria dos países ocidentais também não aceita. É uma situação muito difícil e contraditória em todos os campos, tanto no lado do Zelenski, quanto pelo lado do Trump e menos pelo lado de Putin.”
Zelenski viajou à Alemanha na quarta e, ao lado do chanceler Friedrich Merz, conversou por vídeo com Trump antes do encontro desta sexta. Segundo ele, Trump concordou com cinco princípios: incluir a Ucrânia em conversas futuras; recusar-se a discutir termos de paz e cessão de territórios sem antes estabelecer um cessar-fogo; garantias de segurança após a guerra, incluindo o direito de se juntar à Otan em algum momento; e aumentar a pressão econômica sobre a Rússia se as negociações fracassarem.
“A Ucrânia não concordaria em ceder território. Nada, nem um metro quadrado. Nem mesmo a Crimeia”, enfatiza o analista político ucraniano Oleksandr Slivchuk, coordenador no Transatlantic Dialogue Center, um think tank com sede em Kiev. “Não porque não queiramos a paz, mas porque as pessoas entendem que isso não faz sentido. É como abrir mão de algo que não tem valor para o adversário. Porque a essência e as razões desta guerra nunca foram questões territoriais.”
Para a Ucrânia este é agora um momento de máxima ansiedade porque eles podem sair completamente entregues ou podem sair com um apoio muito mais forte dos EUA ou Trump pode simplesmente ir embora e dizer ‘continue lutando’.
Stefan Wolff, cientista político alemão especialista em segurança internacional e solução de conflitos
Uma promessa de campanha
A guerra na Ucrânia é um tema quase pessoal para Trump. Durante a campanha ele havia prometido que acabaria com o conflito dentro de 24 horas após tomar posse. Ele também argumenta que, se fosse o presidente em fevereiro de 2022, a invasão russa jamais teria acontecido.
Desde então ele tentou encampar ao menos duas conversações de paz entre Rússia e Ucrânia. Fracassou em ambas. Muito porque Vladimir Putin se negou a levar as negociações a sério. Por mais de uma vez, Zelenski pediu um encontro direto com o russo. Nas conversas que aconteceram na Turquia, enquanto Kiev enviava delegações de segundo escalão, Moscou enviava de oficiais de terceiro nível, em claro sinal de desprezo pela autoridade de Zelenski.
Depois que a segunda tentativa de negociação naufragou, Trump se enfureceu com Putin. “Ele ficou completamente LOUCO! Ele está matando muita gente desnecessariamente, e não estou falando só de soldados”, escreveu o americano em sua rede social logo após um ataque massivo de Moscou contra Kiev em maio.
No meio desse fogo cruzado estava a Ucrânia. Kiev viu a ajuda militar que recebia dos Estados Unidos, até então seu maior aliado, secar quase completamente sob Donald Trump.
Mas, ao se zangar com Putin, o republicano mudou o curso. Washington enviou uma nova rodada de assistência a Kiev e vai fazer uma entrega “terceirizada” a partir de agora, vendendo seus equipamentos para a Europa que por sua vez repassará ao ucranianos.
O americano também ameaçou Moscou com sanções severas secundárias, que afetaria diretamente aliados de Rússia e poderia isolar ainda mais o país. Com isso, Putin parece ter reduzido suas reivindicações territoriais. Em vez de todo o leste e o sul da Ucrânia ocupados atualmente, a Rússia ficaria com apenas com as partes onde detém controle atualmente.
“É meio um jogo de xadrez que vem sendo jogado há bastante tempo. Talvez um dos fatores principais nesse momento para Putin se sentar à mesa de negociação foi a ameaça de Trump de aumentar as sanções, inclusive as sanções secundárias. Isso aí pesou um pouco”, observa Angelo Segrillo, professor no Departamento de História da USP especializado na história da Rússia e União Soviética.
Com um Trump sem paciência e um Putin fazendo pequenas concessões, há quem esteja positivo com um avanço nas conversas de hoje. Mas há quem esteja cético. “O entendimento de Putin da guerra na Ucrânia é de muito mais longo prazo, muito mais complexo. Trump pensa no curto prazo, ele quer ganhar o prêmio Nobel da Paz, quer uma solução imediata, ainda que as questões estruturais de longo prazo do conflito não sejam resolvidas. São duas perspectivas muito diferentes”, observa Poggio.
Segundo o professor, as conversações diplomáticas estão diretamente ligadas com a situação no campo de batalha. Hoje a Rússia faz avanços no território ucraniano com ajuda de tropas da Coreia do Norte, ainda que sejam avanços muito lentos. Mas as perdas russas têm sido estimadas na casa do milhão por autoridades americanas e britânicas.
“A realidade no campo de batalha é o que força os atores a negociar de um lado ou de outro. Se o Putin perceber ou estiver percebendo algum tipo de desgaste nas forças russas, ele vai querer garantir o máximo possível de ganho no curto prazo para que ele possa, com o tempo, reforçar o Exército russo, angariar novamente as suas forças e partir para um ataque num outro momento futuro”, completa Poggio.
O ucraniano Oleksandr Slivchuk concorda que o mau desempenho das tropas russas possa jogar a favor de uma negociação de cessar-fogo. “Putin vai ir ao Alasca mostrando que o front na Ucrânia está colapsando, que eles estão avançando e ganhando terreno. Não é bem assim. A situação é complicada. Eles tentam criar esse barulho midiático de que a Ucrânia está perdendo a guerra. Basicamente, o front está congelado, não há movimento e esse é um problema, mas eu não vejo falha.”
A Rússia basicamente continua com as mesmas intenções de antes, mas está em uma situação em que precisa escolher entre entrar em conflito com Donald Trump ou ouvir os Estados Unidos e chegar a um cessar-fogo de curto prazo.
Oleksandr Slivchuk, coordenador no Transatlantic Dialogue Center, um think tank ucraniano com sede em Kiev
ESTADÃO – Edição: Montedo.com
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