EUA cancelam evento militar com Brasil e acendem alerta na Defesa

Conferência espacial que seria realizada em julho em Brasília foi suspensa por decisão de Washington
Foto US Marines e Fuzileiros Navais do Brasil treinam em conjunto na Operação Formosa, em Setembro de 2024. foto via DVIDS

Ricardo Della Coletta
Cézar Feitoza
Brasilia
20 Agosto 2025
Folha de São Paulo

Os Estados Unidos cancelaram um evento que estava sendo organizado junto com a FAB (Força Aérea Brasileira) e sinalizaram que também devem ficar de fora do principal exercício da Marinha, a Operação Formosa.

Os sinais de distanciamento de Washington preocupam o Ministério da Defesa, que tenta blindar o estratégico setor de cooperação militar da crise político-econômica que se instalou entre Brasil e EUA na presidência de Donald Trump.

O SOUTHCOM (Comando Sul dos EUA) planejava realizar junto com a FAB a edição de 2025 da Conferência Espacial das Américas. A conferência, que também reuniria outros países do continente, estava planejada para ocorrer de 29 a 31 de julho, em Brasília.

“O evento foi cancelado por decisão dos Estados Unidos no dia 23 de julho”, disse a FAB em nota.

Procurado, o Comando Sul dos EUA não respondeu até a publicação desta reportagem.

Seria a quarta edição do encontro. No ano passado, o evento aconteceu em Miami, nos Estados Unidos, e contou com a presença de dez países convidados: Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Uruguai.

De acordo com o site do SOUTHCOM o principal objetivo da conferência anual é impulsionar a cooperação no setor espacial —não só na sua dimensão militar, mas também nas áreas econômica, de telecomunicações, pesquisa e navegação.

A Folha conversou com diferentes pessoas a par da organização da reunião. Embora os EUA não tenham explicado a razão do cancelamento, a decisão tem sido interpretada como mais um reflexo da crise entre os governos Lula (PT) e Trump.

O presidente dos EUA acusou o governo Lula e o STF (Supremo Tribunal Federal) de promoverem uma “caça às bruxas” contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), réu no processo da trama golpista. Seu governo ainda impôs sanções financeiras contra o ministro Alexandre de Moraes, do STF, além de ter cassado vistos do magistrado e de outros integrantes da corte e também de funcionários que trabalharam no programa Mais Médicos.

No front econômico, Trump aplicou uma sobretaxa de 50% sobre uma gama de produtos brasileiros. Os canais de diálogo com as principais autoridades de Washington estão bloqueados, segundo disseram Lula e seus ministros.

Os desdobramentos da crise entre os países devem afetar ainda a Operação Formosa —principal exercício da Marinha do Brasil.

A Marinha mobiliza cerca de 2.000 militares para o exercício deste ano, com mais de 100 viaturas e oito helicópteros transportados a Formosa (GO).

Desde 2023, os fuzileiros navais americanos enviam uma parcela de tropa para o exercício militar. No ano passado, a comitiva foi de 56 militares dos EUA. Foi a primeira vez que fardados da China e dos EUA participaram juntos da operação.

Três pessoas a par dos preparativos da operação disseram à Folha que os fuzileiros navais americanos não responderam ao convite da Marinha do Brasil para participar da Operação Formosa. Já o Corpo de Fuzileiros Navais da China avisou que não participará do exercício militar.

Os americanos têm comparecido à operação no cerrado brasileiro faz cerca de dez anos. Eles participavam no nível de observadores e aumentaram a cooperação há dois anos. Consultada, a Marinha do Brasil não respondeu.

Há resistência dentro do próprio governo Lula à participação de tropas americanas em Formosa. Um ala de assessores do presidente fez chegar à Defesa a avaliação de que era inoportuno realizar exercícios com militares de uma nação que está aplicando sanções contra o Brasil.

A avaliação feita na Marinha é que os recados de afastamento dos EUA também têm relação com o estreitamento dos laços militares entre o Brasil e a China.

Os chineses passaram a enviar tropas para os exercícios militares conjuntos no Brasil no último ano. Do lado brasileiro, o governo decidiu aumentar sua representação militar em Pequim, com o envio pela primeira vez de um oficial-general para a adidância na embaixada.

Os sinais enviados pelos americanos com o cancelamento de eventos e a possível retirada de tropas em exercícios militares não representam, porém, um rompimento na cooperação militar entre os dois países, disseram sob reserva três oficiais-generais.

Como exemplo, eles citam que as Forças Armadas dos EUA enviaram cargueiros para Campo Grande (MS) no fim de julho para o Exercício Conjunto Tápio, cujo foco são simulações de guerra irregular, eletrônica e missões de paz.

O Exército também avança para realizar em novembro a Operação Core 2025. Trata-se de um exercício militar conjunto entre Brasil e Estados Unidos com foco em padronizar procedimentos entre as forças em operações conjuntas e missões de paz. Por ora, neste caso, não há intercorrências no planejamento, de acordo com integrantes do Ministério da Defesa.

Os gestos de insatisfação dos americanos ocorrem meses após a primeira visita ao Brasil do chefe do Comando Sul dos EUA, almirante Alvin Holsey. O encontro com os militares brasileiros teve mal-estar e agendas canceladas.

Os Estados Unidos pediram que Holsey visitasse uma base do Exército em Rio Branco, no Acre. Oficiais-generais do lado brasileiro estranharam o pedido específico de visita a essa base, que não costuma receber autoridades estrangeiras. Houve uma tentativa de redirecionar a agenda a Manaus, mas os americanos não aceitaram —o que restringiu os compromissos de Holsey a Brasília.

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