Alegações finais somam mais de 1,1 mil páginas; Augusto Heleno pede que eventual condenação seja diminuída por ‘participação de menor importância’ em fatos investigados
Rafael Moraes Moura
Enquanto insistem na absolvição dos seus clientes e tentam colocar em xeque a credibilidade da delação premiada do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, as defesas do ex-presidente Jair Bolsonaro, do general Walter Braga Netto e dos outros réus da trama golpista traçaram a estratégia jurídica para tentar convencer a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a amenizar as penas que devem ser fixadas no julgamento previsto para ocorrer em setembro.
Ao longo das 1,1 mil páginas de suas alegações finais, os réus do chamado “núcleo crucial” da trama golpista recorrem a uma série de argumentos para defender a rejeição da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR), a anulação do acordo de colaboração e das provas colhidas nas investigações – mas, no “pior dos cenários”, pedem para recebe uma pena menor, que não leve em consideração os cinco crimes pelos quais são investigados.
O objetivo é “pegar carona” no entendimento do ministro do STF André Mendonça sobre a absorção do crime de golpe de Estado (com pena prevista de 4 a 12 anos de prisão) pelo de abolição violenta do Estado democrático de direito (de 4 a 8 anos).
Em suas alegações finais, Bolsonaro destaca que essa tem sido a posição de Mendonça nos casos julgados pelo plenário. Mas Mendonça, que foi indicado ao STF por Bolsonaro em 2021, não integra a Primeira Turma, e sim a Segunda, e portanto não participará da análise do caso.
Bolsonaro e outros sete réus são investigados por tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. Somados os cinco crimes, a pena pode chegar a 43 anos de prisão, caso ele seja condenado pelo STF.
Para os advogados de Bolsonaro, o crime de abolição violenta do Estado democrático de direito já absorveria o de golpe de Estado, ou seja, Bolsonaro não deveria ser condenado pelos dois – e sim apenas pelo primeiro. Esse pedido faz parte de uma segunda parte da defesa, em que se buscam teses alternativas, para cobrir todas as hipóteses a serem tratadas, incluindo a condenação.
“A tentativa de depor o governo legitimamente eleito se apresenta como etapa necessária e consequencial da abolição da ordem constitucional. Não é possível conceber a destruição do Estado Democrático de Direito sem o rompimento com os representantes legítimos que dele fazem parte. Portanto, o crime do art. 359-M do Código Penal [golpe de Estado], sendo parte inevitável do resultado pretendido pelo tipo do art. 359-L [abolição violenta do Estado democrático de direito], é por ele absorvido”, sustenta a defesa de Bolsonaro.
Esse, aliás, é o entendimento trazido pela maioria das defesas de réus da trama golpista, como Braga Netto, Anderson Torres, o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) e o ex-comandante da Marinha Almir Garnier.
“Impõe-se, portanto e em última hipótese, que seja reconhecida a absorção do crime previsto no art. 359-M do Código Penal (golpe de Estado) pelo crime descrito no art. 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), afastando-se a dupla punição por condutas inseridas em um mesmo contexto”, sustenta o advogado Demóstenes Torres, responsável pela defesa de Garnier.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, e Luiz Fux adotam raciocínio parecido com o de Mendonça, mas avaliam que o crime de golpe de Estado absorve o de abolição violenta do Estado democrático de direito, e não o contrário.
E o advogado do ex-ministro Paulo Sérgio Nogueira vai nessa linha — pede a absolvição do crime de abolição violenta do Estado democrático de direito, por considerar que ele está absorvido pelo de golpe de Estado.
O ministro Fux, que vai participar do julgamento de Bolsonaro, externou sua visão sobre a junção desses dois crimes em voto depositado no plenário virtual do STF em junho deste ano, ao analisar o caso de uma moradora de Planaltina (DF) envolvida nos atos golpistas de 8 de janeiro.
Ao longo das 197 páginas de suas alegações finais, a defesa de Bolsonaro ainda pede que, se o ex-presidente for condenado por organização criminosa (com pena prevista de 3 a 8 de anos de prisão), que sejam afastados agravantes que poderiam aumentar a pena, como o fato de ex-presidente supostamente exercer o comando da trama golpista e da atuação do grupo envolver o emprego de arma de fogo.
‘Participação de menor importância’
Outros réus da trama golpista também buscam, por outras vias, a redução das penas.
A defesa do general Augusto Heleno, ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) pede, por exemplo, que a pena seja diminuída por “participação de menor importância” nas discussões que ocorreram no seio do governo Bolsonaro e, por tabela, nos fatos investigados.
“O réu não assistia mais as audiências do presidente com os ministros, não conversava mais tanto quanto antes e deixou de participar do planejamento das atividades do dia. Passava muito menos tempo com o presidente e, por conseguinte, era muito menos ouvido sobre qualquer assunto e participava muito menos do processo decisório”, sustenta o advogado de Heleno, Matheus Milanez.
Já a defesa do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) solicita que o Supremo, caso decida condená-lo, “leve em consideração” que o parlamentar foi exonerado do cargo de diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) em março de 2022, o que aliviaria seu envolvimento na intentona golpista.
“A narrativa apresentada na denúncia demonstra claramente uma radicalização de falas e atos a partir do ano de 2022, mais precisamente a partir de julho de 2022, momento em que Alexandre Ramagem Rodrigues não mais integrava o Governo Federal, já tendo sua atenção há meses voltada à disputa eleitoral que se avizinhava, disputa para a qual arduamente se empenhou, tanto que foi eleito deputado federal nas Eleições de 2022”, sustenta o advogado Paulo Renato Cintra.
Atos preparatórios
A defesa de Bolsonaro aposta em outras teses para tentar garantir a absolvição – entre elas a de que as medidas discutidas pelo então presidente da República com seus auxiliares após a derrota nas urnas para Lula em 2022 estariam “no campo de atos preparatórios”, que não configurariam crime por si só – o que, portanto, deveria levar à absolvição de Bolsonaro.
“A críticas ao sistema eletrônico de votação feitas aos seus apoiadores, aos seus ministros, aos embaixadores, com a finalidade de, segundo a própria denúncia, preparar comunidade internacional ou de preparar os ânimos da população, sem o emprego de qualquer violência ou grave ameaça, consubstanciam-se em atos que não podem significar mais do que meros atos preparatórios. São atos impuníveis por uma decisão do Parlamento brasileiro”, sustenta a defesa.
Mas se o STF entender que as medidas discutidas no governo Bolsonaro após a derrota nas urnas configurariam não “atos preparatórios”, mas o “início da execução” do plano golpista, a defesa lança mão de outra tese: a da desistência voluntária.
É um dispositivo previsto no Código Penal que estabelece que o investigado que desiste de prosseguir na execução de uma medida “só responde pelos atos já praticados”.
“Se as reuniões com os Comandantes de Força, havidas em dezembro de 2022, não foram, até aqui, interpretadas como fatos atípicos ou mesmo como mera cogitação ou atos preparatórios, mas como efetivo início de execução de crimes contra o Estado Democrático, é bem de se ver, então, que a conduta supostamente em andamento, foi de fato interrompida pela inação do próprio ex-presidente, que jamais deu continuidade a qualquer ato material para além das tais e nebulosas reuniões, a despeito de dispor de todos os mecanismos políticos para fazê-lo”, sustentam os advogados de Bolsonaro.
Malu Gaspar (O GLOBO) – Edição: Montedo.com
O post Bolsonaro, Heleno e Braga Netto ‘pegam carona’ em entendimento de Mendonça para tentar reduzir pena apareceu primeiro em Montedo.com.br.