PARTICULARIDADES DA PROFISSÃO MILITAR.
(Algumas ideias que não devem ser esquecidas)
Pinto Silva Carlos Alberto[1]
1. A PREPARAÇÃO POR PRINCÍPIO E O COMBATE COMO FIM
Como no passado, a batalha continua agora. Os vestígios e as ruínas de inúmeras fortalezas e os preservados fortes, artilhados com seus velhos canhões de ferro e bronze, são testemunhas de muitas lutas travadas, pelos nossos antepassados[2]. (“Toa Guerrilha Na Amazônia: A Experiência Do Rio Traíra – Parte 3”)
O treinamento e a preparação para o emprego (Guerra Situações especiais de dificuldades) fazem com que, quanto maior for o perigo, as pessoas se tornem mais tranquilas para decidir. Assim, o homem comum condicionado pelo treinamento decide bem, mesmo correndo perigo de vida.
2. A INDIVIDUALIDADE DO NEGÓCIO MILITAR
A GUERRA é uma ocupação especial, embora dela faça parte, diferente e sem nada a ver com o restante das atividades comuns da vida humana e com quatro fatores de extraordinária influência: PERIGO; ESFORÇO FÍSICO E SOFRIMENTO, INCERTEZA E O ACASO. “O perigo de vida pressiona as capacidades intelectuais e de decisão do comandante em todos os níveis, principalmente no combate, caso ele não tenha condições de substituir seu medo pela coragem” (Clausewitz).
Autoridade, vontade intransigente, caráter firme e coragem, forças extraídas da personalidade individual, cuja prática deve ser diária em tempos de paz, expressam uma “força de vontade” que se traduz em “energia”, “firmeza”, “ânimo” e “obstinação”, que em combate (Situações especiais de dificuldades) valem bem mais do que armamentos de alta tecnologia.
2.1 COMUNIDADE MILITAR, A CASA DO SOLDADO
“A crença de que a guerra (Emprego) tem por motivação um valor maior compartilhado por todos os cidadãos do país, um “bonum comununae”, que existe no interesse de todo povo, não apenas torna possível a cada indivíduo fazer sacrifícios como também agrega como valor de compromisso de uma comunidade que acredita. É essa comunidade que vai apresentar as pessoas que lutarão na guerra.
O indivíduo se sente seguro, “em casa”, nessa comunidade. O sentimento de vinculação, o saber confiar um no outro e a convicção de cada um poder cofiar em todos os outros da mesma comunidade leva o homem a todos os sacrifícios pela ideia de camaradagem. O desempenho do indivíduo será visto como o desempenho da comunidade, orgulhoso de a ela pertencer: abandoná-la significa traição”. (Estudos Sobre O Combate – Ardant Du Picq – Resumo de Ideias).
2.2 LEALDADE DE SUBORDINADOS PARA COM CHEFES E DE CHEFES PARA COM SUBORDINADOS
Logo após a Batalha de Dunquerque. “Parecia que a coragem inquebrantável deles inspirava-se nas tradições militares. Seis ou oito homens numa casa demolida por granadas… lutavam como se defendessem o “Santo Sepulcro” porque o cabo que os comandava havia dito:” esta é a posição que fulano disse que devemos defender “. E fulano era a voz da unidade deles” (Linklater, 1941, pp 1671).
Da mesma forma o general MacArthur, comandante das Forças Americanas e Filipinas, diante da invasão bem-sucedida dos japoneses, anunciou, em 11 de fevereiro, que ele e sua família pretendiam “compartilhar o destino da guarnição”.
Na iminência de cair prisioneiro dos japoneses, em 23 de fevereiro, o presidente Rooselvet determinou sua evacuação por submarino, deixando milhares de soldados para trás. Resistiu à ordem, porém, em 12 de março foi evacuado. Na ocasião proferiu pelo rádio a famosa promessa “Eu voltarei” (I shall return).
Durante quase 3 anos a mensagem foi transmitida para os guerrilheiros, filipinos e americanos, que combatiam os japoneses, até que em 20 de outubro de 1944, ao libertar o país, pode cumprir sua promessa para com seus soldados, “Eu retornei”.
