O Dia dos Povos Indígenas, celebrado neste sábado (19), vai muito além de uma data simbólica. Ele carrega o peso da história, das lutas, da resistência e, sobretudo, dos desafios diários enfrentados pelos povos originários para manter viva sua cultura, conquistar direitos e ocupar espaços que, por séculos, lhes foram negados — como o acesso à educação superior.
A trajetória dos povos indígenas no Brasil é marcada por invasões, massacres, perda de territórios, tentativas de apagamento cultural e exclusão social. Durante muito tempo, a educação destinada a eles seguia uma lógica de assimilação — ensinar o indígena a “ser como o branco”, desprezando seus saberes tradicionais, línguas e valores.
Em homenagem a essa data e à força dessa conquista, o Correio de Carajás conversou com indígenas da Terra Indígena Mãe Maria, onde vivem três povos: Parkatêjê, Kyikatêjê e Akrãtikatêjê, todos eles com duas características: identificamse- como Gavião e, também, buscam a autonomia com estudo até o ensino superior.
Levantamento informal da Reportagem do CORREIO aponta que há cerca de uma centena de indígenas da TI Mãe Maria cursando uma graduação, seja presencial ou on-line. Pela proximidade com Marabá, é o povo da região que tem mais integrantes cursando uma faculdade. Alguns deles relatam os desafios e contribuições decorrentes do ingresso e conclusão de uma graduação. Uma opinião foi unânime entre eles: o indígena no ensino superior conquista autonomia para si e para sua aldeia.
Roptykwyi Kuxware Bebka vive na aldeia Akrãtikatejê, às margens da BR-222, no sentido de Bom Jesus do Tocantins. Universitária em fase de conclusão do curso de Licenciatura em Educação no Campo pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa), ela destaca o papel da instituição na valorização cultural.
“Quando vejo mais indígenas dentro da universidade, percebo que ela tem mais a ganhar com o conhecimento tradicional que nós, estudantes indígenas levamos. A nossa presença mostra que a universidade tem essa diversidade cultural”, afirma.
DESAFIOS E AVANÇOS
Roptykwyi também aponta que a formação tem fortalecido sua comunidade. Segundo ela, o conhecimento adquirido no curso contribui diretamente para a reafirmação da identidade cultural, especialmente entre os jovens.
Apesar dos avanços, entrar na universidade é apenas o primeiro passo. As dificuldades são muitas: preconceito, choque cultural, distância das aldeias, além da ausência de apoio psicológico e financeiro. Lidar com um modelo educacional diferente também se impõe como barreira. “Como eu sempre estudei na aldeia, quando ingressei no curso demorei para me adaptar à nova realidade”, explica.

Ela reforça o impacto positivo do ensino superior na comunidade: “O conhecimento que tenho fora da aldeia ajuda, de alguma forma, aqui na minha comunidade, assim como o conhecimento científico nos ajuda a fazer pesquisas voltadas para a nossa cultura, como a elaboração de projetos que reafirmam nossa identidade”, reconhece.
Para Roptykwyi, todo aprendizado obtido fora da aldeia serve para fortalecer as raízes. “Nós já perdemos muito.”
Jovens indígenas formados em áreas como Educação no Campo, Educação Física, Direito, Administração e outras retornam às aldeias levando consigo conhecimento técnico aliado à sabedoria ancestral. Tornam-se lideranças, multiplicadores e pontes entre dois mundos.
A EDUCAÇÃO E O FORTALECIMENTO CULTURAL
Como Roptykwyi, Hityire Horakraktare Topramti, também passou por uma graduação. Formada em História pela Unifesspa em 2023, mora na aldeia Mãe Maria, a 30 quilômetros de Bom Jesus do Tocantins. Pertencente ao povo Parkatejê, ela considera seu maior legado o exemplo deixado para as novas gerações. “O que me fez permanecer foi essa vontade de mostrar para o meu povo que nós somos capazes de permanecer e vencer”, afirma.
Ela relembra os desafios enfrentados ao longo da graduação — sendo a distância o mais marcante. “Eu não tinha tempo. Quando chegava em casa, só conseguia fazer os trabalhos acadêmicos que passavam.” Ainda assim, Hityire não desistiu.

A professora conta que na universidade também encontrou espaço para expressar sua cultura: pinturas, comidas, história. Uma troca que, segundo ela, foi essencial para a integração e transformação do ambiente ao seu redor. “Pude levar nossas danças, pintura corporal, o cântico além de costumes e tradições”.
AINDA HÁ MUITA LUTA
Os avanços existem, mas a luta continua. O desafio agora é pela manutenção de direitos e pela superação do preconceito, ainda presente em muitos ambientes. Hityire sabe disso. “Nunca baixei a cabeça. Como indígena, me sinto fortalecida no combate contra as diferenças, principalmente de raça”, pontua.
Segundo ela, as universidades têm papel fundamental nesse processo, oferecendo oportunidades e acolhendo o pensamento indígena. “O estudo gerou alegria dentro da minha comunidade. Além disso, trouxe acolhimento entre meu povo. Hoje mostro o conhecimento adquirido”, celebra.
Neste 19 de abril, que a reflexão ultrapasse homenagens protocolares. Que se escute mais e se imponha menos. Que a educação continue sendo não apenas um direito, mas uma ferramenta real de transformação e resistência para os povos indígenas em todo o país. (Milla Andrade)
O post Gavião são o povo indígena mais presente no ensino superior apareceu primeiro em Correio de Carajás.