O sistema de pré-pagamento de energia elétrica, similar ao modelo de recarga de créditos utilizado em operadoras de telefonia, está sendo testado no Brasil como alternativa para reduzir inadimplência e permitir maior controle orçamentário por parte dos consumidores.
A modalidade faz parte dos chamados sandboxes tarifários, projeto com participação da Abradee (Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica) e regulado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O objetivo é modernizar o modelo de cobrança aplicado a usuários de baixa tensão.
A ideia é permitir que o consumidor recarregue, com antecedência, uma quantidade determinada de energia, em kWh (quilowatts-hora), e acompanhe o consumo ao longo do mês por meio de aplicativos ou sistemas digitais.
“Hoje em dia, temos muito mais acesso a esse tipo de informação, até mesmo aplicativos que nos auxiliam a avaliar o nosso gasto de dados móveis ao longo do tempo. É assim que será com a energia elétrica”, disse Lindemberg Reis, gerente de Planejamento e Inteligência de Mercado da Abradee em entrevista ao Poder360.
Segundo ele, o modelo é especialmente útil em regiões com maior vulnerabilidade socioeconômica. A inadimplência muitas vezes leva ao corte, ao parcelamento da dívida ou até ao furto de energia. Com o pré-pagamento, o usuário consome dentro de suas possibilidades e evita endividamento.
“Nós entendemos que o pré-pagamento pode ser uma solução. Afinal de contas, o usuário consegue fazer a carga de energia elétrica de acordo com as suas possibilidades e consegue ter uma maior gestão da energia. Então, esse é um dos aperfeiçoamentos que são muito bem-vindos para o setor elétrico brasileiro”, afirmou.
Assista à entrevista completa (30min38s):
TESTES EM ANDAMENTO
A modalidade está entre os 9 projetos-pilotos coordenados pela Abradee e aprovados pela Aneel. A Energisa é uma das distribuidoras que testam o pré-pagamento em suas áreas de concessão. O estudo envolve consumidores residenciais, rurais e pequenos empresários.
De acordo com pesquisa qualitativa realizada pela Innovare Pesquisa, com apoio do Instituto Abradee, a proposta foi bem recebida por consumidores que buscam previsibilidade na conta de luz. No entanto, parte dos entrevistados demonstrou preocupação com a estabilidade financeira necessária para manter recargas regulares.
O levantamento envolveu cerca de 360 pessoas e avaliou outras modalidades em teste, entre as quais:
- Tarifa Horária, sistema de cobrança em que o preço de um serviço ou produto varia conforme o horário do dia;
- Tarifa Dinâmica, que ajusta os valores de acordo com a demanda e a oferta de energia;
- Tarifa com 2 Componentes, com uma parte fixa e outra que varia conforme o uso;
- Tarifa em 3 Partes, com uma parte fixa (referente ao acesso ao serviço), uma parte por demanda contratada (quanto de energia você reserva) e uma parte pelo consumo real (quanto realmente usa);
- Tarifa Fixa.
A principal demanda identificada foi por previsibilidade e clareza na cobrança.
COMUNICAÇÃO
Uma das dificuldades apontadas por Reis é a baixa compreensão da estrutura tarifária atual por parte da população. Segundo ele, muitos consumidores ainda associam o valor total da conta à distribuidora, sem distinguir entre custos de geração, transmissão, tributos e encargos.
Além dos medidores adaptados para a modalidade, será necessário investir em ferramentas digitais que facilitem o monitoramento e a recarga de créditos.
“Para isso, vamos ter que ter, além do medidor de pré-pagamento, que é uma inovação tecnológica, nós vamos ter que ter aplicativos que dê essa ciência ao usuário, vamos ter que ensinar e informar o usuário adequadamente”, declarou Reis.
SANDBOXES
O projeto dos sandboxes tarifários foi lançado em 2022 e deve seguir em execução até 2027. Os resultados serão usados pela Aneel para avaliar mudanças permanentes no sistema tarifário nacional, em paralelo à discussão sobre a reforma do setor elétrico.
Segundo o MME (Ministério de Minas e Energia), a abertura do mercado livre para pequenos consumidores está prevista para começar de 2027 a 2028. Os testes atuais ajudam a simular esse novo ambiente.
Para Lindemberg Reis, a resistência a modelos novos tende a diminuir à medida que os consumidores percebem benefícios práticos. “A nossa tarifa de energia elétrica para os usuários da baixa tensão tem a mesma estrutura de tarifas desde a década de 80, isto é, 40 anos que não foi aperfeiçoada (…) mas, em breve, toda a sociedade vai colher frutos práticos desses experimentos que estão sendo conduzidos”, disse.