2.3 TRADIÇÃO.
“Depois de viverem dois ou três anos na atmosfera impregnada de tradições da unidade, tinham feito as melhores amizades dentro do regimento e se lembravam sempre de suas obrigações para com ele; podiam, pois, ser considerados como integrando a relação carga do regimento”. (Baynes, 1967, p. 163)
“E foi por isso que quando um homem em cada dois ou mesmo dois em cada três tinha tombado na Brigada de Hoghten, os sobreviventes estavam ainda combatendo por seus estandartes, acercando-se por todos os lados do pavilhão já esfarrapado que representava a “Arca da Aliança” a coisa de mais importância para eles no MUNDO”. (Citado Por Richardson, 1978, P. 19).
2.4 CAMARADAGEM.
“Quando entrevistei homens que tinham servido três anos ou mais e participado de operações… perguntei-lhes de que se recordavam com mais frequência sobre a guerra. Nem uma vez responderam que era a lembrança de um fato num grande combate terrestre… o que recordavam agora com mais efusão era a camaradagem existente”. (Broadfoot, 1974, p. 208).
2.5 ESPÍRITO DE CORPO.
“Eu queria ser um piloto de caça, mas agora sei o quanto teria perdido, pois é magnífico pertencer a um bom regimento, ser uma parte dele e perceber que a gente precisa estar à altura dos padrões da unidade, de sua história e dos que contribuíram para sua fama, em guerras anteriores. É uma responsabilidade extra; a todo soldado se deve dar todas as responsabilidades extras; a todo soldado se deve dar todas as responsabilidades possíveis.
Eu estava extremamente envaidecido de meu regimento, de meus enlevos emocionais, da camaradagem d`armas com Charlie e com os outros oficiais de forma que, para ser franco, morreria tranquilo”. (Millat, 1970, pp. 9-10).
2.6 COESÃO.
Todo ato de guerra (Emprego em qualquer outra situação) é trabalho de equipe, é comunidade, é coesão do grupo”. (Estudos Sobre O Combate – Ardant Du Picq)
“Caminho é aquilo pelo qual as vontades dos que estão por cima e dos que estão por baixo são unidas. Em outras palavras, o caminho é o ideal, o princípio orientador ou o meio de atingir metas coletivas, aquilo que subentende a ordem e o moral de uma organização. Sem essa coesão, a superioridade dos números, mantimentos ou armamentos não podem garantir o sucesso[3].
Portanto, os ricos não estão necessariamente seguros, os pobres não estão necessariamente inseguros, a maioria não tem que prevalecer, a minoria não tem que perder. O que determina quem vai ganhar ou perder, quem está seguro ou em perigo, é a ciência deles, o caminho deles.
Fatores puramente militares ou estratégicos não são considerados garantias suficientes de uma vitória; é por isso que o caminho é considerado de maneira determinante, até no que pareceria ser uma questão estritamente tática[4].
Os verdadeiros chefes não são aqueles que obrigam os outros a segui-los, mas aqueles que conseguem harmonizar as vontades de outros e unificar a direção geral de suas energias, aqueles que conhecem o caminho (Sun Tzu Ii – A Arte Da Guerra).
Há necessidade de conhecimento da profissão, para que haja confiança e, portanto, coesão. Cada um deve cumprir com sua missão e ajudar os companheiros no cumprimento de suas tarefas. Os comandantes bem-sucedidos dependem da coesão no âmbito de suas unidades e que todos conheçam o caminho.
Os militares aprendem, em situações difíceis, no treinamento mais próximo do combate real, que não se mede o homem pela sua condição social, sua educação, suas realizações intelectuais ou pela opinião que ele tem de si mesmo. Um soldado é visto pelos seus companheiros através de uma simples equação, quando chega ao ponto de a situação ser de vida ou morte, aqueles que o cercam terão condições de confiar-lhes suas vidas?
Por mais importante que sejam o suprimento, ou logística, as comunicações e a estratégia, é o relacionamento coletivo ou individual existente entre os homens que frequentemente determinaria o desfecho do combate, daí a importância da confiança mútua e da coesão.
“O guerreiro inteligente procura o efeito da energia combinada, não obriga os outros a segui-lo, mas consegue harmonizar as vontades de outros ou unificar a divisão geral de suas energias”.
2.7 COMUNICAÇÃO.
Aquele que tem o cuidado de dialogar, antes de determinar, tem o direito de exigir uma disciplina mais rígida. Explicar a ação não significa justificar-se sem abdicar da autoridade, ao contrário, é conquistar a adesão. Será a comunicação que conduzirá os homens do estado de obediência passiva ao de adesão.
