A aposentadoria do ex-chefe da Marinha que advogado disse não ter recursos no julgamento do golpe
Johanns Eller
A saúde financeira do ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, um dos réus do chamado núcleo 1 da trama golpista, foi objeto de um dos diversos momentos insólitos protagonizados por seu advogado, Demóstenes Torres, durante a sustentação oral na etapa final do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF).
“Um dia bateu nas minhas portas o Almirante Garnier. Eu fiquei com pena dele. Porque é uma pessoa que vai inteirar agora 65 anos de idade, não tem recurso para pagar advogado. Fiz alguma coisa e disse ‘olha, não podemos fazer sem cobrar’. E ele não teve dinheiro para pagar”, relatou Demóstenes, sugerindo que estaria trabalhando sem cobrar para o almirante.
“A mãe dele vai fazer 93 anos, tem Alzheimer, ele alugou uma casa na Penha [bairro de classe média no subúrbio do Rio de Janeiro] para que ela pudesse morar”, completou.
Procurado pela equipe do blog e questionado sobre o valor dos honorários negociados com seu cliente, Demóstenes Torres não respondeu. O espaço segue aberto
O sistema de transparência do governo federal, porém, mostra que Garnier pode não ter recursos para pagar um advogado caro — estima-se que um defensor do primeiro time cobraria honorários na casa do milhão para atuar no processo da trama golpista, como os de Jair Bolsonaro ou do ex-ministro Walter Braga Netto.
Mas não se pode dizer que Garnier não tem recursos. Reformado no último dia do governo Bolsonaro, recebe mensalmente uma aposentadoria de R$ 37 mil brutos mais bonificações.
Com os descontos do imposto de renda retido na fonte, da pensão militar e do fundo de saúde para membros da reserva, o almirante recebe R$ 25,1 mil líquidos. As informações são do Portal da Transparência do governo federal. Em junho passado, seu contracheque foi de R$ 56,3 mil em função de uma gratificação natalina de R$ 18,7 mil – após as deduções, ele ficou com R$ 43,9 mil.
Os proventos do ex-comandante da Marinha são similares ao de outro réu da trama do golpe, Paulo Sérgio Nogueira, que chefiou o Exército entre 2021 e 2022, quando assumiu o Ministério da Defesa no governo Bolsonaro. Nogueira recebe R$ 36,8 mil brutos por mês. Ele contratou o criminalista Andrew Fernandes Farias, cujo currículo traz a defesa de clientes militares em casos de grande repercussão.
A fala de Demóstenes, ex-senador cassado em 2012 e ex-promotor de JAlmeidaustiça em Goiás, causou perplexidade na Primeira Turma do Supremo pela miríade de temas aleatórios e o uso de mais de 20 minutos do seu tempo para elogiar os ministros da Corte e relatar anedotas sem conexão com o caso de seu cliente.
Além de alegar que Garnier não tem condições de bancar sua defesa, Demóstenes também criou outros episódios inusitados, como ao declarar que gosta simultaneamente de Bolsonaro e do ministro relator, Alexandre de Moraes, e ao sugerir que levaria cigarros para o ex-presidente na prisão. No campo da defesa, Demóstenes criticou a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) e pediu a rescisão da delação do tenente-coronel Mauro Cid, cuja colaboração firmada com a Polícia Federal revelou a relação de Almir Garnier Santos com a trama do golpe.
Segundo a acusação da PGR, Garnier foi o único comandante das Forças Armadas a anuir com o plano golpista de Jair Bolsonaro para permanecer no poder e impedir a posse de Lula. A versão foi confirmada pelos chefes do Exército e da Aeronáutica de então, Freire Gomes e Carlos de Almeida Baptista Junior, respectivamente.
O almirante de 64 anos é o primeiro chefe de uma Força militar julgado por golpe de Estado pela Justiça comum. Ele foi nomeado por Bolsonaro em 2021 depois de uma grave crise entre o então presidente e a alta cúpula militar que levou à derrubada dos chefes do Exército, Edson Pujol, da Marinha, Ilques Barbosa, e da Aeronáutica, Antônio Carlos Bermudez.
À época, Bolsonaro pressionava as Forças Armadas a intervir nas medidas de combate ao coronavírus adotadas por prefeitos e governadores, como políticas e distanciamento social e o fechamento de comércios. Ele também flertava com a implementação de um Estado de Defesa ou de Sítio, mecanismos que anos mais tarde basearam as minutas golpistas que constam nos autos do processo da trama golpista.
Malu Gaspar (O GLOBO) – Edição: Montedo.com
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