Desde o início da invasão da Ucrânia pela Rússia, serviços de inteligência russos têm intensificado o recrutamento de jovens europeus para participar de ações de sabotagem, espionagem e vandalismo. Segundo as autoridades locais, a prática ocorre em países como Estônia, Polônia, Alemanha e Reino Unido.
(RFI) Os alvos preferenciais são adolescentes, abordados em redes sociais, plataformas de jogos, serviços de streaming e aplicativos de mensagens.
De acordo com uma reportagem publicada nesta quarta-feira (20) pelo jornal francês Libération, as tarefas incluem colar cartazes contra a Otan, fotografar instalações militares ou jogar tinta em prédios públicos.
Em alguns casos, as missões são apresentadas como desafios ou jogos. Com o tempo, os jovens passam a executar ações mais perigosas, como sabotagem de infraestrutura de transporte ou incêndios criminosos. Os pagamentos são feitos em criptomoedas, e os recrutados geralmente desconhecem quem os contratou.
A França, até o momento, não registrou casos semelhantes, mas o governo alerta para o aumento de ações híbridas, como sabotagens, ataques cibernéticos, manipulação de informações e ingerência estrangeira em todo o território nacional.
A advertência consta na chamada Revisão Nacional Estratégica de 2025. Este é o principal documento de planejamento de defesa e segurança da França, publicado oficialmente em 14 de julho de 2025 pelo Secretariado Geral da Defesa e da Segurança Nacional (SGDSN), órgão vinculado ao gabinete do primeiro-ministro francês.
Exploração de menores
Dados do último relatório divulgado pela Europol, The Changing DNA of Serious and Organised Crime, em março de 2025, mostram que a exploração de jovens para atividades criminosas está em crescimento.
As redes criminosas estão cada vez mais enraizadas no mundo digital, usando inteligência artificial, engenharia social e plataformas criptografadas para aliciar menores.
Dos 452 suspeitos presos por terrorismo na União Europeia em 2024, cerca de 30% tinham entre 12 e 20 anos. A maioria dos casos estava ligada ao jihadismo ou a ideologias de extrema direita, mas o método também tem sido adotado por serviços ligados ao Kremlin.
No Reino Unido, a polícia antiterrorismo prendeu estudantes suspeitos de terem sido recrutados pela Rússia e pelo Irã para realizar sabotagens. Dominic Murphy, chefe da unidade antiterrorista de Londres, afirmou ao jornal The Guardian que os jovens estavam sendo usados para atacar seu próprio país.
Dias depois, o diretor do MI5, o serviço de segurança interna do Reino Unido, Ken McCallum, alertou pais sobre o risco de seus filhos serem aliciados por criminosos digitais durante o recesso escolar, no verão europeu.
“Nenhum dos meus colegas começou a trabalhar na área antiterrorismo imaginando que prenderia crianças de 12 anos. A presença de menores em nossas investigações é extremamente preocupante”, disse McCallum a jornalistas.
Guerra na Ucrânia
A estratégia russa de recrutar jovens para ações clandestinas em países europeus ocorre em paralelo à guerra na Ucrânia, onde o uso de táticas híbridas, como desinformação, sabotagem e ataques cibernéticos, tem sido uma constante.
O Reino Unido e a Lituânia lançaram alertas para escolas e famílias sobre o risco de recrutamento de jovens por serviços russos e bielorrussos.
A coordenadora britânica de combate ao terrorismo, Vicki Evans, pediu atenção redobrada aos ambientes digitais, durante uma coletiva de imprensa em New Scotland Yard, sede da Polícia Metropolitana de Londres, em julho de 2025.
De acordo com serviços de inteligência britânicos, essas ações vêm crescendo, e uma das razões seria a expulsão de agentes russos sob cobertura diplomática por países europeus. Só a França recusou 1.200 vistos e credenciais desde abril de 2022. Além disso, o foco das operações russas na Ucrânia pode ter reduzido a disponibilidade de agentes treinados para atuar em outros países.
Menores de idade são considerados agentes baratos, difíceis de detectar e facilmente acessíveis por meio de plataformas como Discord, Instagram, YouTube e TikTok. Após o primeiro contato, eles são direcionados para aplicativos criptografados como Telegram. Um estudo do governo sueco revelou que 10% dos jovens entre 12 e 20 anos interessados em jogos eletrônicos já foram expostos a tentativas de recrutamento por grupos antidemocráticos.
Na Ucrânia, o uso de adolescentes em operações clandestinas é comum.
Segundo o Financial Times, autoridades locais denunciam uma “manipulação sistemática” de jovens por parte do FSB, serviço de inteligência russo. Dos mais de 700 detidos por espionagem e sabotagem desde o início da guerra, um quarto tinha menos de 18 anos, a mais jovem, 11.
Casos recentes incluem uma menina de 15 anos forçada a transportar explosivos em uma garrafa térmica até uma delegacia, e um garoto de 17 morto por uma bomba que carregava, supostamente detonada à distância. Outro jovem, de 15, ficou gravemente ferido.
Fora da Ucrânia
O canadense Laken Pavan, 17, reservista voluntário, relatou ter sido sequestrado em Donetsk e recrutado pelo FSB. Sua missão incluía fotografar instalações militares na Europa e tentar se alistar no Exército ucraniano. Ele foi preso na Polônia após revelar o plano a um hoteleiro.
Na Lituânia, um adolescente de 17 anos foi julgado por incendiar uma loja da Ikea em Vilnius. Em troca de atentados, os serviços russos teriam prometido um carro. Ele foi detido ao tentar cruzar a fronteira com a Letônia.
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