Dois excessos devem ser evitados: a frieza e a familiaridade excessiva. Entre o autoritarismo e a demagogia é necessário encontrar o meio termo que equilibre o rigor e a compreensão.
2.8 CONFIANÇA
Converse com seus subordinados. “Seja digno de confiança como se fosse uma coisa habitual. Seja digno de confiança como se fosse uma coisa natural” (Sun Tzu).
Segundo Confúcio,” a pessoas não irão obedecer aos líderes que não confiam, ainda que sejam coagidos, ao passo que seguirão líderes nos quais confiam”[5].
3. INTERVENÇÃO MILITAR.
O principal requisito para a intervenção militar deve ser a fidelidade ao princípio de que o instrumento militar deve ser empregado somente quando toda as outras modalidades do poder nacional têm se exaurido, ou quando o jogo político requer adição de violência ou ameaça de violência para proteger ou assegurar interesses nacionais.
Não devemos intervir com forças militares, a não ser que pretendamos e estejamos preparados para o uso da forma violenta e letal. Assim, precisamos assegurar que todos os responsáveis pelos planejamentos para a solução de crises estejam conscientes de que a intervenção gera violência, e a violência nunca está sujeita ao controle absoluto.
As ideias para participar da luta política em defesa da democracia devem ser racionais, baseada numa avaliação de custos e benefício para o Estado e a sociedade. A seguir, ser instrumental, isto é, deve ser empreendida com vista a alcançar-se um objetivo, e nunca por si própria (Dos Livros Arte da Guerra I E II). Por último nacional, que seu objetivo seja a satisfação dos interesses do estado, para que se justifique que todo o esforço de uma nação seja mobilizado a serviço do objetivo a ser atingido. (“Relações entre o Poder Civil e as Forças Armadas – DefesaNet”)
4. CONCLUSÃO.
“A vontade não trabalha no vácuo. Não pode ser imposta com sucesso se aplicada contrariando a razão. As coisas não acontecem na guerra (Ou em qualquer outra atividade política ou militar) porque um homem quer e sim porque são exequíveis”. (Cel S.L.A Marshall).
Alguns imperativos que os líderes políticos e militares devem considerar antes de uma intervenção. Entender claramente o resultado político desejado, visualizar o efeito antes de intervir.
O objetivo político é de suma importância, determinará tanto o objetivo militar necessário, quanto o nível de esforço requerido. Portanto a decisão é do Poder Político, que determina os fins e os meios. O Poder Militar assessora o planejamento com informações, e só tem participação efetiva no emprego dos meios.
Todo ato de emprego, em qualquer situação, é trabalho de equipe, é comunidade, é coesão do grupo”. A maioria obedece a ordens, busca ser leal, e executar a missão recebida.
Quase todos os países do mundo possuem um Exército e todos os povos se preocupam com sua defesa e, de alguma forma, dispõem de meios para usar a força quando necessário.
Deste modo, a preparação mental, física, profissional e psicológica para enfrentar um conflito armado, o qual nenhum militar deseja, mas não pode, também, descartar, tem de estar presente, sempre, nas mentes e nos corações dos nossos soldados, e dos órgãos políticos que os empregam.
Que Deu proteja a todos, o Exército e o nosso Brasil.
[1] Carlos Alberto Pinto Silva / General de Exército da reserva / Ex-comandante do Comando Militar do Oeste, do Comando Militar do Sul, do Comando de Operações Terrestres, Ex-comandante do 2º BIS e da 17ª Bda Inf Sl, Chefe do EM do CMA, Membro da Academia de Defesa e do CEBRES.
[2] https://www.defesanet.com.br/geopolitica/toa-guerrilha-na-amazonia-a-experiencia-do-rio-traira-parte-3/
[3] https://www.defesanet.com.br/ffff/gen-ex-pinto-silva-uma-vitoria-sem-disparar-um-tiro/
[4] https://www.defesanet.com.br/ffff/gen-ex-pinto-silva-uma-vitoria-sem-disparar-um-tiro/
[5] https://garruchascruzadas.blogspot.com/2010/08/um-lider-um-chefe-um-comandante-fonte.html
O post Gen Ex Pinto Silva – Particularidades da Profissão Militar apareceu primeiro em DefesaNet.