Apagão diplomático em Washington
Lula prefere palanque a diplomacia: enquanto empresários se defendem sozinhos nos Estados Unidos, o governo sabota negociações e cultiva a crise para inflar sua retórica eleitoral
Editorial
Na crise com os EUA, ao Brasil falta Estado e sobra palanque. A audiência pública em Washington sobre as supostas práticas desleais do Brasil – do Pix à Rua 25 de Março, do etanol ao desmatamento – expôs de forma gritante esse vácuo. O contraste não poderia ser mais simbólico: enquanto empresários brasileiros, sem ter a retaguarda de uma embaixadora inepta, defendiam sozinhos seus interesses diante de um inquérito que pode justificar novas tarifas já em 2025, a principal figura diplomática do País – o chanceler de facto do presidente Lula da Silva, Celso Amorim – celebrava um convescote autoritário em Pequim.
Não se trata de minimizar a gravidade singular do caso brasileiro. Donald Trump fez do País o alvo preferencial de sua cruzada protecionista e ideológica. Misturou demandas comerciais com chantagens políticas inaceitáveis. O clã Bolsonaro, por sua vez, não hesita em incentivar essa extorsão para livrar a cara de seu líder, custe o que custar ao Brasil. A delinquência de ambos é real e grave. Mas nada disso justifica a omissão deliberada de Lula. Ao contrário: diante de um quadro tão crítico, o governo tinha obrigação de agir. Mas, na melhor das hipóteses, cruza os braços e, na pior, gesticula e vocifera provocações gratuitas.
O apagão diplomático não é acidente. É escolha. Lula evita abrir canais de alto nível porque avalia que o confronto lhe rende dividendos. Prefere discursos patrioteiros a negociações discretas. Prefere bonés que exaltam a soberania brasileira a ter um verdadeiro trabalho de relações públicas em Washington. O cálculo é eleitoral: evocar um Brasil sitiado pelo “neofascismo” e inflamar a retórica de defesa da Pátria em 2026. É uma perversão dupla. Primeiro, porque sabota os exportadores brasileiros, entregues à própria sorte no maior mercado do mundo. Segundo, porque reduz a diplomacia a ferramenta de campanha, subvertendo o interesse nacional em performance populista.
A tempestade perfeita foi preparada pelo comodismo histórico das elites políticas e empresariais, que nunca cultivaram uma presença consistente nos EUA. Essa complacência crônica foi agravada pela politização aguda das relações internacionais. Bolsonaro usou Washington como palco de autoexílio e lobby pessoal; Lula reeditou o erro, com sinais trocados. Sem canais sólidos e permanentes de comunicação, o Brasil vira presa fácil em disputas transacionais. Já no governo de Joe Biden as relações com a Casa Branca estavam atrofiadas. Quando Trump, previsivelmente, empunhou tarifas e sanções como arma política, o Brasil não tinha defesas institucionais. Mas, enquanto os empresários correm atrás do tempo perdido, o governo manipula a crise como combustível político.
Opções existem. Sem abrir mão de prerrogativas soberanas, seria possível, por exemplo, propor uma comissão binacional sobre regulação de plataformas, articular lobbies de coalizão com o setor privado americano ou reduzir ruídos ideológicos, comunicando com clareza que o Brasil não busca alinhamento automático com Pequim. O histórico protecionista brasileiro acumulou muita gordura para ser queimada nas performances transacionais de Trump.
Outros países lidaram com tarifaços oferecendo concessões pragmáticas e narrativas de geração de empregos nos EUA. O Planalto, ao contrário, joga querosene na fogueira. Ao invés de proteger os interesses nacionais, o governo cultiva a crise como instrumento de propaganda, fingindo que nada pode ser feito quando, na verdade, escolhe não fazer nada.
O que está em jogo não é só o futuro das exportações brasileiras. É a própria credibilidade do País como ator responsável. Assim como o bolsonarismo escolheu o lobby servil, o lulopetismo escolhe o confronto midiático. Ambos se apresentam como salvadores da Pátria; ambos reduzem o patriotismo a slogan. Enquanto isso, a Pátria perde mercados, prestígio e tempo.
Soberania não é palanque. Não se defendem os interesses nacionais com bonés ou bravatas, mas com canais abertos, negociações duras e presença ativa. Seja lá o que o governo Trump faça, o governo Lula precisa fazer a sua parte – mas hoje faz o contrário.
ESTADÃO – Edição: Montedo.com
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