O criminoso passou a integrar o projeto de poder com uma nova função, o que implicou a necessidade de ressignificar sua imagem
Erich Nelson Cardoso Hoffmann[1]
“Matar os polícia é a nossa meta
Fala pra nós quem é o poder
Mente criminosa, coração bandido
Sou fruto de guerras e rebeliões
Comecei menor, já no 157
Hoje meu vício é roubar, profissão perigo
Especialista, formado na faculdade criminosa
Armamento pesado, ataque soviético
[…]
Especialista em assaltos bancários
Se tu quer ouvir apologia
Eu te apresento nosso arsenal (ham)
Esse é o kit do mal
Se tentar, tu sai furado!
(música ” Apologia – MC Daleste [2])
A persistente crise na segurança pública brasileira, complexa em suas múltiplas causas, tem em um de seus nós a narrativa pró-criminoso que vem se consolidando no país. A influência do Comintern[3] stalinista, a partir da década de 1930, e, principalmente, da Escola de Frankfurt[4] contribuíram para moldar essa visão, concebendo o criminoso como um elemento útil, parte do lumpenproletariado[5], a ser mobilizado como agente revolucionário. Essa estratégia surgiu em um contexto em que a descrença no comunismo crescia entre os trabalhadores, demandando novos agentes para a revolução.
Desse modo, o criminoso passou a integrar o projeto de poder com uma nova função, o que implicou a necessidade de ressignificar sua imagem. Esse plano prosperou ao encontrar no ambiente cultural brasileiro o palco ideal para sua metamorfose. Assim, através de uma gradual ocupação de espaços, a cultura[6] foi instrumentalizada, entre outros objetivos, para promover uma imagem útil do criminoso.
Portanto, no cenário atual, nota-se uma expressiva adesão à “bandidolatria[7]” por parte de produtores culturais, artistas e formadores de opinião, invertendo a imagem do criminoso, distanciando-o de sua natureza prejudicial à sociedade e criando uma falsa percepção positiva. Como resultado, a glorificação do transgressor está disseminada na cultura contemporânea brasileira, exaltando figuras criminosas e reconfigurando as fronteiras entre herói e vilão.

Baile Funk do Pantanal Zona Sul de SP
Nesse contexto cultural, tolera-se a transgressão da lei, justificada por uma pretensa “justiça social”. Segue-se a isso ataques a policiais e o completo abandono das verdadeiras vítimas. O resultado desse caldo cultural instrumentalizado são criminosos cada vez mais protegidos e uma população cada vez mais vulnerável e apreensiva, gerando vítimas silenciadas e uma péssima percepção de segurança.
Assim, constata-se que a crise na segurança pública brasileira não resulta de uma súbita invasão de criminosos que agora aterrorizam a população. Sua origem reside em uma guerra cultural que, ao buscar capturar corações e mentes, expandiu o campo de batalha para além da dimensão física. Em contraste artificial e manipulador com a genuína cultura popular, são executadas ações estrategicamente elaboradas por agentes – muitos idiotas úteis[8] – que impõem um padrão social, buscando legitimação sob uma narrativa falaciosa de expressão popular. Essa deturpação cultural configura-se como um instrumento de dominação, controle social e avanço do crime no tecido social brasileiro.
Consequentemente, a cultura é subvertida de seu papel fundamental na sociedade, sendo utilizada como instrumento para projetos de poder ideológicos articulados a interesses econômicos. Isso ocorre porque, hoje, esse uso corrompido dos elementos culturais também é impulsionado pela busca por lucro sem ética, carregada de um liberalismo desumano, servindo não apenas a um projeto de poder ideológico, mas a uma nefasta associação de interesses materialistas. Esses empreendimentos macabros exploram a criminalidade em massa, auferindo vantagens políticas e financeiras por meio da disseminação do terror na população, transformando seus artífices nos próprios opressores da sociedade brasileira.
Com tudo isso, instala-se, então, um ciclo vicioso: o conteúdo da riquíssima cultura popular brasileira, bem como as expressões que buscam o desenvolvimento humano, são gradualmente substituídos por representações que glorificam o crime e alimentam a instabilidade social. A cultura autêntica não é proibida, mas é instrumentalizada sob a fachada de uma manifestação popular. Assim, a população, especialmente as camadas mais vulneráveis, encontra cada vez mais dificuldade em acessar uma cultura de qualidade.

Todas as tribos estão presentes.
Infere-se, portanto, uma constatação alarmante: a cultura brasileira foi sequestrada. O termo “sequestrada” evoca exatamente a apropriação e o direcionamento para uma cultura do crime. Outras perspectivas são obscurecidas, vozes dissonantes, silenciadas, a percepção da realidade, moldada, tudo a serviço de uma visão de mundo revolucionária e materialista. Assim, o agente da revolução, que originalmente seria o trabalhador, pode agora ser substituído pelo criminoso, uma vez que o ambiente cultural foi devidamente preparado para essa transição.
Cabe ressaltar que o problema não é a legítima representação das obras culturais da dura realidade social. A diferença está na intenção: se ela é feita para estimular a reflexão crítica ou para glorificar o criminoso. Nesse contexto, o termo “cultura sequestrada” refere-se a um fenômeno específico, e não a toda e qualquer manifestação cultural.
Assim sendo, a realidade é que a cultura brasileira foi sequestrada, e seu resgate não é uma tarefa para a polícia. É uma missão que cabe aos agentes culturais que resistem às ideologias dominantes e não se vendem ao mercado.
[1] Ten Cel PM Hoffmann, Comandante do 21ºBPM/I – Oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública.
[2] Disponível em: https://www.letras.mus.br/mc-daleste/1655703/ acesso 06. Abr. 25
[3] Comintern, ou Internacional Comunista, foi criado no contexto da Revolução Russa e da subsequente onda de levantes comunistas na Europa. Sua meta era coordenar e apoiar os partidos comunistas em todo o mundo, visando a uma revolução global.
[4] BLANCO, Fabio. As origens do mal: a filosofia marxista e como ela transformou o mundo: PHVox, 2022
[5] Lumpemproletariado: termo marxista que se refere à camada social marginalizada, composta por criminosos, pessoas em situação de rua ou outras classes com potencial para serem manipuladas por forças revolucionárias.
[6] O professor Olavo de Carvalho resumiu o cenário em um artigo intitulado Bandidos & Letrados Disponível em: < https://olavodecarvalho.org/bandidos-letrados/ >. Acesso em: 31 mai. 2024
[7] A “bandidolatria” é um termo que ganhou destaque no debate público brasileiro, referindo-se à idolatria ou glorificação de criminosos. Um dos principais livros que abordam essa temática é “Bandidolatria e Democídio: Ensaios sobre Garantismo Penal e a Criminalidade no Brasil”, de Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza.
[8] O termo idiota útil é frequentemente atribuído a Lênin. Acredita-se que a expressão tenha se consolidado durante a Guerra Fria, sendo usada para descrever simpatizantes do comunismo que, de boa-fé, defendiam ideais que, na realidade, seriam prejudiciais aos seus próprios países.
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