Martinho da Vila: entre a farda e o batuque do samba

 

A vida militar deu ao artista postura, voz firme e a cadência do comando. Mas foi no samba que ele encontrou o verdadeiro chamado.

A história de Martinho José Ferreira, o imortal Martinho da Vila, é daquelas que parecem ter sido escritas pelo próprio destino. Antes de se tornar um dos maiores nomes do samba, Martinho vestiu a farda do Exército Brasileiro. Foi sargento, disciplinado, atento às regras, mas já naquela época sua alma pertencia a um outro tipo de ordem — a ordem do batuque, da poesia popular e da música que brota das ruas.

A vida militar lhe deu postura, voz firme e a cadência do comando. Mas foi no samba que ele encontrou o verdadeiro chamado. Ainda fardado, Martinho frequentava rodas e bares do subúrbio carioca, onde deixava escapar versos que, mais tarde, fariam parte de clássicos da música brasileira. Seu talento era tão natural que não demorou a ser reconhecido: a rigidez do quartel convivia em silêncio com a suavidade e malandragem de suas composições.

Em 1967, quando venceu a Noite da Música Popular Brasileira com o samba “Menina Moça”, o país percebeu que aquele jovem sargento tinha uma missão muito maior que a militar: levar o samba a novos horizontes. Pouco depois, surgia o álbum “Martinho da Vila”, marco que inaugurava uma carreira brilhante e consolidava seu nome no cenário artístico.

Martinho trouxe ao samba uma marca própria: leve, romântica, narrativa e cheia de humor. Ele traduziu o cotidiano em poesia, falou de amor sem exageros e deu voz às comunidades com sua simplicidade elegante. Obras como “Casa de Bamba”, “Canta, Canta Minha Gente”, “Devagar, Devagarinho” e “Mulheres” tornaram-se hinos de gerações.

Se no quartel Martinho aprendeu disciplina, no samba ele ensinou liberdade. A farda moldou seu caráter, mas foi o samba que moldou sua eternidade. Do soldado ao poeta, do sargento ao cronista da vida brasileira, Martinho da Vila construiu uma ponte entre dois mundos aparentemente distantes — e mostrou que a cadência de um desfile militar também pode se transformar no balanço de uma roda de samba.

Hoje, ao olhar sua trajetória, vemos mais do que um artista: vemos um símbolo de resistência cultural, alguém que saiu do Exército para comandar, não mais soldados, mas multidões embaladas pelo compasso do pandeiro e do cavaquinho. Martinho da Vila é a prova viva de que disciplina e poesia podem coexistir — e que o verdadeiro comando é aquele que nasce do coração e ecoa no canto coletivo do povo.
Repique de Mão (Facebook) – Edição: Montedo.com

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